Beatriz Almeida: narrativas impossíveis
Segundo a psicanálise, o trauma psíquico envolve um afluxo pulsional intenso. As profundas marcas que deixa na memória impedem a sua própria representação. O desafio é elaborar a memória traumática, tentar narrar aquilo que supera toda capacidade de ser transmitido. A obra de Beatriz Almeida trata da ferida da memória diante do evento traumático.
Em "Papai Noel é tricolor", por exemplo, estamos aparentemente diante de uma cena comum: uma criança, o pinheiro de Natal decorado, a cadeira de balanço; a mesa sobre a qual vemos três bonecos musicals de Papal Noel. Não é gratuito que façamos uma descrição tão substantiva. Em sua narrativa impossível, a artista não pode deixar que se forme uma história. O uso da fotografia como base reforça o tempo passado cristalizado no presente. A escala de cinza enfatiza o sentido de algo que já aconteceu. As demais cores se insinuam pelas frestas, se revelam como corpo estranho.
Suas pinturas nos trazem o presente incrustado no passado, pois não se trata de recordar e sim de repetir. Falam da urgência dessa experiência-limite em uma artista jovem que já enfrenta, com honestidade e disposição, a barreira entre a vida e a arte.
Vera Beatriz Siqueira
Historiadora das Artes Professora do Instituto de Artes da UERI