Nascido em 1938 no bairro da Engenhoca, em Niterói, Zalmir Gonçalves foi um dos profissionais da fotografia mais queridos e respeitados no Estado do Rio. Foi chefe do Departamento de Fotografia de "O Fluminense", fundador e primeiro presidente da Sociedade Gonçalense de Fotografia, diretor de fotografia do Museu da Imprensa Brasileira e professor de fotografia. Fotógrafo exclusivo do concurso Miss Estado do Rio, entre os anos de 1964 e 1969, realizou mais de 30 exposições individuais e 40 coletivas. O artista tem, ainda, 51 participações em concursos nacionais e internacionais.

Zalmir ficou conhecido por seu trabalho como repórter fotográfico atuando nos jornais de maiores circulações das cidades de Niterói, São Gonçalo e Rio de Janeiro. Como grande admirador de Cartier Bresson, é conhecido por suas fotos de alto contraste em preto e branco, seguindo a estética do seu grande ídolo.

Zalmir Gonçalves
Da paixão à profissão

Começou suas atividades como fotógrafo ainda bem jovem. Segundo ele contou à historiadora Marina da Rocha Marins, para o artigo Entre arte e documento: a fotografia pública de Niterói pelas lentes de Zalmir Gonçalves, foi numa partida de futebol que descobriu, aos 12 anos, o que queria ser quando crescesse. "Um dia eu vou ser um desses aí" disse ao seu tio ao observar os repórteres fotográficos durante uma partida.

Dois anos depois, aos 14 anos, ganhou sua primeira câmera fotográfica, presente de sua mãe, uma Penguin de fole. "No Natal minha mãe perguntou se preferia ganhar uma bicicleta ou uma máquina fotográfica. Sem pensar duas vezes, optei pela máquina. Era um modelo simples, com poucos recursos, mas com ela comecei minha carreira", disse. Aos 17 anos, fez um curso de fotografia na Sociedade Fluminense de Fotografia (SFF), uma oportunidade de aperfeiçoar a técnica que tanto o fascinava. Com uma câmera Flexaret 6X6, com flash, que adquiriu no período em que servia o exército, começou a fotografar eventos sociais, casamentos e aniversários, apesar de querer no fundo abraçar o fotojornalismo.

Foto de uma modelo em Jurujuba, Niterói.
Anos depois, em 1960, conheceu na SFF, Walter Quintino, fotógrafo da "Revista Atualidade", semanário niteroiense, que lhe disse haver uma vaga para trabalhar como repórter fotográfico. Sua primeira foto, sobre uma exposição agropecuária em Cordeiro, ficou tão boa que acabou contratado. Por seis anos trabalhando na revista, viveu um intenso processo de imersão na fotografia profissional. Trabalhou em jornais do Rio de Janeiro com sucursais em Niterói, como o "Diário Carioca", "Última Hora", "O Dia" e o "Diário de Notícias". Entre 1968 e 1983 trabalhou no Jornal "O Fluminense" e posteriormente teve uma trajetória como freelancer no Jornal "O Globo". Colecionador de prêmios na categoria, recebeu diversos prêmios como o Funarte de Fotografia, Niterói (1993 e 1997), Certificado de Destaque da Comunicação (Associação Fluminense de Propaganda) e foi eleito três vezes o melhor fotógrafo do ano: em 1964, pela revista "A Gaivota", e 1973 e 1974.

Solar detalha, em mostra de Zalmir Gonçalves, sua restauração
"Imagem em Foco" de Zalmir Gonçalves, em destaque no CCPCM

Zalmir começou a expor seus trabalhos no início da década de 1970. O fotógrafo lembra com irreverência de sua primeira exposição, de fotopoesia, em parceria com o amigo Ricardo Augusto dos Anjos, em 1974. "A mostra só ficou em cartaz três dias, na Praça Vital Brasil, em um estande do Centro Niteroiense de Turismo (Cenitur). O prefeito mandou retirar por achar as poesias expostas subversivas demais", conta, às gargalhadas.

Uma das mais inesquecíveis para o artista, aconteceu em 1995, quando comemorando 35 anos de carreira, recebeu o carinho da cidade onde nasceu. Para comemorar a data, a Empresa Niteroiense de Turismo (Enitur), o Departamento do Sistema Viário e o tabloide Folha de Niterói promoveram uma exposição, com 150 fotos, no Terminal Rodoviário João Goulart. "Escolhi fotos de várias fases da minha carreira, as vezes marcantes, engraçadas, trágicas ou alegres, mas todas com muito sentimento", disse na época ao Jornal do Brasil.

Foto do Vão Central

Ao longo de sua carreira, registrou através de suas lentes, momentos de importância histórica para Niterói, como por exemplo, a construção da ponte Rio-Niterói: Desde o princípio da fundação até a inauguração. Uma de suas fotos, mostrando a Subida do Vão Central, foi publicada na capa do jornal Fluminense na época e republicada em 2014 no Jornal "O Globo", em comemoração aos 40 anos de construção da Ponte. "Por incrível que pareça não fiz as fotos da inauguração. Nesse dia eu estava de folga aí não fiz, mas acompanhei os acidentes, corria todo dia, pegava um barco lá na Ponta d'Areia e ia todo dia até lá perto do Vão Central fazer o Vão Central subindo", conta o artista.

