O Prefeito Moreira Franco desapropriou ontem o velho camarão da Rua Maestro Felício Toledo, 474, onde Norival de Freitas um dos políticos mais influentes do Estado do Rio durante a Primeira República - que agora será transformado em biblioteca e cinemateca, sob a responsabilidade da Fundação Atividades Culturais de Niterói (FAC*). A desapropriação custou ao Município Cr$ 9.797.958,00.
O prédio, de dois pavimentos foi construído no início do século em estilo 'Belle Époque' e é a única casa de época que resta no centro de Niterói. Hoje, o estado de conservação é bastante precário, apresentando os jardins, janelas e portas praticamente destruídos, o teto, em alguns lugares, completamente apodrecido e os afrescos nas paredes descoloridos pela ação do tempo. A Prefeitura pretende iniciar imediatamente os trabalhos de recuperação, com a preocupação de preservar todos os detalhes originais da construção, sem ferir a arquitetura imponente, que desperta a curiosidade de quem passa pelo local.
História
O advogado Norival Soares de Freitas construiu o casario no princípio do século para residir com a família. Vereador, Deputado Estadual e Deputado Federal por várias legislaturas pelo antigo Partido Republicano Fluminense, exercia poderosa influência no corredor constituído entre os Municípios de Niterói e Macaé.
Sua força política era tão grande - conta Hodson de Azevedo Lima, seu antigo correligionário - que ele chegou a criar uma nova corrente no Estado, os "Norivalistas". Ele in- dicava os Prefeitos de Niterói, Vila Nova Machado, por exemplo, além de ter participação decisiva na escolha dos Prefeitos de São Gonçalo e de todos os municípios da Região dos Lagos. Os candidatos que apoiava eram fatalmente eleitos devido à grande popularidade. do poderoso cacique.
"Nosso quartel-general - prossegue Hodson - era o Café Londres, na antiga Rua da Praia (atual Avenida Rio Branco), no local onde hoje é a Praça Arariboia. Todos os dias, por volta das 8 da manhã, Norival saia de casa, descia a Coronel Gomes Machado e passava pelo Café, onde políticos e intelectuais se reuniam para discutir as novidades que chegavam da capital da República. Depois de passar pelo Café, onde era sempre reverenciado, ele se dirigia para a Câmara Federal, no Rio, levando quase todo o dia um pedido de emprego ou favor de algum conhecido. Quando voltava, à noite, ele convidava os amigos mais chegados para uma reunião em sua casa, onde eram discutidos os acontecimentos do dia".
"Posso afirmar, assegura Hodson, que naquela casa foram tomadas as decisões políticas mais importantes sobre Niterói e os municípios vizinhos no período pré-getulista. Todas as autoridades que chegavam do interior se hospedavam lá. O doutor Norival sempre fez questão disso.
Planos
Quem passa hoje pela rua Maestro Felício Toledo não pode imaginar o valor histórico e cultural daquele casarão abandonado e entregue a ação do tempo. Os jardins destruídos, a fachada soltando pedaços de reboco e as janelas quase caindo causam um aspecto lúgubre e desolador em quem se arrisca a contemplá-lo da calçada.
Segundo Moreira Franco, a Prefeitura iniciará logo os estudos para a adaptação das dependências do prédio em biblioteca e cinemateca, "depois de submetê-lo a uma cuidadosa e minuciosa restauração, que preservará todos os valiosos detalhes da arquitetura da época".
A FAC pretende instalar ali um centro de produção cultural que incluirá salas de leitura, escolinhas de arte, cinemateca, exibindo semanalmente filmes raros sem qualquer interesse comercial, e uma biblioteca.
Casa Norival de Freitas, em In ALBUQUERQUE, Júlio Pompeu de Castro. A capital fluminense: álbum de Nictheroy (1925). Via Centro de Memória Fluminense /SDC/UFF.
