Aparelhos cinecromáticos, objetos cinéticos, progressões, quadrado perfeito, objeto rotativo. Tais palavras parecem saídas de um livro de física, mas são, na verdade, nomes de algumas obras de Abraham Palatnik. Pioneiro da arte cinética, o artista escreveu com suas peças as primeiras linhas da pré-história da arte high-tech no Brasil.
Para homenagear o vanguardista, o Museu de Arte Contemporânea de Niterói inaugura, no sábado, 28 de agosto de 1999, às 16h, uma grande mostra retrospectiva, que reúne mais de 80 obras, entre elas os tais aparelhos cinecromáticos, os objetos cinéticos, as progressões e ainda pinturas, desenhos, croquis, fotografias biográficas, cadernos com textos e logomarcas criadas pelo artista.
Calcado numa busca incessante pela exploração do potencial expressivo de cada material, Palatnik é dono de uma obra única. Em seus trabalhos não é possível destacar uma característica apenas, mas vários aspectos têm significação especial e fundamental para a compreensão da totalidade da peça - a estrutura formal, o ritmo progressivo da forma, a dinâmica visual, o jogo de simetrias e assimetrias, de luz e sombra, de contenção e expansão.
Filhos de judeus russos que vieram para o Brasil no começo do século, Palatnik nasceu em Natal, no Rio Grande do Norte, em 1928. Com apenas quatro anos sua família mudou-se para Israel. Lá realizou seus estudos primários e secundários, seguidos de estudos de mecânica e física, especializando-se em motores de explosão. Mesmo imerso no mundo da física e da matemática, Palatnik sempre flertou com as artes plásticas, tendo, paralelamente, aulas de desenho e pintura.
Quando voltou para o Brasil, em fins de 1947, toda sua concepção sobre a arte mudou radicalmente. Depois de longas conversas com o crítico Mário Pedrosa e de visitas ao Serviço Terapêutico Ocupacional do Hospital Psiquiátrico D. Pedro II (criado pela Dra. Nise da Silveira), as convicções artísticas de Palatnik foram por água abaixo. Abandonou a pintura, enfurnou-se em casa durante dois anos, até criar seus primeiros aparelhos cinecromáticos - essas obras, depois de algum tempo, viriam consagrar de vez o artista.
Batizado de "Azul e roxo em primeiro movimento", o primeiro destes trabalhos foi exposto na I Bienal de São Paulo, em 1951. Como todo vanguardista, Palatnik sofreu dificuldades em ter seus trabalhos aceitos pela crítica e pelo público. Antecipando-se às correntes construtivistas, o artista já mostrava o potencial de sua obra - que viria a eclodir com os grupos
Ruptura e Frente.
Na década de 60, com uma obra reconhecida internacionalmente, Palatnik não se acomodou e continuou a combinar de maneira genial a arte e a física. O passo seguinte se deu com a criação dos objetos cinéticos, em 1964 e dos progressos, da mesma época. Acompanhando todas as inovações tecnológicas, o artista ainda criou o que chama de "jogos", como o "Quadrado perfeito" e o "Objeto rotativo", em fins da década de 70. Com uma carreira sem similares em território nacional, Palatnik afirmava e ainda afirma seu nome como um dos artistas plásticos brasileiros mais criativos, ousados e destemidos. E é disso que a nossa arte precisa.
Abraham Palatnik
Ao expor seu primeiro aparelho cinecromático na I Bienal de São Paulo, em 1951, coroando pesquisas iniciadas em 1949, no campo da luz e do movimento, Abraham Palatnik tornou-se o fundador da arte tecnológica no Brasil e um dos pioneiros, em escala mundial, da arte cinética.
Convencido de que adotando uma técnica diferente, poderia trazer para a arte a possibilidade da luz e do movimento, no tempo e no espaço abandona a pintura para dedicar-se à arte tecnológica. Sobre uma tela de plástico, que cobre frontalmente seus aparelhos, projeta cores e formas que se movimentam acionadas por motores elétricos. Graças ao emprego de motores e lâmpadas, Palatnik substitui o pigmento sua dimensão material pela refração da luz.
Aos aparelhos cinecromáticos seguiram-se, alguns trabalhos nos quais explora as possibilidades estéticas dos campos magnéticos e os objetos cinéticos. No primeiro caso, Palatnik utiliza os polos positivo e negativo dos imas para atrair ou repulsar formas geométricas que constituem fragmentos de uma estrutura maior a ser armada pelo espectador, mediante o emprego de um bastão magnetizado. Os objetos cinéticos são constituídos por hastes ou fios metálicos, tendo em suas extremidades discos de madeira pintados e placas, que se movimentam lenta e silenciosamente, acionados por motores e, em alguns casos, por eletroimãs. Fazendo um confronto: os aparelhos cinecromáticos estariam mais próximos da pintura e do cinema, os objetos cinéticos dos móbiles e do desenho. Nos aparelhos, a engrenagem mecânica é invisível, reforçando a sensação de animação pictórica. Nos objetos, ela integra o campo visual, sendo parte do significado da obra.
Palatnik realizou diferentes séries de progressões ou relevos progressivos, cada uma delas identificada por um material: madeira, cartão, poliester, cordas, etc. Apesar de bidimensionais, elas integram o universo cinético do artista. Se nos aparelhos e objetos, o movimento é real, nas progressões o movimento é virtual, essencialmente ótico. Em que pese a persistência de alguns resíduos naturalistas (madeira) ou alusões figurativas (cordas), o que realmente significa nessas progressões é a estrutura formal resultante, de caráter abstrato, o ritmo progressivo da forma, a dinâmica visual, o jogo de simetrias e assimetrias, de luz e sombra, de contenção e expansão, o tempo como movimento virtual.
O que unifica e dá coerência às diversas proposições de Palatnik, inclusive os jogos e outros inventos, como "Quadrado Perfeito" e "Objeto Rotativo" é uma lei de desenvolvimento interno. Ou tomando a questão por um outro angulo: o sentido primordial da forma não reside na sua aparência, mas na sua essência. Como lembra o próprio artista, não se deve confundir forma com invólucro ou contorno. O criador dos aparelhos cinecromáticos e objetos cinéticos é o mesmo das progressões. O seu recado não mudou
Frederico Morais, curador
Serviço
Abraham Palatinik - Exposição retrospectiva
Terça a domingo, das 11h às 19h. Sáb., das 13h às 21h
Ingresso: R$ 2,00
De 28 de agosto a 28 de novembro de 1999
Museu de Arte Contemporânea de Niterói
Mirante da Boa Viagem, s/nº
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