Subida do Vão Central da Ponte, 1973
"Na hora, eu vi que aquele pôr do sol, entre os pilares, era muito bonito. Fiz uma viagem pela Baía de Guanabara num pranchão, com outros representantes da imprensa, e fotografei de um ângulo que ainda hoje é muito diferente do que as pessoas estão acostumadas", lembra Zalmir.

Arte e Documento

Ao longo dos anos, o trabalho de Zalmir, foi transitando por entre dois mundos um tanto distintos: o mundo da fotografia artística e da fotografia documental. Contratado pela Prefeitura de Niterói, documentou atividades de preservação de patrimônios históricos, como os registros da restauração do Solar do Jambeiro, no bairro de São Domingos, da Igreja de São Lourenço dos Índios e do Palácio Arariboia, três importantes exemplos de patrimônio cultural da cidade.

Cais do Porto de Niterói, visto do Morro da Armação, Ponta da Areia, Niterói
Zalmir conta que descobriu seu lado artístico certa vez quando trabalhou como fotógrafo durante a restauração do Solar do Jambeiro. Distraído entre os jardins do antigo Palacete Bartholdy, como fora conhecido o Solar do Jambeiro no tempo em que serviu de residência para a nobre família de dinamarqueses, Zalmir teria se aventurado a fotografar a flora nativa daquele espaço, o jardim que sobreviveu ao tempo, entre espécies de plantas em suas diferentes formas e cores, que despertaram no fotógrafo um olhar diferente daquele que tinha ao fotografar nos jornais.

"A fotografia artística surgiu depois que fui trabalhar no Solar e comecei a fazer fotos da restauração. Sem usar nenhuma técnica especial, um dia fiz uma foto de uma lama que tinha uma flor caída. Um amigo viu a foto e me comparou a Monet. Disse que eu estava pintando com a máquina.

Cinema Olaria, anos 1970 (O Globo)
Apesar de nunca ter gostado de fazer foto de flor, acabei fazendo mais fotos nesse estilo, retratando literalmente a vida orgânica, com formas abstratas, com imagens submersas em lagos e poças d'água, texturas de troncos de árvores e palmeiras com formas flutuantes". Sutilezas nunca reveladas, impressões sensíveis e efeitos de cores surpreendentes que rendeu até exposições", conta Zalmir.

Durante a experiência Zalmir percebeu que podia fazer fotografia artística, segundo suas próprias palavras. Mas o que fazia Zalmir até então quando com a câmera na mão fotografava o dia-a-dia carioca? Do seu ponto de vista, fazia história. Segundo Zalmir, “uma fotografia que se destrói é um pedaço da história que se perde"

Av. Amaral Peixoto, no Centro de Niterói
"A idade contribuiu para minha mudança de estilo", acrescenta Zalmir. "Não tenho mais pique para subir morro e correr atrás de um ângulo difícil para garantir a melhor foto. Além disso, fotografar artisticamente é tranquilo e prazeroso", ressalta o profissional e, agora, artista. Quanto à distinção entre as categorias, Zalmir faz questão de explicar: "De forma artística, posso procurar a melhor luz, dar um toque especial; caso eu não consiga o efeito que quero, volto e faço outra. O fotojornalismo é muito mais dinâmico. Se perder o fato, não tem a próxima vez".

Durante sua carreira, Zalmir subiu morros em batidas policiais, encarou enchentes, incêndios e greves, conflitos da reforma agrária, cobriu eventos esportivos e registrou um pouco da vida cultural de Niterói e São Gonçalo. Sempre procurando ser fiel à realidade dos fatos. Em 1970, chegou a levar uma cabeçada de um diretor do clube Canto do Rio, quando tentava subir na passarela em busca de um melhor ângulo das moças que desfilavam no Concurso Miss Estado do Rio. Dentre todas as coberturas jornaliísticas que fez, Zalmir lembra a mais comovente: "Foi em 1983, em Nova Friburgo, o sequestro da estudante Sonia Montechiari, cujo corpo foi encontrado depois de 12 dias. A dor da família da moça contagiou quem acompanhava as buscas", diz.


(1) Cena num morro carioca, JB, 1998
(2) Zalmir em foto de Adriana Caldas, JB, 1995
(3) Lúcio Costa em seu escritório, JB, 1988


Pouco antes de falecer, em 10 de junho de 2017, aos 79 anos, Zalmir Gonçalves havia doado todo o seu acervo para a Sociedade Fluminense de Fotografia.

Ao saberem do falecimento de Zamir, amigos homenagearam o fotógrafo nas redes sociais. "A fotografia está de luto com o falecimento do mestre Zalmir Gonçalves. Mestre quando não havia foto em celular e câmeras super avançadas como as da atualidade. A arte era feita com o filme que os jovens de hoje não conhecem. Zalmir foi acima de tudo, uma figura humana adorável, um grande companheiro ", escreveu o jornalista Paulo Roberto Araújo.


Fotos da exposição 'Restauração do Solar do Jambeiro'



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Publicado em 12/05/2021

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