Após uma temporada de dois anos de estudos na Europa, em sua volta, o pintor niteroiense Antonio Parreiras recebeu do governador Francisco Portela uma encomenda glamorosa, que teve o pendão de carimbar definitivamente seu nome no panteão dos grandes artistas do país. Um quadro para representar a então capital do Estado na famosa Exposição Universal Colombiana de Chicago.

Para realizar os estudos da tela, Parreiras se colocou em uma das abas do morro de São Lourenço, de onde era possível observar todo o casario da Praia Grande. No segundo plano, o antigo Saco de São Lourenço, cujas águas vinham até o caminho que é hoje a Rua São João e a extinta Lagoa dos Passarinhos.

Ainda em agosto de 1891, a comissão organizadora autorizou o pagamento de 4:000$ ao artista como prestação inicial do quadro pintado em uma tela de 12 metros quadrados, que seria depois propriedade do Estado. Parreiras receberia os outros 6:000$ restantes no fim do trabalho, obrigando-se também a expor 15 quadros de propriedade sua, expressamente feitos para Chicago, como também a promover uma exposição de quadros de seus discípulos e colegas fluminenses.

Mas o mecenas Governador Portela encontrou oposição no meio político. Em sessão da Câmara dos Deputados de 17 de setembro de 1891, o deputado Valladares questionou a contratação de um produto artístico para uma Exposição de cunho industrial.

    "Ora não se tratando de uma exposição artistica, isto é, de fazer representar o Estado, quanto ao seu progresso artistico, e sim da representação do Estado do Rio, em Chicago, quanto ao seu progresso industrial e riquezas naturaes, tal dispendio é um desacerto, é um absurdo. O que cumpre á Commissão é colleccionar productos industriaes e das riquezas naturaes. Não tem justificação o dispendio com esse panorama da cidade de Nictheroy, (apartes) de que nos deu noticia o Sr. Marcondes, no qual só acredito, porque S. Ex. merece-me credito, até porque não sei se o Sr. Parreiras, com o ser engenheiro, está habilitado para fazer panoramas. Repito, Sr. Presidente, a quantia destinada a um panorama, que é obra de arte, seria acertadamente applicada, se o fosse à acquisição de productos industriaes, como os tecidos das nossas fabricas e outras; a obtenção de amostras do nosso algodão, de outras fibras vegetaes; de amostras de innuineras e excellentes madeiras que possue o Estado etc. etc. As despezas communicadas pelo nobre deputado á Camara constituem verdadeiro desperdicio, porquanto, Sr. Presidente, é certo que desses, 30 contos mais de 12 são destinados artistico e não industrial."


      Sobre essa obra, escreveu o jornal carioca "Gazeta de Notícias", em editorial recheado de elogios ao nosso homenageado.

        "É um quadro com quatro metros de largo, que o Governo do Estado do Rio de Janeiro encommendou ao distincto paizagista Antonio Parreiras, para figurar a futura Exposição Columbiana.

        O quadro tem, portanto, preoccupações de mostrar a fazenda aos estrangeiros com todos os requintes, com toda as seduções de uma natureza bella, luxuriante, variada, realçada por uma atmosphera de circumstancias, por uma vegetação limpa e luzidia, como apparece nos dias de sol, que se seguem immediatamente aos de chuva teimosa e impertinente.

        Nos ultimos planos figura o sacramental Corcovado, com o seu cimo ponteagudo e que n'este quadro não podia deixar de apparecer; em baixo, a esplendida Guanabara, com os seus tons cambiantes e transparentes do nacar; mais perto e como que uma lingueta de telhados vermelhos, de casas, de janellas, a florida Nictheroy, emfim, toda paramentada e garrida, e como quem vai fazer visitas de ceremonia; nos primeiros planos, á esquerda, uma barranca, com uns charcos, que não nos ameaçam de intermittentes; á direita, e tratada com especial amor, uma floresta; esmiuçada o necessario para que se veja que Antonio Parreiras é paizagista da nova escola; traçada á larga e com arreganhos de pincel, para que se veja que o nosso artista sente, por cima da verdade photographica, com que certos artistas entendem ter desempenhado cabalmente a sua missão de paizagistas, um calor sobrenatural inexplicavel, que uns dizem vir da inspiração, outros simplesmente do temperamento.

