Um dos conceitos de arte é a de que o homem, munido da capacidade de pôr em prática uma ideia, visa um resultado, que pode ser obtido de modos diferentes. Instalada no mezanino do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, a mostra "Os redundantes e as elites das cavernas" de Carlos Miéle, que entra em cartaz neste sábado 13 de outubro de 2001, procura dar suporte a essa reflexão. A mostra vai até 18 de novembro.
Em uma parceria com o arquiteto Paulo Mendes da Rocha e aproveitando a forma circular do MAC, Miéle construiu o espaço físico da exposição - constituída por uma grande instalação que se utiliza de diferentes suportes, como vídeo ("131 fugas"), vídeo-instalação ("O nono círculo"), instalação, fotografia, objeto e performance - para retratar a própria inconformidade com um tema que, em face dos últimos acontecimentos, ficou ainda mais evidente: a exclusão social por parte das elites. "A exploração física do espaço está ligada à reflexão central desta exposição: mascara-se de um lado e acentua-se o desastre adiante", explica Paulo Mendes da Rocha.
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Miéle partiu de um conceito ético e político para criar a sua exposição: a exclusão na sociedade contemporânea. Apresenta trabalhos em que, mais que conceitos estéticos, predominam questões como a discriminação social, a marginalidade, o caos urbano e a inviabilidade do país. "Nunca tivemos tantos meios e oportunidades de recuperação, e ela nunca pareceu tão distante", lamentou-se Miéle.
Carlos Miéle, estilista e sócio da marca M.Officer, vem transitando, ao longo dos últimos sete anos, da moda para a arte, seja com instalações e trabalhos que misturam moda e arte, seja convidando artistas contemporâneos como Tunga, Mario Cravo Neto e Cabelo para participações nos irreverentes desfiles-performances, onde é marca a crítica social. A exposição é o resultado mais contundente do movimento que o coloca no circuito das artes visuais.
Redundantes era como as elites chamavam os trabalhadores sem utilidade para as fábricas, por serem velhos ou inválidos, durante a Revolução Industrial. Transportando o conceito para os dias de hoje, Miéle vê que os "redundantes" de hoje são as classes menos favorecidas, são os excluídos. "Mostro a incapacidade das elites de aceitarem os excluídos neste país".
Profundamente cético em relação ao ser humano (segundo ele, "o homem é naturalmente violento"), o artista coloca como via de solução educar as crianças, mesmo que elas sejam consideradas irrecuperáveis. "Sofro críticas por ser 'o bem-sucedido que quer trabalhar com os miseráveis'. Mesmo assim continuo com meus projetos". Projetos esse de educação, principalmente com jovens.
Para exemplificar essa "esperança", quase uma utopia, o artista mostra em um dos vídeos que compõem a exposição o doutorando em pedagogia Roberto Carlos Ramos, recordista de fugas da Febem (131 fugas) e dado como irrecuperável, mostrado como amostra de que existe saída para os excluídos. Ramos e Miéle agora desenvolvem um projeto de criação de escolas em áreas carentes em que a tecnologia seja usada como fator de inclusão social.
Em "O nono círculo", Miéle enfoca a existência humana retratada no vazio da cidade de São Paulo, a fragmentação e a diluição do sujeito e da cultura. Questiona ainda o catolicismo, o sacrifício, a esperança, o castigo e a morte.
O vídeo "Dois Mundos", por exemplo, exibido em duas telas, mostra um personagem vestido com uma "Roupa de Fuga", que, depois de um passeio pelo caos urbano e social da cidade, se despe e utiliza a roupa para atravessar a tela e fugir para o outro mundo. O argumento daria uma boa ficção, mas Miéle preferiu trabalhar com o real. "Roupa de Fuga" é um macacão à prova de fogo e de bala que se divide em vários pedaços que, unidos, produzem uma corda de mais de 4 metros de comprimento. "Criei-a pensando nos mendigos, que também precisam se proteger", disse Miéle.
Serviço
Os redundantes e as elites das cavernas
Primeira exposição individual de Carlos Miéle.
Datas: De 13 de outubro a 18 de novembro de 2001
Horário: de terça a domingo, das 11 às 19h, sábado, das 13 às 21h.
Ingressos: R$ 2,00 (50% de desconto para estudantes com carteira); crianças até 7 anos e maiores de 65 anos não pagam. Aos sábados, entrada franca para todos.
Museu de Arte Contemporânea de Niterói
End: Mirante da Boa Viagem, s/n - Boa Viagem - Niterói
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