(Memória, 18 de outubro de 1987)

O Solar do Jambeiro, em Niterói, é um dos raros exemplos da arquitetura urbana da segunda metade do século XIX

O muro alto impede que os mais curiosos desvendem o mistério da casa centenária, quase escondida pelas árvores, com azulejos portugueses da segunda metade do século XIX revestindo a fachada e telhões de louça enfeitando os beirais.

O magnífico salão de estar tem lustres franceses, móveis dinamarqueses e ingleses
Conhecida como Solar do Jambeiro, a mansão é a maior atração do bairro de São Domingos, em Niterói, com seus 8 mil metros quadrados. O casal Hugo Einer Georg Egon Falkenberg e Lúcia Falkenberg vivem no Solar há cinco anos. "Ela foi tombada pelo Património Histórico e Artístico Nacional há 13 anos" conta Lúcia. "Mas, como não temos infraestrutura de pessoal, ainda não podemos abrir os salões para a visitação pública."

Assim, para conhecer 20 cómodos do casarão, com quatro magníficos salões decorados com móveis e objetos de arte ingleses, franceses, dinamarqueses, portugueses e brasileiros - é preciso conseguir um convite para assistir a um dos eventos culturais organizados periodicamente pela dona da casa. Há um ano e meio ela fundou o Colégio Fluminense de Cultura e Património Pró-Niterói, uma sociedade sem fins lucrativos, exatamente para desenvolver uma variada programação, que terá no dia 19 a abertura da exposição de 100 quadros do pintor Antonio Parreiras, que fez sua primeira individual no Solar, há 100 anos-, patrocina da pelo Moinho Fluminense.

O imponente portal da sala de estar da mansão de 1872, é toda em madeira rendilhada
"Para morar numa casa tão antiga como essa, é preciso ter interesse pela preservação" - reconhece Lúcia. "Nós usamos todos os cômodos, mas mantemos a decoração intacta e, para isso, temos apenas oito empregados fiéis".

São eles que mantêm a sala de visitas, o hall a sala de jantar e a imensa sala de estar impecáveis. O Solar foi construído em 1872 por Bento Joaquim Alves Pereira, um português que nunca chegou a residir na casa. O médico Júlio de Magalhães Calvet foi o primeiro morador: depois o pintor António Parreiras usou a casa e, em 1892, o diplomata dinamarquês George Christian Bartholdy comprou a mansão para a família. Foi com Bartholdy que o solar ganhou a decoração suntuosa que seus descendentes mantêm até hoje.

As viagens frequentes do diplomata Bartholdy fizeram com que o Solar do Jambeiro fosse alugado diversas vezes. Durante seis anos, ele abrigou a sede do Clube Internacional de Niterói e foi palco de concertos, conferências e algumas exposições, como a do pintor português José Maria Malhoa, que fez muito sucesso em 1906. Foi ainda ocupado pelo Colégio das Irmãs Dorotéias, que funcionou ali de 1909 a 1915. Só a partir de 1916 é que a família Bartholdy ocupou o solar definitivamente como residência.

Tudo no Solar funciona como no início do século. Não há máquina de lavar, mas um tanque de pedra com a caixa d'água embutida, usado pela família; ferros de engomar antigos substituem satisfatoriamente o ferro elétrico e nunca foi preciso instalar ar condicionado, porque a circulação da casa é perfeita: em todos os ambientes há sempre uma brisa refrescante.


O Solar tem quintal e pomar. Lúcia Falkenberg quer abrir a casa à comunidade


Hugo e Lúcia Falkenberg têm quatro filhos e sete netos, mas todos moram em São Paulo e só se hospedam no solar nas férias. "Mas, para que a casa seja definitivamente aberta ao público, precisaria de apoio do governo ou dos empresários para arcar com os ônus da infraestrutura e manutenção", afirma Lúcia, uma das criadoras do Museu Geográfico Guarujá Bertioga, membro do conselho do Patrimônio Histórico e Artístico de São Paulo e do Conselho Municipal de Cultura de Niterói.

Atuante há mais de 30 anos na área de cultura, ela gostaria que a casa onde vive virasse uma fundação para ser usufruída pela comunidade.

Por Lúcia Rito, para o Caderno Casa e Decoração do Jornal do Brasil.

PS: Em carta enviada ao jornal, e publicada em 24/11/87, o historiador Emmanuel de Macedo Soares informa que o pintor Antonio Parreiras já havia realizado exposições individuais antes desta citada de 1887, na Casa da rua Presidente Domiciano onde morou até sua temporada na Itália. Segundo Emmanuel, a primeira mostra do pintor foi realizada em 1883, na casa da rua Santa Rosa, onde morava com sua mãe.


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Publicado em 04/05/2021