Arquitetura da Palavra
Na história da arte e da arquitetura o diálogo entre a palavra e o objeto sempre se caracterizou por um movimento de impulsão recíproca. De Vitrúvio a Alberti, de Le Corbusier a Robert Smithson, texto e obra são, mais do que expressões, entidades contínuas. Mesmo ponderando-se a trajetória da questão do paragone, da fronteira entre as artes, como fora objeto, por exemplo, de Lessing no século XVIII, a fim de dirimir as razões do grau de especificidade (e suposta superioridade) de uma arte em relação a outra, não deixou de existir, em contrapartida, o momento de encontro, através do qual a construção especulativa da forma atingia o modo operativo de realização do objeto no mundo. Era, no caso de Vitrúvio, a prescrição das ordens em Alberti, a perspectiva como codificação de um modo de apreensão e conceituação do espaço; em Corbusier, a reivindicação de um novo contrato entre construção, forma e existência; e em Smithson, o colapso espiral da unidade modema e da distinção hierárquica entre categorias.
O projeto de Malu Fatorelli no MAC Niterói enraíza sua reflexão diante do enfrentamento deste ponto de suspensão da história da visualidade, ou seja, aquele momento em que prospecção e fato pretender-se, ainda que material ou visualmente diversos, quase indistintos. O trabalho é o resultado de sua tese de doutorado, recentemente defendida. Contudo, ele não estabelece a compartimentação entre o pensamento teórico e a definição de uma práxis. Literalmente ele se constrói com as inúmeras páginas que conduziram sua análise reflexiva, seus avanços, retornos, revisões... todas estas etapas são testemunhadas, estão presentes em seu corpo. Indo-se além, ele realiza no espaço tal indistinção: o conceito que desenvolve converte-se imediatamente em sua matéria existencial.
O trabalho, ao se inserir e construir o espaço, leva este atravessamento adiante. Conforme coloca a artista, ela atenta inicialmente para o problema do nicho, isto é, do elemento que, mais do que fazer a transição, executa a coincidência espacial entre o lugar da arte e o da arquitetura. Se o texto, assim como uma planta baixa, representa as possibilidades do vislumbramento de uma concretude, na intervenção que Malu realiza, ele também se impõe como uma metáfora deste nicho. Não obstante, é necessário observar, como um nicho ainda em um outro nível linguístico, aquele que se inscreveria entre o pensamento e a matéria, entre sujeito e objeto: ao mesmo tempo em que opera a demarcação da convergência, a imagem construída pela palavra puramente mental, converte-se em uma tessitura objetivamente física, por conta das paredes, das tramas realizadas com as folhas de papel.
Se sua convicta e silenciosa discrição parece fazer estes elementos emergirem sutilmente, isto não diminui sua potência e o delineamento quase acidental de uma monumentalidade. Talvez menos por conta de sua escala bastante humana e tangível, mas, sobretudo, por elaborar uma empreitada ambiciosa na qual se envolvem diferentes níveis de presentação do mundo; em outros termos, uma imersão sobre a ação do sujeito e suas práticas de significação do mundo.
Guilherme Bueno, Curador