Quando a chamam de primeira dama do teatro niteroiense, Cristina Fracho, atriz desde 1973, diz que não com veemência. Seus amigos, parceiros de palco e críticos de arte da cidade, no entanto, discordam.
Tereza Cristina Pires de Oliveira Fracho nasceu em Niterói, a 12 de agosto de 1956. Completou o primário e ginásio no Colégio Assumpção, em São Francisco, e, no extinto Colégio Figueiredo Costa, em Santa Rosa, fez o curso de formação de professores. Formou-se psicóloga na Faculdade Maria Thereza, em São Domingos.
Sua estreia nos palcos se deu na peça infantil "A Gata Borralheira", adaptada por Lyad de Almeida e dirigida por Washington Alves, onde fazia o papel título. E contrariando a tradição dos atores da terrinha no início dos anos 1970, não debutou no teatro Leopoldo Fróes, mas no suntuoso Theatro Municipal João Caetano. Depois da estreia, e apesar das ameaças constantes, nunca mais largou o palco, porque como ela mesma declarou, "o teatro me arrepia".
Cristina vem de uma trajetória prodígio em família, onde obrigava a todos os seus queridos parentes a assistirem, nos aniversários e demais festinhas, a sua reprodução fantástica dos dramalhões de Glória Magadan, coisas do gênero "Sangue e Areia", "O Sheik de Agadir", etc.
Daí para os famosos cursos de teatro do antigo INDC (hoje FAN) foi um pulo. Fez e passou, mas não aconteceu nada. Teimou no ano seguinte, dessa vez sob o comando do ator e dietor Sérgio Brito. E foi aí que tudo começou. Continuou seus estudos em oficinas comandadas por Amir Haddad, José Lavigne, Renato Borghi e Haroldo Azevedo.
"Foi uma experiência incrível, conheci muita gente, mas foi o Almir de Oliveira quem me convidou para o meu primeiro espetáculo: chamava "Palhaços sem Máscaras", ou "Os Entendidos", ensaiávamos, eu, Flor de Maria, Sohail Saud, Nilberto Villela e Francis Azevedo, mas a peça foi proibida em todo território nacional, primeiro na antiga Guanabara, depois no resto do país, e assim eu continuei inédita. Nesse meio tempo eu conheci Nelson Pantoja, e resolvemos montar "O Marido Ideal", um vandeville do Oscar Wilde, mas a produção também não foi a diante".
Ainda em 1973, no Leopoldo Fróes, atuou em "Três peraltas na Praça", de José Valuai e direção de Pedro Matozinho. No ano seguinte, interpretou a pantera no espetáculo "As Aventuras de Lico e Leco", de André Luis Prevott, e atuou em a 'A Cigarra e a Formiguinha', ambos no Teatro Leopoldo Fróes. Com o Grupo Teatral Renascimento, no Teatro SESC Niterói, atuou nas peça "As Três Irmãs de Meméia" e "O Gênio da Floresta Coral", ambos sob a direção de Sidney Becker. Voltou ao Leopoldo Fróes em 1976 com o infantil "Oncilda e Zé Buscapé".
Uma das fundadoras do "Grupo Papel Crepon", atuou em dezenas de espetáculos como: "Fantasia (1979), "Dancin' Show" (1979) e "Tem Xaveco no Tablado" (1980), com direção de David Varella. Com essa revista, a companhia ficou em temporada de dois meses no Teatro Serrador, do Rio de Janeiro. Ainda no Papel Crepon atuou em "A Formiguinha e a Borboleta" (1980), "Cinderela" (1980), "Rapunzel, a menina das tranças de ouro" (1981), "Araribrodway" (1981) - com temporada no carioca Teatro Cacilda Becker, "Face to Face" (1981) - onde interpreta 10 personagens, "Nossa Vida é Uma Chanchada", "Que-pe-co-poi-sa-pá" (1983), "Sururu no Galinheiro (1983)", "Anormalistas ou Isto é Normal?" (1983), "Pluft, O Fantasminha" (1984), "Nossa vida é uma chanchada" (1984), "O Segredo de Vovô Tibúrcio" (1985), "Sangue, Muito Sangue" (1985), "Cassino Icarahy" (1986), "Adão e Eva" (1986), "Anne", "Aladim", "O Casamento de D. Baratinha" e "Adão e Eva" (1986).
Em 1984, participou do espetáculo "Cantareira 84", no Theatro Municipal de Niterói, festival artístico produzido por Sohail Saud, Eduardo Rossler e Lúcia Maria Cerrone. Em 1986 dividiu o palco do Leopoldo Fróes, no espetáculo "Um Peru Pra Toda a Festa", com o humorista Costinha, que a convidou em uma homenagem à classe artística da cidade.
Em 1987, atuou em "O Auto da Compadecida", com direção de Ronaldo Mendonça e David Varella. Com a Cia de Dança de Niterói, integrou o elenco do ballet-teatro "A Dança de Dona Flor e seus dois maridos" (1987), onde interpretou a mãe de D. Flor, sob a direção de Márcio Augusto Fonseca e coreografia da professora Helfany Peçanha; e de "Rio de Cabo a Rabo", com direção de Silvio Fróes (1988).
