Por decreto, de 19 de dezembro de 1933, o comandante Ary Parreiras, interventor federal no Estado do Rio de Janeiro, extinguiu a repartição denominada Arquivo Geral do Estado e criou, em substituição o Arquivo Público e Biblioteca Universitária. O diretor e todo o pessoal da repartição extinta serão aproveitados sem prejuízo de seus vencimentos. Os cargos de natureza especial, como os de secretário e encarregado do catálogo, são de livre escolha do governo, entre os funcionários, de preferência, da Secretaria do Interior Justiça, a quem estará vinculada a Biblioteca.


Essa nota publicada em 'O Fluminense' dava conta à população de Niterói a criação oficial das repartições que iriam ocupar o prédio construído num dos lados da Praça da República, como parte do Centro Cívico, conjuntos de edifícios ocupados por boa parte da burocracia do antigo Estado do Rio (Assembleia Legislativa, Fórum, Polícia Central e Liceu Nilo Peçanha). O edifício, que se tornaria um dos mais imponentes de Niterói, foi um projeto de Pedro Campofiorito, pintor e arquiteto italiano radicado em Niterói.

Mas a primeira instituição a ocupar o espaço, de fato, foi a Academia Fluminense de Letras, já que em 1927 o então presidente do Estado, Feliciano Sodré, sancionou uma lei mandando instalar a AFL no futuro palácio. A obra foi iniciada, mas interrompida pouco tempo depois. Foram reiniciadas na interventoria de Parreiras, que, a 6 de setembro de 1934 inaugurou a sede definitiva da AFL no corpo central do segundo pavimento do prédio, salão que obedeceu ao estilo Luiz XVI. A casa dos "imortais" fluminenses, criada em 22 de julho de 1917, foi reconhecida pelo então presidente Nilo Peçanha como instituição de utilidade pública, e a municipalidade de Niterói lhe havia cedido como sede, o edifício do Theatro Municipal João Caetano. E ali funcionou até conquistar sua sede definitiva.

No andar térreo do novo palácio, foram instalados o gabinete do diretor, secretaria, portaria, seções de expediente e os armazéns do Arquivo Público, que guardam a documentação da vida administrativa da terra fluminense, desde a criação da província em 1835.

O andar superior, além da sede da AFL, foi ocupado pelos depósitos de livros e pelas duas salas de leitura, que homenagearam os intelectuais fluminenses, Saturnino de Brito e Alberto Torres. O crescente desenvolvimento da BU levou o governo a autorizar, a 5 de julho do mesmo ano, a instalação de mais uma sala de leitura, destinada exclusivamente à leitura infantil. A sala recebeu o nome de Euclydes da Cunha.

Com a presença do interventor Ary Parreiras, às 20h45 de 15 de março de 1935 teve início a sessão inaugural, com o discurso de Ruy Buarque Nazareth, Secretário do Interior e Justiça, que salientou a significação daquele ato. Em seguida, realizou-se a sessão solene da Academia Fluminense de Letras, que quis assim celebrar a inauguração daquele centro cultural. Os membros efetivos Luiz Lamego e Belfort Vieira, evocaram, respectivamente, as individualidades de Alberto Torres e Saturnino de Britto, patronos das duas salas de leitura da biblioteca.

Sobre a inauguração, assim noticiou o jornal carioca 'Correio da Manhã'

Uma aspiração secular da capital fluminense vai ser plenamente satisfeita com a inauguração, hoje, 15 de março de 1935, em ato oficial, presidido pelo interventor Ary Parreiras, da Biblioteca Universitária.

A iniciativa recomenda uma administração, porque Niterói é hoje uma cidade de numerosa população acadêmica, dado que as Faculdades locais possuem matriculados mais de 2.500 alunos, e isso sem contar os que frequentam as Universidades cariocas e que ali residem.

Também ponderável é o número de estudantes dos cursos secundários, que ultrapassam a 6.000. Daí a feição emprestada ao novo departamento, sem dúvida útil e o primeiro no tipo que se lança no país, pois sabido é que as obras didascálicas são de preço elevado e muitas das que os mestres indicam não podem ser adquiridas pela maior parte dos que delas necessitam e, por isso, a direção da Biblioteca solicitou dos próprios professores das escolas superiores e secundárias, a indicação das obras que adotam e as que apontam aos seus discípulos como imprescindíveis à consulta. Coube ao "Correio da Manhã" proceder à primeira visita jornalística à nova repartição estadual, com assentimento do respectivo diretor, Nelson Lacerda Nogueira.

