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por Francisco Bittencourt

Uma obra inesgotável, que flui como um rio, sem desníveis, quase uniforme. Esta é a primeira visão que se depreende da retrospectiva de Abelardo Zaluar que está sendo mostrada até o fim do mês (outubro de 1978) no Museu Histórico do Estado do Rio de Janeiro (antigo Palácio do Ingá), de Niterói. Apesar dessas características, o trabalho de Zaluar vem sendo bastante debatido ultimamente, enfocando-se o mesmo quase sempre do ponto de vista do rigor com que é produzido.

No meio da semana passada o Museu Histórico resolveu reunir alguns criticos para discutirem com o artista e o público as vertentes mais notáveis da obra de Zaluar. Não houve, naturalmente, uma identificação de pontos de vista, chegando mesmo a divergirem bastante em algumas opiniões os críticos da mesa-redonda. O artista atuou como uma espécie de fiel entre os diversos campos e o público pouco numeroso quase nada disse. O debate contou com a presença de Quirino Campofiorito, Frederico Morais, Carlos Roberto Maciel Levy - diretor adjunto do Museu - e este colunista.

Frederico Morais insistiu em aplicar ao geometrismo zaluariano a sua (e de muitos outros) teoria da singularidade da arte geométrica latino-americana, cujas características não-matemáticas e intuitivas a transformaram em fenômeno de reconhecida eficácia e valor. Para o crítico de 'O Globo', Zaluar está dentro desse contexto, desenvolvendo uma arte que tem a ver com todos os valores que formam o espectro da cultura desta parte do mundo.

Para Quirino Campofiorito, o traço predominante no trabalho do artista é a nostalgia da figura. Trata-se segundo ele, de uma arte abstrata onde permanecem latentes, sempre querendo brotar, as sementes da figuração. Para o crítico, Zaluar continua pintando a natureza, como quando começou sua carreira, só que agora decompondo-a geometricamente.

Carlos Roberto Maciel Levy resolveu destacar a coerência ao longo da obra do pintor, coerência essa que está a seu entender intimamente ligada ao exercício do magistério. Ele vê em Zaluar não só o encontro da razão com a intuição, mas também a síntese entre uma didática própria, capaz de manter a inspiração dentro de limites bem claros, e a vontade de captar dentro de tais termos os desafios cada vez mais difíceis da arte geométrica.

Talvez por sentir quase esgotadas as possibilidades de análise ou de maiores aprofundamentos, resolvi me ater a algumas rápidas observações, não deixando porém de declarar que via, como Campofiorito, a presença constante da figura na obra geométrica, de Zaluar. Como que tentando romper a frágil casca abstrata de efeitos uniformes, a figuração é uma fonte perene em tudo o que o artista faz. Discordo no entanto de Campofiorito no seu elogio da figura, que surge em seu discurso quase como uma acusação contra o geometrismo, embora isso nunca seja dito com clareza.

E discordo também e muito da teoria de Frederico Morais que coloca num mesmo saco todos os geométricos latino-americanos, como filhos sem pai da Intuição pura. Aceitando-se tal assertiva, aceitamos a imposição da metrópole de que não há salvação para a arte desta parte do mundo fora da uma nebulosa (e lírica, vá lá) intuição, deixando aos europeus e norte-americanos o reino do rigor e do principio cientifico.

A teoria é reacionária e paternalista, pois aceita basicamente as anedotas sobre o despreparo do homem dos trópicos, sua preguiça fundamental e sua visão de um mundo dividido em casa grande e senzala. Não creio que essas nem outras anedotas do gênero - como aquele de que Max Bill se maravilhou ao chegar aqui e encontrou tanta gente fazendo arte concreta sem conhecer matemática sejam salutares para o desenvolvimento da arte brasileira. Demonstrar tal enlevo com a nossa "intuição" significa na verdade ter um complexo de culpa muito forte por não poder exercer em toda a plenitude as regras áridas e cartesianas do pior pensamento ocidental.

Quanto a Zaluar, é um excelente artista e, para mim, um homem que aspira à condição de clássico, que tem suas regras de ouro que aplica infalivelmente em cada obra que produz. Age portanto como se estivesse em plena Renascença ou melhor, é um renascentista do nosso tempo, e isso, sem dúvida, não desfigura a atualidade de seu trabalho E é essa faceta a base de sua singularidade.

Publicado originalmente em A Tribuna de Imprensa, a 05 de outubro de 1978


Tags:
Abelardo Zaluar, Frederico Morais, Quirino Campofiorito, Carlos Roberto Maciel Levy






Publicado em 09/04/2025

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