"Horizonte Provável segue o rumor de uma linha que contorna o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, em seu edifício circular, agora tomado por mim como um recipiente para falas inacabadas. O seu formato, que a muitos sugere um disco voador, para mim evoca um grande cálice, onde fluidos de pensamentos e imagens vêm configurar-se como um conteúdo precioso, incluindo o desenho constelar realizado pelos visitantes que ali depositam seu olhar.
Meu trabalho nasce desta perspectiva de interseção entre as paisagens externa e interna do Museu, com a intenção de criar uma espécie de borda branca entre o que é litoral e o que é literatura. O trabalho toma o espaço da varanda como um site-specific, absorvendo todos os elementos da arquitetura ali presentes, mas sobretudo a bancada que serve, muitas vezes, como lugar privilegiado de contemplação, onde o corpo do espectador pode encontrar o conforto necessário para mirar os intermináveis espaços, de um lado e outro da transparência do vidro do perímetro de fachada, colocando-se também na mira dos processos artísticos abertos, convergindo para o conceito de infinitude, tão acoplado ao da criação artística.
Elida Tessler
A proposta da Elida para a varanda dá ressonância poética à infinitude circular do MAC, com anéis concêntricos, Horizonte Provável. Tanto pelo seu processo de criação, falas inacabadas - continuas, quanto pela sua homenagem a Haroldo de Campos, na escolha específica da obra A arte no horizonte do provável, este trabalho amplia o universo de abrangência conceitual da mostra Poéticas do Infinito. Fiando e desfiando, capturando pontos de interseção entre vida e arte, geografia e literatura, assim é a poética infinita da Elida Tessler. Daí serem sempre continuas falas inacabadas em cumplicidade com o destino. Feitas de viagens e encontros, entrelaçam diferentes formas de expressão com apropriações do acaso, deslocamentos e ocupações.
O projeto nasceu inspirado pelo desafio e potência deste lugar especial do MAC, a varanda, onde se ouve o mar. Elida toma partido desta tensão entre cultura e natureza para transformar em horizonte provável, de provas (sabor e teste) e de probabilidades (esperança de transformação), este território de limite suspenso do museu, entre o dentro e a fora, entre arquitetura, geografia e literatura. A própria trajetória profissional da Elida vem sendo caracterizada pela intervenção artística que se nutre do jogo de contaminações reciprocas entre o sentido do lugar, e os seus saberes, que não separam geografia da arquitetura.
Assim, Elida desconstrói a ordem natural dos sistemas de percepções desgastadas entre coisas e significados pela concepção de situações inusitadas, buscando desconfigurar inter-relações adormecidas, que já passam despercebidas no dia-a-dia, através de deslocamentos que transfiguram por estranhamento o impacto dos lugares comuns. Elida é movida pela crença na possibilidade de emergência de um instante poético, como campo de novas ordens de percepção do mundo. Este é o caso da potência múltipla desta instalação, "uma instauração literal de um horizonte provável (de esperança poética)".
Na ocupação da varanda pela Elida, sua obra se entrelaça com duas grandes obras: da literatura de Haroldo de Campos, A Arte no horizonte do provável, e a arquitetura de Niemeyer, que mereceria também o mesmo nome. Elida toma toda a circularidade do museu, assim como Niemeyer diante do grande círculo da Baía de Guanabara, e faz dela um recipiente maior para seu salto poético, um voo literal da literatura para a arquitetura, e daí para a construção de um novo litoral feito de um colar de pratos brancos impressos com verbos no infinitivo, retirados do horizonte literário de Haroldo.
Com as palavras livres do livro, Elida emancipa os verbos para a sua potência infinita, os pratos vazios se tornam também recipientes de pensamentos sementes para ações - gerúndios, como páginas de um livro redondo soltas sobre o mar, circundando o museu.
Surge um outro horizonte suspenso para um leitor caminhante no limite entre o museu e a paisagem, um livro desfiado como um tempo que inventa o espaço. O visitante é convidado a caminhar lendo (dando gerúndios aos verbos do infinito), seguindo a conquista de uma curvatura arquitetônica sobre o mar, em horizontes de expansão e imaginação. O viajante anónimo sobrevoa o litoral de palavras no horizonte, o infinito se toma próximo e provável.
Luiz Guilherme Vergara