Com o grupo de teatro Construção e sob a direção de Sohail Saud, atuou em nova montagem de "Pluft, o Fantasminha" (1988). Novamente com o Papel Crepon, em 1993, estrelou a remontagem do sucesso "Sangue, Muito Sangue", no Teatro da UFF.
Após uma longa temporada fora dos palcos, Cristina Fracho atuou em 2007, como atriz convidada da Coof Cia Teatral, no espetáculo infantil 'O Grande Caçador - Uma Lenda Africana', com texto inspirado na lenda de Oxotocan, guerreiro iorubá que salva seu povo da ameaça do Grande Pássaro Negro. Ainda com a Coof, atuou em "A Princesa e a Ervilha" (2010), com direção de Leandro DaMatta, que lhe rendeu o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante no Festival Nacional de Teatro de Rio das Ostras (RJ), em 2010 - foto no alto da matéria; e também "Festival da Canção na Floresta" (2013), baseado num conto de La Fontaine, com direção de seu irmão Carlos Fracho.
Com a Cia. Sassaricando interpretou a Dona Benta em "O Sítio do Pica Pau Amarelo" e atuou em "O Patinho Feio (2014)", ambas sob a direção de Ricardo Silva.
No cinema esteve no curta "O Cru e o Cozido" (1983) e no longa "As Aventuras de Sérgio Malandro" (1985).
Ao lado de Eduardo Roessler, Anamaria Nunes e Sohail Saud, foi, em 1984, sócia fundadora da Atacen - Associação dos Trabalhadores em Artes Cênicas de Niterói -, sendo coordenadora de eventos na primeira gestão e vice-presidente na gestão posterior. "Os grupos da cidade precisavam se unir para cobrar uma posição dos órgãos de cultura, porque do jeito que estava a gente só se encontrava em estreias. E assim, não chega em lugar nenhum, e eu não quero continuar a fazer teatrinho", comenta Cristina, sobre a necessidade de união da classe teatral da cidade.
Dirigiu e atuou em diversos espetáculos do projeto "Leitura Dramatizada da ATACEN", como "Querida Mamãe", "A Dama do Camarote", "Uma Relação tão Delicada", "Quarta Feira sem Falta lá em Casa", "Está lá fora um Inspetor", "A Resistência", "Agne de Deus", "Amor com Amor se Paga", "Confissões de Adolescentes", "Médico à Força" e "Três Peraltas na Praça". Em 2023, dirigiu a peça "Sempre Te vi, Sempre Te Amei", no 4º Circuito de Teatro Adulto, que aconteceu na Sala Nelson Pereira dos Santos, em Niterói.
Cristina é uma das idealizadoras do MOTIN - Movimento Organizado Independente de Niterói - que leva o teatro adulto e infantil às praças da cidade. Pós-graduada em metodologia do ensino das artes e psicóloga graduou-se em contação de histórias.
A atriz completou 50 anos de carreira, em novembro de 2023, e comemorou no 3º Festival Internacional de Teatro Nina Mendes, em Dublin na Irlanda, com a leitura dramatizada "Querida Mamãe" e o espetáculo infantil "Festival da Canção na Floresta".
Em depoimento feito à colunista Maria Gabriela, em 1983, Cristina comentou: "Eu sou uma sobrevivente; quem começou comigo, se mandou pro Rio, e eu tenho uma vontade enorme de fazer alguma coisa em Niterói, por Niterói, porque a verdade é que por mais que a gente faça peças por aqui - e você vê, são dez anos de teatro -, fica sempre a nível amador. É a realidade. Se você tentar o outro lado da baía, pode ser que aconteça. Eu tenho esperanças, apesar de tudo, de que um dia a gente vá ter um grande teatro; agora, é preciso que se tenha teatro disponível, porque esse negócio de só poder ocupar o palco por duas semanas, como está previsto, é uma brincadeira de muito mau gosto. A gente ensaia três meses, investe numa produção e fica em cartaz duas semanas? Isso tem que mudar. "
Depoimento
"Atriz cômica, pra ninguém botar detalhes, acha que o seu grande lance é o drama, que só daria para fazer textos de peso, coisas como Eugene O'Neil, Ibsen, Tchecov, mas quase nos matou de rir mesmo foi com "Tem Xaveco no Tablado", "Araribrodway", "Face to face" e os milhares de infantis que vem desempenhando num exercício muito vivo ao longo desses dez anos. [...] É pisoteando o meu "bois" cor de rosa, desfolhando meu 'egrett de stram', e literalmente destruindo minha rumbeira de quinze babados, que tenho que reconhecer, irritadíssima, que Cristina Fracho, dez anos de arte, é a grande atriz do teatro niteroiense. Reconhecida pelo seu público (é ela, é ela), aplaudida em cena aberta dezena de vezes, ovacionada nas estreias; enfim, uma mulher que detém a marca insuperável de recorde de afetividade em distância olímpica com a plateia, periodicamente ameaça largar o teatro e só não repete o "I want be alone" porque seria muito abuso até para ela mesma. (Maria Gabriela, O Fluminense - 1983)
Tags: