Acontece logo mais no Theatro Municipal do Rio de Janeiro a festa de entrega do 6º Prêmio Sharp de Música. O evento vem sendo considerado o mais importante do mercado fonográfico brasileiro e, esse ano, indicou Gilberto Gil a seis prêmios nas categorias Melhor Disco (Parabolicamará e seu SongBook produzido por Almir Chediak), Melhor Cantor e Música (Buda Nago, O Fim da História e Parabolicamará).

Além de Gil, mais de 100 artistas concorrem esse ano a 60 prêmios. Entre eles, Júlio São Paio (revelação masculina na categoria samba), Andrea Dutra (revelação feminina na categoria pop-rock) e Sérgio Nacif (melhor arranjador na categoria instrumental). Todos com álbuns gravados pelo Selo Niterói Discos.

Para o presidente da Fundação Niteroiense de Arte - Funiarte - Luiz Antônio Mello, o LAM, o Prêmio Sharp vem dizer que o caminho está certo. "O prêmio é do Jorge Roberto Silveira, que teve a ideia de produzir esses discos. LAM aposta em Andrea Dutra e Júlio São Paio. A surpresa maior foi a indicação de Sérgio Nacif. "Andrea era vizinha de Jorge Roberto Silveira, em São Francisco. Conheço ela desde adolescente... ia aos ensaios dos Corsários. Uma vez a gente tava tocando violão e ela começou a cantar. Jorge disse logo de cara que aquela menina ia longe. Ela sumiu, amadureceu seu trabalho e esperou o disco para se lançar. Por isso, não se apresenta muito", garante Luiz Antônio.

O diretor-executivo da Funiarte, Ivan Macedo, vai mais longe quanto a Júlio São Paio. "Só com a indicação ao Prêmio Sharp, o Júlio já pode ser considerado um ex-artista da Niterói Discos. E nós ficaremos super felizes". LAM compara o Niterói Discos com a gravadora americana Motown, responsável pelo surgimento de vários talentos como Diane Ross, Marvin Gaye e Lionel Richie, entre outros.

"A Motown foi responsável pelo movimento musical negro em Detroit. E nós temos um movimento na cidade com um manancial artístico impressionante. Um entreposto cultural. De repente, você faz uma gravadora que já é indicada ao Prêmio Sharp... Esse ano vamos lançar mais 50 discos, que estarão concorrendo no ano que vem. A iniciativa é muito séria. Acho que é a glória do selo e dos artistas.

Ivan Macêdo diz que só as indicações serão suficientes para facilitar o objetivo do selo, que é colocar artistas no mercado. "Para a cidade isso é muito importante e funciona como incentivo para novos projetos, como o Niterói Livros, que está saindo".

Chico Aguiar e Luís Antônio Mello
Chico Aguiar, diretor-artístico do Selo Niterói Discos, ficou decepcionado ao saber que a capa criada por Anita Santoro para o disco de Alex Malheiros não havia sido indicada a melhor projeto visual. "As indicações pegaram a gente de surpresa. Especialmente porque a Niterói Discos é extremamente artesanal. O custo dos discos é 10 vezes menor que o de um disco normal". Chico não arrisca palpites, prefere esperar a abertura dos envelopes logo mais.

Luiz Antônio garante que o Selo Niterói Discos está provocando um polo industrial musical na cidade. "Quando ele foi criado, havia dois estúdios em Niterói. Hoje nós temos 14 estúdios... Existe um grupo de Niterói comprando a fábrica de discos Polygram e trazendo pra cá, para o Barreto. Então, sem querer exagerar, a Motown começou assim e Hollywood começou assim também.

Você dando um perfil de indústria cultural, - que é o que o Niterói Discos está abrindo -, literária e teatral, nós vamos chegar um dia a apresentar Niterói como a cidade da cultura. Tudo está sendo produzido aqui". Segundo os três executivos, o que torna o Selo Niterói Discos diferente é a ausência de competitividade. "O objetivo é inserir o artista no mercado. O cara chega aqui verde, nós fazemos qualquer coisa que ele precise, menos interferir no trabalho dele", garante Chico Aguiar. Talvez tenha sido por falta de "interferência" que o disco de Tião Neto não obteve indicação ao Prêmio Sharp. "Todo mundo lamentou. Tião não foi indicado porque colocou uma música cantada no disco instrumental. Ele seria um seríssimo candidato... mas nós não vamos interferir nunca no trabalho do artista. Se ele quis misturar, tudo bem", lembra Luiz Antônio.