Este, que é antigo funcionário fluminense, jornalista e homem de letras, secretário perpétuo da Academia Fluminense de Letras, conhecedor de História Fluminense e que proporcionou por ocasião da passagem do 1º Centenário da Província do Rio de Janeiro uma bela exposição de documentos à mesma alusivos, acompanhou-nos gentilmente através das dependências do belo palácio da praça da República.

Dois são os depósitos de livros, com capacidade cada um para 40.000 volumes, e igualmente duas as salas de leitura. A da esquerda do pavimento superior recebeu a denominação de Saturnino de Britto, uma das glórias do Estado do Rio: é a da Seção Universitária (obras didascálicas); a da direita tem como patrono Alberto Torres, figura de destaque da sociologia brasileira, também fluminense: é a da seção de publicações periódicas e obras gerais. Ambas comportam simultaneamente cerca de 80 leitores.

O ambiente da Biblioteca Universitária é o mais sedutor possível, pois além da sobriedade e distinção do mobiliário destacam-se nas paredes das dependências, telas dos maiores nomes das artes plásticas fluminense.

Abre-se a Biblioteca Universitária com 30.000 volumes, o que é sem dúvida magnífico começo. O acervo abrange todos os ramos do conhecimento humano. Livros de ciências, de literatura, de arte, filosofia, história, de todos os assuntos, enfim, ali se encontram à disposição dos estudiosos. Terá, além disso, coleções das mais importantes revistas técnicas, nacionais e estrangeiras.

Na praça fronteira ao palácio se apresentou a banda da Força Militar do Estado, refletores possantes iluminaram, do jardim, a fachada do belo edifício.


Sobre os antecedentes da Biblioteca, assim falou o sr. Lacerda Nogueira ao ‘Correio da Manhã’:

Nelson Lacerda Nogueira (O Flu, 1928)
"A ideia de se dotar a nossa capital de uma biblioteca pública, vem dos primeiros anos da província. Muitos dos chefes de governo em seus relatórios à Assembleia Legislativa acentuaram semelhante necessidade. O que aconteceu no velho regime sucedeu igualmente na República, e isso até a presidência de Feliciano Sodré. Coube a este dar início à execução das obras de um edifício apropriado, já no fim de sua gestão, as quais tiveram de ser interrompidas dois ou três meses depois por causa da difícil situação financeira do Estado. Veio a revolução, e a biblioteca pública, em expediente de organização, foi extinta, e os seus funcionários ficaram no arquivo geral - aliás seção da mesma biblioteca. Ascendendo ao posto que осuра, coube ao interventor Ary Parreiras determinar o prosseguimento das obras do edifício paralisadas havia seis anos, em 1933, quando também os trabalhos se concluíram.

Para o pavimento térreo não demorou em ser transferido o arquivo geral, que encerra valiosa coleção de autógrafos, não tardando de parte do interventor a reforma deste departamento e a criação da biblioteca universitária, agora a inaugurar-se.

O Correio da Manhã, a que me ligam saudades da época em que o servi em Niterói, é dos jornais brasileiros um dos que mais se vêm preocupando com o problema nacional das bibliotecas. Ainda não há muito, num tópico que seria de todo justo se quem o redigiu não ignorasse os motivos da extinção da nossa biblioteca municipal, censurou esse ato do prefeito Lyra da Silva.

E, no entanto, o governador da cidade, a falta de prédio adequado - a sala de leitura possuía quatro metros de extensão e dois e meio de largura - e da pobreza das coleções, que já não atendiam ao interesse dos leitores, caminhou ao encontro da antiga aspiração dos niteroienses, avolumando o patrimônio da biblioteca universitária.

Começaremos bem, de vez que podemos oferecer mais de 20.000 obras atuais. Do outro lado, o acervo dos vinte e tantos mil livros restantes é precioso, consultando aos interesses dos eruditos de todas as especialidades, e rica é a coleção de enciclopédias e dicionários gerais e especiais.

Dádivas importantes vêm se registrando, como a da biblioteca do dr. Velho de Avellar, de cuja posse somente agora vou cuidar e ainda ontem, o dr. Maurício de Lacerda ofertou coleções dos periódicos que fundou e alguns outros em que colaborou, completamente encadernadas.

E é com satisfação que proporciono esses dados ao Correio da Manhã", concluiu o sr. Nelson Lacerda Nogueira.

Com informações do 'Jornal do Commercio', 'O Fluminense' e Correio da Manhã.
Pesquisa e edição de Alexandre Porto


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Publicado em 11/09/2024

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