"Quase infinito é um título enigmático, paradoxal, por isso bastante preciso para descrever esse trabalho de Senise no MAC. Ele é quase pintura, quase paisagem, quase instalação… quase infinito." Luiz Camillo Osorio

Destaque da geração de artistas que surgiram na década de 1980, Daniel Senise lança hoje, 22 de março de 2003, no Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC), dois grandes trabalhos: a exposição Quase Infinito e o livro The Piano Factory. A mostra fica em cartaz até 1º de junho.

Dividida em dois módulos, a mostra exibe, no salão principal do museu, três painéis inéditos. Aproveitando a troca dos tapetes do museu, Senine, conhecido por reconstruir espaços virtuais com novas ambientações, utiliza do tapete verde cinza original do MAC para compor uma paisagem recortando formas de gaivotas, mais uma vez buscando trazer o céu do entorno do museu para dentro do salão. Na varanda do museu, o pintor apresenta outras seis telas. Já o livro reúne textos dos críticos Agnaldo Farias e Alexandre Mello e reproduz trabalhos criados pelo artista na última década.

Sempre em busca de novos caminhos para a pintura, Senise leva à arte procedimentos inusitados, decalcando espaços e fragmentos da arquitetura para a superfície da tela. Assim como em toda sua obra, o silêncio, o vazio e a memória são o assunto dos seis trabalhos que ele mostra na varanda do MAC-Niterói.

Já os trabalhos com carpete atuam em dois níveis: como uma tela e como um objeto. Para criar esses ambientes, o artista recorre a um processo que começou a utilizar no final dos anos 80, imprimindo o piso dos espaços onde trabalha. Uma vez feita essa monotipia, em tecido (cretone), Senise o recorta em pedaços precisos e o cola na tela de acordo com a perspectiva geométrica do ambiente arquitetônico que pretende recriar. Esse ambiente pode ser seu ateliê, as Cavalariças do Parque Lage, uma fábrica de pianos ou uma antiga estação de trem.


"Quase Infinito" (1992), óxido de ferro e esmalte sintético, integrante da coleçãoo Angelo Venosa


A mostra

Em 2000, quando Luiz Camillo Osorio visitou o ateliê de Daniel Senise em Nova York, teve a ocasião de travar contato com suas experimentações envolvendo uma espécie de "frotagem" (técnica desenvolvida pelos surrealistas) de texturas de grandes áreas de piso. Senise reconstruía espaços virtuais com novas ambientações a partir da substituição dos planos das paredes pelas texturas dos pavimentos coletadas em grandes lonas. O resultado era a composição de grandes ambientes vazios sem presença humana, organizando o espaço interior por uma fria perspectiva. Naquela ocasião trocaram as primeiras ideias para uma produção especial no MAC quando, enfim, realizarem a troca dos velhos tapetes, já então desgastados por tanto uso.

Assim, Senise veio até nós no momento certo da troca desses tapetes. Ele usou o tapete verde cinza original do MAC para compor uma paisagem recortando formas de gaivotas, mais uma vez buscando trazer o céu do entorno do museu para dentro do salão. O vazado branco da parede passou a compor uma série de gaivotas voando. O tapete do chão se deslocando para as paredes do salão principal passa a representar o céu vazio! Senise realiza na verdade uma antipintura da paisagem sem perder a potência poética do tema que supera a carga irônica do tapete-chão que vira imagem de céu.

O título 'Quase infinito' foi inspirado em uma de suas telas exposta na varanda, mas coube perfeitamente como chamada para o enigma levantado por esse trabalho, como Camillo muito bem descreve na abertura de seu texto de apresentação.

Senise foi mais um importante artista que trouxe para o MAC uma reflexão contemporânea sobre o confronto entre pintura e paisagem hoje. Mas, se Katie explorou pela arte a densidade existencial de Feuebarch sobre permanência e imortalidade, Senise, ainda que de forma ambígua entre ironia e referência ao romantismo alemão, não pelos materiais e procedimentos utilizados – tapete usado e recortes das formas estudadas dos pássaros –, mas pela composição que desenhou nas grandes paredes do salão vazio o voo puro das gaivotas, consegue tomar a circularidade do MAC como um lugar quase infinito. Senise não rejeitou o vazio de nossa época, a ambiguidade ecoava entre afirmação do desejo da imagem do infinito como significado e a rejeição da ilusão da pintura como transporte para o sem-limite – que já existe fora do museu.

Mesmo assim o tapete voou. Experiências educativas – o quase-infinito como jogos interpretativos

Cabe lembrar para esta coleção de experiências que o conceito de infinito da imagem simbólica do céu e os tapetes voadores de Senise se tornaram o mote central para as estratégias interpretativas de explorações dos espaços circulares do MAC, a partir do laboratório de atividades educativas instalado na varanda. Investigamos a história dos símbolos e geometria do infinito na arte islâmica, a progressão de Fibronacci e o Labirinto de Chartre. Mas foi na geometria espaço-temporal do próprio MAC que encontramos o Caminhando da Lygia Clark e a fita de Moebius. Da mesma forma, a paisagem e as visões do céu na história da pintura inspiraram uma infinidade de desenhos dos visitantes.

Nessa mostra se oferece ao visitante um caminho real do infinito dentro do MAC, associando a fita de Moebius ao percurso circular dos dois anéis expositivos: caminhando no sentido anti-horário na varanda chega-se à dobradura barroca na escada para o segundo andar, e lá no mezanino o visitante prossegue em um novo patamar, um outro círculo, agora no sentido horário, até se encontrar no seu ponto de chegada na escada.

Quase infinito é uma das exposições históricas que abrem caminhos para novas descobertas de experiências unindo espaço e tempo sob o conceito múltiplo e aberto do infinito, em poéticas e geometrias simbólicas, além do encontro entre círculo e espirais ascensionais predominantes na arquitetura do MAC. Na mesma medida em que o Caminhando de Lygia Clark foi oferecido para o caminhante do MAC durante a mostra de Senise, a origem do infinito nesta arquitetura foi revelada nos seus espaços vazios internos assim como na sua vista externa.




O artista

Carioca, 47 anos, Daniel Senise é hoje um dos maiores nomes entre os artistas surgidos na década de 1980, oriundos da Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Iniciou sua carreira estudando pintura com John Nicholson e Luiz Aquila. Realizou a primeira exposição individual em 1984. No mesmo ano, integrou o Ateliê da Lapa com Angelo Venosa, Luiz Pizarro e João Magalhães. De 1986 a 1991, lecionou no Núcleo de Pintura da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio.

O artista plástico também atuou como coordenador das galerias do Centro Cultural Light Rio de Janeiro, em 1997, além de participar de várias edições da Bienal Internacional de São Paulo. Em Buenos Aires, Senise foi premiado com medalha de ouro na 1ª Bienal Latino-Americana de Arte sobre Papel, em 1986. Atualmente suas obras podem ser vistas em diversas exposições pelo mundo, em países como Espanha, Venezuela, Portugal, Itália e Estados Unidos. Hoje ele divide seu tempo entre seus ateliês em Nova Iorque e no Rio.







Serviço

'Quase infinito', de Daniel Senise
Curadoria: Daniel Senise e Luiz Camillo Osorio
Período: 22 de março a 1º de junho de 2003

Local: MAC-Niterói
Endereço: Mirante da Boa Viagem, s/nº
Tel: (21) 2620-2400



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Publicado em 16/04/2021

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