Macedo garante que tem sempre um grande executivo das gravadoras poderosas rondando o Niterói Discos. "O selo é simpático porque não bateu de frente com o 'circuitão'. Aí o cara chega, pergunta o que temos. Dependendo do segmento, ele leva, faz o contato com o artista e nós só queremos que eles voem". Os exemplos dessa decolagem são Zé Katimba e Miltinho. Ambos assinaram contratos com a RGE e Polygram, respectivamente. Rita Mansur e Marcia Helô também estão encaminhadas via Polygram.

Com capas e encartes bem cuidados, LAM assegura que a indústria gráfica da cidade também está sendo movimentada. "Hoje temos 10 artistas trabalhando com a gente. A coisa tá evoluindo". Chico Aguiar compara a renovação musical da Niterói Discos com a Tropicália. "Daqui a pouco essa renovação, esses compositores inéditos, essa música, vão sobressair".

Clipe com Arthur Maia

Vem aí o primeiro videoclipe do Niterói Discos. Trata-se de uma faixa extraída do LP do baixista Arthur Maia. "A música tem um depoimento da avó dele o tempo todo. Quero criar um clipe preto & branco no palco do Teatro Municipal. O teatro vazio, ele e a avó. A câmera vai girar em torno deles e tudo que ela estiver dizendo vai aparecer em caracteres", antecipa Luiz Antônio Mello, que ainda está procurando uma câmera Beta e trilhos para a gravação.

Como esse vai ser o primeiro clipe da Niterói Discos, é claro que serão inseridas algumas imagens de Niterói (Itacoatiara e a Pedra de Itapuca, por exemplo). A ideia é mandá-lo para a MTV daqui, de Los Angeles e de Tóquio. "Essa música também tem um acordeom meio Piazzolla. A avó conta que Arthur começou tocando bateria e que foi o tio, Luizão Maia, quem o incentivou a tocar baixo. Vai ser bem barato, eu vou dirigir e não vou cobrar nada. Acho que vai dar para abrir a série de clips com chave de ouro", festeja LAM

Outro projeto que vem movimentando os executivos da Funiarte é o Pronto Socorro Literário, criado por Luiz Antônio em Parceria com o CEP 24000 do poeta Chacal. "Geralmente, o cara chega com a música sem letra. O Pronto-Socorro vai pegar e fazer uma letra pra ele. Temos observado que a grande dificuldade é a letra da música. O português é uma língua extremamente linda, mas difícil de trabalhar", diz LAM, que descarta gravações em inglês, por enquanto.

O primeiro CD do Niterói Discos já está em fase de acabamento. Trata-se do grupo Anônimus, que gravou em digital repertório clássico no Atelier Antonio Parreiras. A capa, aliás, trará a reprodução de uma das pinturas do famoso niteroiense. Luiz Antônio Mello explica porque só os projetos especiais sairão em CD:

"O pessoal do samba, música infantil e popular prefere o vinil. O CD é caro. Não para fazer, o engraçado é isso. O CD custa 12% a mais que o LP em vinil (US$8 mil). Um disco normal em uma grande gravadora custa US$100 mil. Nosso custo cai porque a quantidade é pequena e nós trabalhamos com estúdios de Niterói e do Rio.

Ivan Macedo diz que os músicos de Niterói até esquecem esse lado da grana. "Aqui todos são artistas. E eles ficam tão empolgados, querendo fazer o disco, que essa coisa do dinheiro fica de lado", garante.

Até o final do mês de maio/83, sai o disco com a Banda da 2° Brigada de Infantaria Motorizada, adida ao 3º B.I., gravou os hinos Nacional, da Independência, da República, da Bandeira, do Estado do Rio e de Niterói A ideia é distribuir o disco para todas as escolas municipais. Para o Natal, o Selo Niterói Discos vai gravar tradicionais canções de boas festas com um coral a ser escolhido. Tudo bem tradicional, sem invencionices.

Outro projeto que está empolgando a direção da Funiarte é a pesquisa que o roqueiro Marco Sabino fez nos pagodes de rua de Niterói. O disco vai se chamar "Samba da Cidade", tem produção do próprio Sabino e deverá estar pronto em três meses. "São 11 faixas e na última todos os pagodeiros cantam juntos a música título", adianta Chico Aguiar.

Luiz Antônio Mello diz que o álbum da Marcia Helô está pronto para ser lançado. Tá faltando um bom disco infantil com narração. É um mercado que não teve renovação". Quanto às futuras produções, LAM adianta que vai gravar o álbum de Alex Martinho, piloto da primeira guitarra sinfônica de rock. Vem aí também o disco da Fluminense FM, Johann Heyss e Beth Bruno, que finalmente chega ao vinil. O Grupo Teatro de Opera de Niterói (TON) e a cantora Maud Salazar também vão gravar árias de óperas italianas. Ecletismo maior não há.

José Carlos Assumpção, para O Fluminense, em 19 de maio de 1993


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Publicado em 03/05/2021