Em 3 de abril de 2004, Malu Fatorelli, com curadoria de Guilherme Bueno, então diretor da Divisão de Teoria e Pesquisa, inaugura uma nova fase de ocupações e exposições para a varanda, chamadas 'Projetos Especiais'. As visitações continuam até 26 de junho.

Fatorelli ocupou aquele espaço com uma estrutura que compunha um percurso instigante entre metalinguagem e experiência espacial, chamando a atenção do visitante para além da experiência da arquitetura e da paisagem.

Nessa instalação, chamada Arquitetura da Palavra, a artista se utiliza literalmente dos textos da sua tese de doutorado, impressos em folhas brancas, para tecer uma estrutura vazada suspensa no topo de cada parede, projetando uma rica trama gráfica de sombras que variava de acordo com a hora do dia.

A arquitetura da palavra de Fatorelli conseguiu fazer convergir, com inesquecível surpresa, a fruição dos valores semântico e sensorial, produzindo mais um exemplo de escultura-caminho para leituras simultâneas de um leitor em movimento. Naquele mesmo ano, Raul Mourão, Felipe Barbosa e Rosana Ricalde, mais uma vez com a curadoria de Guilherme Bueno, também enfrentaram os espaços de invasões recíprocas entre museu e paisagem.






Arquitetura da Palavra

Na história da arte e da arquitetura o diálogo entre a palavra e o objeto sempre se caracterizou por um movimento de impulsão recíproca. De Vitrúvio a Alberti, de Le Corbusier a Robert Smithson, texto e obra são, mais do que expressões, entidades contínuas. Mesmo ponderando-se a trajetória da questão do paragone, da fronteira entre as artes, como fora objeto, por exemplo, de Lessing no século XVIII, a fim de dirimir as razões do grau de especificidade (e suposta superioridade) de uma arte em relação a outra, não deixou de existir, em contrapartida, o momento de encontro, através do qual a construção especulativa da forma atingia o modo operativo de realização do objeto no mundo. Era, no caso de Vitrúvio, a prescrição das ordens em Alberti, a perspectiva como codificação de um modo de apreensão e conceituação do espaço; em Corbusier, a reivindicação de um novo contrato entre construção, forma e existência; e em Smithson, o colapso espiral da unidade modema e da distinção hierárquica entre categorias.

O projeto de Malu Fatorelli no MAC Niterói enraíza sua reflexão diante do enfrentamento deste ponto de suspensão da história da visualidade, ou seja, aquele momento em que prospecção e fato pretender-se, ainda que material ou visualmente diversos, quase indistintos. O trabalho é o resultado de sua tese de doutorado, recentemente defendida. Contudo, ele não estabelece a compartimentação entre o pensamento teórico e a definição de uma práxis. Literalmente ele se constrói com as inúmeras páginas que conduziram sua análise reflexiva, seus avanços, retornos, revisões... todas estas etapas são testemunhadas, estão presentes em seu corpo. Indo-se além, ele realiza no espaço tal indistinção: o conceito que desenvolve converte-se imediatamente em sua matéria existencial.

O trabalho, ao se inserir e construir o espaço, leva este atravessamento adiante. Conforme coloca a artista, ela atenta inicialmente para o problema do nicho, isto é, do elemento que, mais do que fazer a transição, executa a coincidência espacial entre o lugar da arte e o da arquitetura. Se o texto, assim como uma planta baixa, representa as possibilidades do vislumbramento de uma concretude, na intervenção que Malu realiza, ele também se impõe como uma metáfora deste nicho. Não obstante, é necessário observar, como um nicho ainda em um outro nível linguístico, aquele que se inscreveria entre o pensamento e a matéria, entre sujeito e objeto: ao mesmo tempo em que opera a demarcação da convergência, a imagem construída pela palavra puramente mental, converte-se em uma tessitura objetivamente física, por conta das paredes, das tramas realizadas com as folhas de papel.

Se sua convicta e silenciosa discrição parece fazer estes elementos emergirem sutilmente, isto não diminui sua potência e o delineamento quase acidental de uma monumentalidade. Talvez menos por conta de sua escala bastante humana e tangível, mas, sobretudo, por elaborar uma empreitada ambiciosa na qual se envolvem diferentes níveis de presentação do mundo; em outros termos, uma imersão sobre a ação do sujeito e suas práticas de significação do mundo.

Guilherme Bueno, Curador




Informações sobre a artista

Malu Fatorellil nasceu em 1956 no Rio de Janeiro, cidade onde vive e trabalha. Formou-se em arquitetura pela FAU/UFRJ, é mestra pela ECO/UFRJ e doutora em Linguagens Visuais pela EBA/UFRJ. Estudou gravura na PUC-Rio e na Escola de Artes Gráficas de Veneza e foi, durante muitos anos, professora da Escola de Artes Visuais do Parque Lage (Rio de Janeiro). Frequentou como artista visitante, com bolsa de estudos do British Council, a Ruskin School of Drawing and Fine Arts, da Universidade de Oxford, em 1994; e Headland Center for the Arts, São Francisco, CA, EUA. Atualmente é professora do Instituto de Artes da UERJ e da Escola de Artes Visuais do Parque Lage (Rio de Janeiro). Participou de inúmeras exposições nacionais e internacionais, dentre as quais se destacam: Atelier Finep (Paço Imperial, Rio, 1994); individual na Ruskin School of Drawing and Fine Arts (Oxford, Inglaterra, 1994); Amigos da Gravura (Museu da Chácara do Céu, Rio, 1999); Novas Direções (MAM-RJ, 2001); e Casa de las Americas Havana, Cuba, 2002).

Coleções públicas: Biblioteca Nacional de Paris, França; Linacre College. Oxford, Inglaterra; Centro Cultural Cândido Mendes, RJ; Centro Internacional da Gráfica de Veneza, Itália; Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro; Fundação Cultural de Curitiba, PR; Solar Grandjean de Montigny, PUC, RJ/SESC, RJ; Museu da Chácara do Céu, RJ/ e MAC Niterói.


SERVIÇO

Projeto Especial: 'Arquitetura da palavra', de Malu Fatorelli
Curadoria: Guilherme Bueno e Malu Fatorelli
Período: 03 de abril a 30 de maio de 2004

Museu de Arte Contemporânea - MAC
Endereço: Mirante da Boa Viagem, s/n – Niterói RJ
Informações: 21 2620 2400 / 2620 2481


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Publicado em 16/04/2021

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