Para as herdeiras acabou o pesadelo da demolição
Depois de testemunhar diversos encontros decisivos na história social e política da cidade e após ser ameaçado de demolição, o último casarão do Centro de Niterói foi desapropriado pela Prefeitura Municipal e passará a dar sua contribuição à cultura: será transformado num centro cultural. Localizado no centro de um terreno arborizado na Rua Maestro Felício Toledo, 474, o casario atesta, por sua imponência, uma época de Niterói.
Diversas personalidades como Arthur Bernardes, Júlio Barata (ex-Ministro do Trabalho), Amaral Peixoto e Batista Luzardo (Embaixador do Brasil na Argentina), circularam por seus amplos aposentos, apreciaram seus valiosos móveis e objetos e foram servidos com cristais de Baccarat e talheres de prata de Christofle a convite do ex-Deputado Federal Norival de Freitas, o proprietário. Após seu falecimento, no início da década, Nazira Freitas, uma de suas filhas e herdeiras, teve medo de permanecer residindo no casarão, devido à sua imensidão, e resolveu mudar para um apartamento na Rua São João, para onde levou parte considerável das relíquias.
Para Nazira, que lembra com saudades os velhos tempos, "quando a casa vivia cheia de gente desde que mudamos para lá em 1923, na época em que meu irmão Ewaldo nasceu, permanecer no casarão era uma temeridade. Isso porque, em 1965, seus pais sofreram um assalto no palacete - escondido em meio às folhagens do jardim. Segundo ela, o trauma do assalto motivou a morte dos pais.
À maneira das construções antigas, o casarão possui quatro salas, sete quartos, quatro varandas, dois banheiros, copa, cozinha e garagem, todos amplos com portas e janelas externas de pinho de riga e chão de tábuas corridas. O teto das varandas é sustentado por colunas de ferro fundido e escadas levam aos aposentos superiores, onde restam alguns móveis. Na sala principal, o que mais chama atenção é a grande quantidade de livros antigos que ninguém quis comprar quando foram colocados à venda pela herdeira.
Mas, é mesmo no apartamento de Nazira Freitas que está guardada a maior parte das relíquias: um quadro do italiano Faustino Trebbi (decorador da Catedral de Bolonha), datado de 1874; os cristais Baccarat e os talheres de prata da Christofle (o mais caro talher francês), bem como as louças do casamento de seus avós. As cortinas de Gobelim, com mais de cem anos, mas que depois de lavadas ficaram novas, foram levadas para Friburgo para a casa de uma outra irmã.
Mas, de grandes recordações do tempo da vida no casarão são, o leque bordado e pintado à mão que pertenceu à avó, e está emoldurado numa das paredes da sala do apartamento; e um cinzeiro no formato de um timão de navio, tipo caixinha de música, que toca os 'Contos dos Bosques de Viena', que se encontra sobre una mesinha.
Nazira Freitas, hoje com mais de 60 anos, diz pretender ainda vender algumas destas antiguidades e conservar aquelas de maior valor estimativo. Ela lembra que todos os móveis foram comprados para o casamento do pai, em 1912, na Casa de João Dias, na Rua Coronel Gomes Machado, onde hoje está instalada a loja 'O Pavilhão'. Nazira conserva até os dias atuais as notas de compras dos móveis, já amarelecidas pelo tempo, da mesma forma que tem consigo outros pequenos objetos como cinzeiros, estatuetas de terracota, bibelôs, mesinhas consoles, bancos e cristaleira.
Apesar de sentir pena ela colocou o casarão à venda e até imaginava que seria adquirido por uma imobiliária e depois de demolido, em seu lugar fosse surgir um grande prédio. Mas, foi com grande surpresa que percebeu as primeiras manifestações de interesse da Prefeitura e agora, quando foi concretizada sua desapropriação, sua alegria é grande. "Só em saber que o palacete continuará de pé e servindo à cultura da população me dá uma grande alegria", comenta Nazira como se fizesse um desabafo.
*Antigo nome da Fundação de Arte de Niterói - FAN
Com informações de O Fluminense de 09 de março de 1979.