A artista visual Lourdes Barreto está em cartaz com a mostra "Objetos", na Sala José Cândido de Carvalho, no Ingá. Com curadoria da gravadora e pintora Desirée Monjardim, a exposição traz objetos em tecido recheados de acrilon e costurados a mão, além de interessantes telas redondas coloridas, harmonicamente dispostas.

A Sala José Cândido de Carvalho fica no primeiro andar da Secretaria Municipal Cultura de Niterói.

As obras de Lourdes Barreto são fruto de uma pesquisa prática, um exercício constante em diversos planos, desenho, aquarela e, sobretudo, pintura. Assim surgiram os objetos: dos restos de lona das telas, em 2012.

A reflexão posterior lhe trouxe à tona as alusões inevitáveis: Claes Oldenburg, Dubuffet, Dorothea Tanning, Yayoi Kusama e os bichos de Ligia Clark. Os objetos que têm bastidores de bordado como base trazem ainda outra abertura de interpretação, puxando da memória pessoal de infância baiana, os brinquedos e bonecas costurados e toda a relação com o repertório feminino que o suporte faz.

O grafismo sinuoso, "orgânico-mecânico", que recobre cada um dos objetos, essa "caligrafia particular" traz as lembranças de outras séries de trabalhos da artista (inferno, jardim-máquina), mas a maneira com a qual as linhas pretas cobrem combinações inusitadas de cores – azul de ftalocianina com rosa chiclete; branco de titânio com verde pasta de dente – aponta para duas referências estranhas ao meio tradicional da pintura, mas pertencentes ao universo afetivo da artista-professora: a gravura e o grafite de rua. Este último demonstrando como a atuação docente é antes de tudo vista como troca e constante renovação.

Objetos, por Lourdes Barreto

Os primeiros Objetos surgiram a partir de restos de lona usados nas telas. Essas sobras foram costuradas em variados formatos, emendadas e receberam uma modelagem e enchimento que lhes deram uma estrutura em três dimensões. O tecido cru e com volume foi coberto com um “fundo” de óxido de zinco, gesso e cola pva, resultando em objetos brancos.

Nesse momento a Pintura tornou-se necessária. Os Objetos precisavam de um peso que retirasse seu aspecto branco e um tanto fantasmagórico. Que lhes dessem uma identidade, um pertencimento ou uma potência envolvendo engrenagens e formas orgânicas, com cores e linhas formando uma trama, em contrastes movimentados, realizados com pincéis de várias espessuras em negros quentes e frios, misturados com azuis ou com vermelhos.

Os primeiros Objetos, além do preto e branco, receberam azuis e terras. Entretanto, com o tempo, foi necessário reencontrar a leveza do início, sendo preciso mais uma camada de um branco com boa cobertura, o titânio. E sobre o mesmo, outra uma vez, o grafismo e a cor densa em um ou outro momento, criando áreas de interesse, como em uma Pintura.

Assim, tudo nesses Objetos remete à Pintura, desde os procedimentos que envolvem a construção de cada um deles ao resultado final. Os elementos plásticos se complementam e nos remetem a Dubuffet ou a Kusama, as referências são necessárias. Mas, esses Objetos possuem suas idiossincrasias, são quase bichos e engrenagens orgânicas, são Objetos e, sobretudo, são Pinturas.



    Trecos pictóricos, por Pedro Sánchez

    Numa manhã de sábado de céu azulzão desço a rua das laranjeiras para uma visita ao ateliê da Lourdes e do Marcão. É preciso alguns segundos para ajustar o foco e conseguir se localizar dentro da antessala. Parece que tudo a sua volta é pintura. A impressão que se tem é a de ter ido parar no estômago da artista. E está tudo pintado de fato. Paredes, mesinha, banquinho, criado-mudo, o teto e até o chão de taco. Tudo tomado pelo grafismo arredondado assim como, claro, as telas. Penduradas, empilhadas, por toda a parte, seguem pelo corredor e pela cozinha, até o quarto de trás, este igualmente lotado de matrizes e pecinhas de madeira e ferramentas de metal. Mas essa é outra história.

