Cláudio Valério Teixeira crê que arte foi feita para ser compreendida por todos e não por apenas meia dúzia de intelectuais.

Workaholic é um adjetivo que cai como uma luva para Cláudio Valério Teixeira. Artista plástico, crítico de arte, restaurador e historiador, esse artista carioca radicado em Niterói há 20 anos, anda com os neurônios fazendo hora extra. Além de coordenar a equipe de restauradores que dão os últimos retoques no Teatro Municipal João Caetano, faz trabalhos freelancer em sua casa em São Francisco e inaugura, na quinta-feira, 16 de novembro de 1995, às 21 horas, na Galeria Quirino Campofiorito, do Centro Cultural Paschoal Carlos Magno, a mostra Natureza Silenciosa.

A exposição apresenta 40 Óleos em pequeno formato. Desde 1993 longe das galerias, o artista anda ocupado com a direção de seu premiado projeto de restauração do Teatro. Abandonou até as homenagens a pintores famosos, que resultou em séries dedicadas a Vincent Van Gogh e Pablo Picasso. "Esta fase é um exercício, um olhar bem simples e despojado sobre o cotidiano", define o artista, em fase mais introspectiva, que reflete nas telas mais intimistas.

Quem visita a Galeria Nacional no Museu Nacional de Belas Artes se depara com os imensos quadros Batalha do Avaí (de Pedro Américo) e Batalha dos Guararapes (de Victor Meirelles). As obras tem o dedo talentoso de Cláudio Valério Teixeira, 46 anos, que coordenou a restauração, num projeto considerado o mais importante na área de conservação de pinturas já realizado no País.

"Convivi com Cláudio nos últimos dois anos e pude perceber que, mais do que um AR-15 disparando milhares de ideias por minuto, ele é um homem de caráter, dignidade, ética. Um grande amigo, incentivador, que honrou com um quadro seu a capa de meu livro "A Onda Maldita" lançado em 92. O elogio é do presidente da Funiarte, Luiz Antônio Mello, para quem Cláudio tem uma ceragem que nunca faltou a Jimi Hendrix, que subverteu a desordem natural do rock.

Rejeitando a classificação 'Natureza Morta' para as obras que serão expostas na Galeria Quirino Campofiorito, Cláudio avalia: "Nenhuma natureza é morta... Prefiro o termo silenciosa, que se utiliza na língua alemã, e que considero uma arte de reação, contra a desarmonização efetivada, quando o artista perde o contato com a natureza e o referencial humano. Luto contra isso".

Para o artista, marido de Tânia, uma especialista na restauração de papel, não é preciso romper com esse binômio natureza/homem. Cláudio lembra que Picasso, por exemplo, foi o maior vanguardista da paróquia, mas nunca deixou de focar a dobradinha, mesmo que o mestre catalão tenha muitas vezes deformado a figura humana em seus desenhos. As vezes, o autor de 'Guernica' fazia uma pintura a partir do guidom de uma bicicleta...

"A arte atual se distancia. O Iberê Camargo, quando abstracionava, não perdia o lado humano na estética. Mas não é uma reação minha, nos EUA e Europa já acontece. Não posso esquecer Roberto Burle Marx, que realizou vários estudos para a pintura do pano de boca do Teatro Municipal. Mas também era abstrato, mas totalmente orgânico, inspirado nas plantas". Cláudio Valério Teixeira crê que arte foi feita para ser compreendida por todos e não por apenas meia dúzia de intelectuais.

Obras do Theatro Municipal

Enquanto mostrava os quadros que farão parte de sua mais nova exposição, ainda guardados no atelier de sua casa em São Francisco, o workaholic dá em exemplo de como a arte é como o Sol: nasce para todos. Afogado até o pescoço nas obras finais do Teatro Municipal, o restaurador sorri de orelha a orelha quando os operários que trabalham na reforma exclamam "Doutor, o senhor encheu isso aqui de cor"! A declaração procede, diante do colorido pano de boca pintado por Burle Marx.

"Eu quero a expressão plena do homem comum sobre o Teatro que possui tons 'soft'. Ele é bem ocre. contrastando com a cor de Burle Marx", diz Cláudio, para quem não é preciso conhecer a vida e obra de um artista para entender seu conjunto: "De forma alguma. Mas se conhecemos a trajetória de Rodin, iremos entender melhor seu processo criativo.

O medo, o tabu diante de uma peça em exposição, vem exatamente de uma noção de que aquilo que enche uma galeria é fruto de elocubração mental longe do entendimento de simples mortais: "O que se vê são pessoas visitando centros culturais e dizendo que não entendem os trabalhos ressalta Valério, que tem preferido as naturezas silenciosas, que são criadas dentro de atelier: "São, sem dúvida, mais intimistas. A paisagem, como é privada ao ar livre, tem ritmo mais frenético. Aliás, nós latinos falamos "morta" porque somos mais dramáticos. Mas o objeto que pintamos, como uma fruta, está longe da morte. "O saudoso Quirino Campofiorito sempre preferiu a designação de 'natureza silenciosa'.

Com metade das telas já vendidas antes mesmo do vernissage, o membro do American Institute for Conservation of Historic and Artist Works (EUA), elogia a galeria onde vai expor os quadros que pintou em 1994 e 95, em tamanhos que variam dos 30 a 50cm: "O espaço Quirino Campofiorito é muito interessante, porque a população está ali no Campo de São Bento. As pessoas que não têm a oportunidade de entrar num museu, se sentem convidadas porque o local tem paredes de vidro. Passam pela rua e veem o que está lá dentro. O retomo de público é ótimo".

Em 1990, quando Claudio expôs 'Cartas a Vincent' no mesmo lugar, recebeu inúmeras cartas de visitantes. Uma delas dizia: "Van Gogh não era um maluco que pintava... Isso é uma visão romântica". Mandavam inacreditáveis correspondências dizendo que Cláudio era o verdadeiro Vincent. "E o mais engraçado é que as cartas eram endereçadas a minha esposa, pra que ela tomasse cuidado comigo, brincou o aquariano, pai de três filhos ("Não os tenho visto muito ultimamente, ganhei outro rebento que é o Teatro Municipal...").

A Galeria Quirino Campofiorito fica no Centro Cultural Paschoal Carlos Magno, Campo de São Bento, Icaraí e Naturezas Silenciosas pode ser vista de segunda a sexta das 10 às 22h, aos sábados das 10 às 16 hores e aos domingos, das 10 às 14 horas. Até 30 de novembro.

Por Luís Fernando Dias, para O Fluminense, 16/11/1995


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Publicado em 29/04/2021

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