        Em todo o caso, o panorama de Nictheroy não é um quadro para o auctor o expor por conta propria. Sempre entendemos que no capitulo "encommendas", o freguez, discutindo o preço e as condições em que se deve realizar a obra artistica, faz necessariamente as suas exigencias, pede uns effeitos de luz especial, um colorido que dê realce á pessoa ou objecto reproduzido, e ainda por cima, como contrapeso, uns toquesinhos de mestre, etc.

        Por muita liberdade que se tivesse dado ao paizagista Antonio Parreiras, no estudo, esboço e conclusão da sua obra, o nosso artista não podia nem devia esquecer que o seu quadro era destinado a representar a capital do Estado do Rio de Janeiro na Exposição de Chicago, e, por muito grande que seja o egoismo artistico de um pintor, nenhum se lembraria de representar a formosa Nictheroy por um rochedo, como o de Itapuca, mirando-se nas aguas transparentes de um lago, retiro ambicionado por um anachoreta ex-artista; mas que daria uma deploravel idéa ao yankee do que são as cidades dos Estados Unidos do Brasil.

        Portanto, o Sr. Parreiras pintou um panorama, que se contempla com prazer, sentado n'uma cadeira, e que, na América do Norte, com o prestigio que todas as pinturas e todas as photographias dão ao natural, fará figura de uma cidade notavel sob todos os aspectos, batida sob as virações do mar, assombreada por uma vegetação densa e fechada, com ruas calçadas magnificamente e admiravelmente policiadas, linhas de bonds cortando-a em todos os sentidos; enfim, tudo quanto a imaginação exaltada do espectador suggerir; porque, diante de um quadro panoramico, vê-se tudo quanto fez o pintor e tudo o mais em que o completa a nossa imaginação.

        Resumindo: em Chicago, a capital do Estado do Rio de Janeiro fica admiravel e pomposamente representada com o quadro do paizagista Antonio Parreiras; no Rio de Janeiro, a paizagem nacional fica com mais um bom exemplar.
        " (Gazeta de Notícias, 27 de junho de 1892)



      Destino

      Com a mudança da Capital do Estado de Niterói para Petrópolis e depois de Petrópolis para Niterói, muito sofreu a tela, que foi manipulada por pessoas de pouca prática. Com falta de verbas para seu devido restauro, foi doado pelo governador Nilo Peçanha à municipalidade. Quando Niterói voltou a ser Capital do Estado, em 1903, "Panorama de Nictheroy" foi levado para o Paço Municipal, no Jardim São João, e, depois de restaurado pelo autor, em 1905, para o vestíbulo do Theatro Municipal João Caetano. Em 1908 representou Niterói na Exposição Nacional que comemorava na Capital Federal, o centenário da chegada de D. João VI ao Brasil. Hoje ele faz parte do Acervo do Museu Antonio Parreiras, no bairro do Ingá.


        Aceito o quadro pelo dr. Paulo Alves, quasi todos os jornaes noticiaram que o quadro seria logo entregue no seu autor para restaural-o. Nenhuma providencia neste sentido deu o ex-prefeito e o quadro lá ficou na secretaria de finanças a receber nuvens de pó negro e todas as varreduras da salas, com a moldura rente ao chão e á estalar cada vez mais, a sua pintura, devido as grandes rugas e assim desapparecerá uma obra de arte tão gentilmente cedida á Prefeitura de Nictheroy pelo dr. presidente do Estado.

        Malogrou-se assim a boa vontade do sr. presidente do Estado, e do dr. Alfredo Backer que tanto se interessou para que o quadro fosse restaurado. Allegar se ha, tavez, que não ha logar para collocal-o. A isso responderiamos que possuimos o salão do Theatro João Caetano, onde elle ficaria bem pendurado na parede que dá para o Largo da Memoria, embora inutilizando-se as duas janellas que nella existem, que nenhuma falta farão pois o salão as tem de maio.

        Pode ser que para alguns estas duas janellas, abertas sob telhados, tenham mais valor que para não sacrificar a bella pintura delle se deixe destruir o quadro de Parreiras. É penna, se assim for. Seria ao menos uma nota artistica naquelle edificio, cuja decoração lembra a de um botequim. Escrevendo estas linhas, temos em vista chamar a attenção do bem intencionado prefeito de Nictheroy.
        (Editorial de O Fluminense, 27 de novembro de 1904).



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      Publicado em 22/11/2021

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