    Pressinto que, enquanto as telas permanecerem ali, elas continuarão em processo de elaboração, em transformação. Não que não fiquem prontas nunca, mas é que, de um momento para o outro, aquele azul cobalto pode não fazer mais sentido e – foi! – vira branco. Não se trata somente de desapego, mas de um processo de trabalho que se origina e se manifesta na ação. E isso é a primeira coisa a se dizer sobre esses "objetos escapulidos"*. "Quando resolvi criar esses objetos" diz a artista, "intuitivamente desdobrava um pensamento plástico que se fundamenta no fazer, nas relações entre os elementos básicos e constantes como a cor, linha, plano, espaço e, sobretudo, a matéria".

    Essas obras são fruto de uma pesquisa prática, uma compulsão pictórica, um exercício constante em diversos planos, desenho, aquarela e, sobretudo, pintura. Assim surgiram os objetos: dos restos de lona das telas. Isso em 2012. E da pintura da Lourdes eles trouxeram tudo, os materiais, o fundo de preparo, o gestual gráfico, a imprevisibilidade; principalmente, a boa fatura e o conhecimento técnico característicos da autora do Oficina de Pintura, manual onde generosamente compartilha com o público o conhecimento teórico e prático acumulado por décadas de pesquisa artística e atuação docente – atividades estas inseparáveis em sua trajetória.

    A partir daqueles resíduos foram surgindo estes trecos pictóricos recheados de acrilon e costurados a mão. Aos poucos foram se desdobrando, multiplicando, variando de escala, formato e configuração. Alguns se colocam sobre pedestais, outros pendurados na parede, e outros ainda se lançam para fora da tela esticada, deixando a silhueta vazia como uma afirmação de ausência de seu lugar de origem. Em todo caso, é desta forma que precisamos compreendê-los, como um "transbordamento" da pintura – uma pintura que interage com o espaço que a envolve. Nesse sentido, vale sublinhar uma tela específica, que está deitada sobre o chão como um tapete, retornado ou relembrando a dimensão objetual da pintura em si.

    A reflexão posterior lhe trouxe à tona as alusões inevitáveis: Claes Oldenburg, Dubuffet, Dorothea Tanning, Yayoi Kusama e os bichos de Ligia Clark. Os objetos que têm bastidores de bordado como base trazem ainda outra abertura de interpretação, puxando da memória pessoal de infância baiana, os brinquedos e bonecas costurados e toda a relação com o repertório feminino que o suporte faz. O grafismo sinuoso, "orgânico-mecânico", que recobre cada um dos objetos, essa "caligrafia particular" traz as lembranças de outras séries de trabalhos da artista (inferno, jardim-máquina), mas a maneira com a qual as linhas pretas cobrem combinações inusitadas de cores – azul de ftalocianina com rosa chiclete; branco de titânio com verde pasta de dente – aponta para duas referências estranhas ao meio tradicional da pintura, mas pertencentes ao universo afetivo da artista-professora: a gravura e o grafite de rua. Este último demonstrando como a atuação docente é antes de tudo vista como troca e constante renovação.

    Seguimos conversando e Lourdes abre uma das 5 gavetas de uma mapoteca de ferro, sobre a qual encontram-se apoiados uma pilha considerável de cadernos de estudos manufaturados e completamente preenchidos. Ali, na informalidade relativa desse espaço de ação contínua, se anunciam guinadas e frestas. Não consigo evitar o desejo de roubar pelo menos unzinho daqueles. De dentro da gaveta saem mais uma infinidade folhas grossas de papel bom, texturado e encorpado, e o gosto da tinta da acrílica me entra pelo nariz e vem amargar minha língua.

    *As expressões e frases entre aspas foram retiradas de conversas e escritos da artista.



Serviço

Exposição: "Objetos", de Lourdes Barreto
Curadoria: Desireé Monjardim
Em cartaz até: 17 de outubro de 2016
Visitação: De segunda a sexta-feira, das 9h às 17h
Classificação: livre
Entrada Franca

Local: Sala José Cândido de Carvalho
Endereço: Rua Presidente Pedreira, 98, Ingá, Niterói-RJ


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Publicado em 12/09/2016

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