por Cláudio Valério Teixeira

É corriqueiro falar-se que a Semana de Arte Moderna de 1922 foi o fato mais importante acontecido na arte brasileira. Discordo. Considero muito mais significativo para o desenvolvimento da nossa arte a verdadeira revolução que se deu em Niterói, no século passado, mais precisamente em quando surgiu o grupo Grimm, que transformou o conceito da nossa pintura através da paisagem.

O grupo Grimm foi formado a partir do rompimento do pintor alemão Georg Grimm (1846-1887) com a Academia Imperial de Belas-Artes, que apenas entendia como arte a pintura de temas históricos e mitológicos. Com a saída de Grimm da Academia, o mestre bávaro foi seguido por seus alunos para a pintura de paisagem ao ar livre, em pleno sol, tendo a natureza como maior fonte de inspiração.

Charge de Humberto publicada na mesma página do artigo
Entre os pintores estavam Antônio Parreiras, João Batista Castagneto, Hipólito Caron e outros. A cidade-sede dessa magistral rebelião foi Niterói, mais precisamente a Ilha da Boa Viagem, Ingá. São Domingos e arredores, que serviram de cenário para centenas de obras que construíram verdadeiramente o paisagismo brasileiro.

Niterói possui uma imensa tradição de fazer cultura. O nascimento do Museu de Arte Contemporânea defronte à Boa Viagem não é obra do acaso, e deve ser encarado como o ressurgimento desta vocação. No governo de Jorge Roberto Silveira a cidade retomou este perfil. É inegável que a atuação da Fundação Niteroiense de Arte (Funiarte), redescobrindo novos valores da música, via Niterói Discos, a criação do corpo de Ballet da Cidade, o projeto Praia do Delírio, a música na Igreja de São Francisco e muitos outros projetos retomam esse desejo, e reconstroem a cara da cidade.

Francamente, nada disso é novo. Estava simplesmente abandonado. Tanto é verdade que a revolução se deu rapidamente. Com o prefeito João Sampaio dando continuidade a esses projetos e criando outros, como é o caso da Niterói Livros, a cidade retomará o caminho que jamais deveria ter abandonado. Por mais que eu deteste essa definição, indústria cultural é a nossa verdadeira riqueza.

Aqui nasceu o Teatro Brasileiro. Em nosso Theatro Municipal, que tenho a honra de estar restaurando. João Caetano, pela primeira vez na história do teatro nacional, utiliza atores, textos e direção de brasileiros. O teatro começava a falar português do Brasil... Isso a partir de 1833! Mais: neste pequeno teatro, que muitos niteroienses desdenham, o nosso genial Villa Lobos regeu orquestras, Procópio Ferreira encantou plateias, Renato Vianna inovou a dramaturgia brasileira. Enfim, não faltam nomes para mostrar a qualidade da cultura que aqui se produziu.

A cidade viveu no verão de 1992 um vigoroso festival de cultura cubana que teve repercussão mundial e que até hoje é lembrado com saudade. Niterói foi a única cidade do mundo que apoiou Cuba no seu momento mais difícil, com dignidade e sem medo.

É fundamental que a cidade nunca mais se afaste de sua vocação, repetindo erros do passado. A prefeitura está fazendo seu papel, os artistas estão trabalhando, mas é lamentável que a classe empresarial continue de braços cruzados como se nada estivesse acontecendo. Não apoia, não patrocina, não cumpre seu mínimo papel social. São raras e honrosas as exceções. Niterói tem que mudar esta mentalidade tacanha. Falta apenas isso para nossa cidade colocar um pé no Primeiro Mundo.


Quadro pintado em 1884 por Hipólito Caron, retratando a entrada da Baía de Guanabara vista da praia das Flechas.


Originalmente publicado no Jornal do Brasil de 24 de outubro de 1993. Cláudio Valério nessa data comandava a restauração do Theatro Municipal João Caetano.








Publicado em 07/02/2023

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