A inscrição Notre Rêve (Nosso Sonho, em francês) aplicada sobre a sacada do Solar também conhecido como Casa Norival de Freitas - homenagem ao seu ilustre morador, o advogado e político fluminense -, ganhará um novo significado. Inaugurada em 1923, o imponente imóvel de estilo eclético romântico, na rua Visconde de Itaboraí, 474, no trecho hoje denominado Maestro Felício Toledo, no Centro de Niterói, será restaurado e se transformará em Casa de Cultura.

Norival de Freitas nasceu em Niterói, em 29 de junho de 1883, e faleceu em 22 de fevereiro de 1969. Formou em Direito, em 1907, viajando em seguida para a Europa, onde levantou e recolheu importantes documentos históricos, entre eles, a planta que fixa o local exato da fundação do Rio de Janeiro, descoberta na Biblioteca do Palácio da Ajuda, Lisboa. Tais documentos, quando de seu retorno ao Brasil, foram doados ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGB, fato que lhe rendeu o título de membro daquela instituição. A viagem foi financiada pelo Barão de Rio Branco, que chefiada na época o Instituto.

Entrevista da Revista Manchete sobre as descobertas de Norival de FDreitas em Lisboa
Ao voltar-se para a política, foi detentor de grande prestígio, elegendo-se, várias vezes, deputado federal e vereador da Câmara Municipal de Niterói, durante a década de 1920 e 30. A casa foi ponto de encontro da alta sociedade niteroiense e foi palco de importantes reuniões políticas, das quais participaram, entre outros, o Presidente Artur Bernardes, o Ministro do Trabalho, Júlio Barata, Amaral Peixoto e até o Embaixador Batista Luzardo, de diretrizes políticas contrárias às de Norival. Sua força política era tão grande nesse péríodo, que no entorno de Norival de Freitas chegou-se a formar uma nova corrente ideológica no estado: os "norivalistas".

Arquitetura

O prédio, em estilo eclético romântico, com elementos de caráter art nouveau e técnicas dos mestres-de-obras portugueses, foi projetado pelo francês Berrari. O responsável pela execução das obras foi João Dalossi. Ela é uma das duas únicas construções nesse estilo ainda existentes em Niterói. A outra é antiga Câmara Municipal, no Jardim São João, e que hoje abriga a Secretaria de Educação da cidade.

A imponência de sua edificação, em dois pavimentos, é suavizada pela delicadeza dos trabalhos de ornamentação plena de curvas e guirlandas que se expandem pelas paredes e sacadas. Seu interior foi decorado com pinturas em pouchoir e revestimentos importados, caixilharias de vidros coloridos e, ainda, azulejaria e serralheria art nouveau. O torreão ornado possui um beiral sustentado por singulares mãos-francesas de madeiras. Nas varandas, as colunas em ferro conferem a leveza ao conjunto e as pinturas de paisagens nas paredes externas denotam o espírito romântico da época. Essa leveza da construção criava uma atmosfera onírica no espaço arquitetônico, atestada pela inscrição "Notre Rêve". Em seu apogeu, um jardim de feições pitorescas emolduravam o solar.

História recente

Após o falecimento do casal, Norival em 1969, e Noelina, em 1976, a família ofereceu o imóvel à venda. Por sua privilegiada localização, por pouco não foi transformado em um modernoso edifício de salas e lojas se, naquela mesma ocasião, o então Prefeito Moreira Franco não a tivesse desapropriado por Cr$ 8 milhões, por meio do Decreto nº 3.197/79. A justificativa foi a de que assim seria mantido um patrimônio da história da cidade e nele se instalaria um centro cultural.

Abandonado desde então, em 1982 o prefeito interino Armando Barcelos cedeu por 99 anos o imóvel em comodato para a União dos Vereadores do Estado, que iniciou uma reforma promovendo uma dramática descaracterização na histórica decoração.

Norival de Freitas, 1924, na Revista 'O Malho'
Ao ceder o prédio à UVERJ, a prefeitura justificou a ação como uma homenagem a toda a classe política fluminense, que teve na casa o seu ponto de encontro e tem no grande político um exemplo a seguir. A medida revoltou muitos intelectuais da cidade, como o imortal José Cândido de Carvalho, que afirmou em sua coluna em O Fluminense: "Com essa providência, perde a inteligência da cidade um importante ponte de encontro. Mas, afinal de contas, o que esperar de um Brasil que não sabe mais da existência de Manuel Bandeira e do próprio Castro Alves?"

Os trabalhos chamados de "restauração", a cargo da Codesan, estavam sendo realizados de forma aleatória, sem o acompanhamento de técnicos. "Não temos nenhuma instrução sobre o que preservar", disseram os operários.

Todo o interior da Casa estava sendo modificado. Na parte dos fundos, foi construído um anexo, à base de tijolo lajota e laje pré-moldada. O reboco trabalhado à mão, com gravuras diversas, foi sendo descascado para dar lugar a uma massa composta de cal. Nem mesmo os azulejos do compartimento ao pé da escada (uma espécie de copa) já estavam sendo retirados. Nos banheiros, a antiga louça seria substituída por aparelhos da moda. O descaso era tanto que quando a obra de "restauração" estivesse terminada, nada restaria a não ser a fachada do prédio para caracterizar seu valor artístico. No entanto, diante do descalabro em andamento, grupos contrários à destinação imposta pelo executivo se mobilizaram por sua preservação.


Casa Norival de Freitas, em In ALBUQUERQUE, Júlio Pompeu de Castro. A capital fluminense: álbum de Nictheroy (1925). Via Centro de Memória Fluminense /SDC/UFF.


De fato, no início de 1983, o recém eleito prefeito Waldenir de Bragança anulou a cessão e interrompeu as obras na Casa, mas em outra polêmica decisão, a cedeu por 10 anos ao governo do Estado, mesmo sem ter uma destinação prevista. Novas mobilizações e a prefeitura voltou atrás na cessão. Em junho do mesmo ano, o Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - INEPAC - através do processo E-03/13.574/80, de 20 de junho, enfim promoveu seu tombamento provisório. No período o diretor do Inepac era Ítalo Campofiorito, que na década seguinte foi Secretário de Cultura de Niterói e Diretor Geral do Museu de Arte Contemporânea (MAC).

Com a intenção de instalar no Solar, a sede da Fundação de Atividades Culturais (FAC) e uma Cinemateca, o governo municipal iniciou uma nova reforma, mas em novembro o sobrado acabou parcialmente destruído por um incêndio, que afetou a cobertura assim como parte do piso do pavimento superior. Em 1985, a Associação Brasileira da Terceira Idade solicitou autorização para reformar a casa e transformá-la em abrigo.

Num mutirão de abnegados servidores da Funiarte, capitaneados por Marcos Tadeu Peçanha, em 1988, a Prefeitura realizou obras de consolidação estrutural e uma reforma parcial no primeiro andar, e por alguns anos o Solar foi usado como Centro Cultural - uma biblioteca e Salão de exposições -, tendo como diretores Maria da Conceição Pires de Mello, a poetisa Manita, e César Araújo.

"Claro que não pudemos recompor as argamassas com óleo de baleia, mas entregamos a Niterói o "Notre Rêve" do grande Norival de Freitas, como se estivéssemos escrevendo no frontespício: "Aqui não nascerá mais um espigão". A restauração um dia se fará", afirmou o então secretário de Cultura Alaôr Scisínio.

As obras realizadas em 1993 e 1995 deram sobrevida estrutural ao prédio, que, segundo o secretário de Cultura Ítalo Campofiorito, abrigaria ainda, a sede da Secretaria, mas naquele período, a prioridade estava sobre a reforma do Theatro Municipal e a construção do Museu de Arte Contemporânea. O sonho foi mais uma vez adiado.

Em 2006, a administração do imóvel foi transferida da Secretaria Municipal de Cultura para a de Educação, que faria os investimentos necessários e a transformaria em uma biblioteca pública. O projeto, porém, não foi à frente, devido aos elevados custos de restauração.


Projeto Básico de restauro apresentado pelo Depac em junho de 2019


Em novo movimento para a preservação e restauração do Solar, em janeiro de 2019 , por meio do decreto 13154/19, a prefeitura vinculou o imóvel novamente à Fundação de Arte de Niterói. Projetada para abrigar uma Escola de Música e ser sede do Programa Aprendiz, em junho do mesmo ano o Departamento de Preservação do Patrimônio Cultural (Depac-FAN), apresentou o Projeto Básico de restauro, passo decisivo para que esse sonho acalentado por décadas vire realidade.








Publicado em 31/10/2021

INEPAC tomba dois imóveis históricos em Niterói Leia mais ...
Decreto abre caminho para Espaço Cultural na Casa Norival de Freitas Leia mais ...
Casa Norival de Freitas Leia mais ...
Incêndio destrói Casa Norival de Freitas Leia mais ...
Casa de Niterói que ia ser centro cultural é cedida à Federação de Vereadores Leia mais ...
Casa Norival de Freitas recebeu, do mestre Parreiras, 18 croquis inéditos Leia mais ...
Restauro da Casa Norival de Freitas - Solar Notre Rêve Leia mais ...
Velho casarão vai abrigar a Cultura de Niterói Leia mais ...
Restauração da Casa Norival de Freitas revela tesouros Leia mais ...