(Memória, 21 de abril de 1986)

Os bons tempos estão de volta. Com sarau e tudo. Para quem não sabe, esta era a denominação usada para as reuniões musicais noturnas realizadas no início do século nos casarões. E, para completar o clima, estas festas serão promovidas no Solar do Jambeiro, uma construção centenária, tombada pelo Patrimônio Histórico, que pela primeira vez será aberta ao público.

Esta e outras atividades fazem parte do Programa Pró-Niterói, uma entidade fundada no dia 20 do mês passado, com o objetivo principal de reativar o movimento cultural e artístico da cidade, protegendo e preservando o seu patrimônio. A sociedade, que não tem fins lucrativos, partiu da iniciativa privada e conta com o apoio dos Governos federal, estadual e municipal, através, respectivamente, da UFF, Funarj e FAC.

"Nós que moramos em Niterói e temos convívio permanente com pessoas ligadas a movimentos culturais de outras localidades, notamos a focalização constante do Rio como um centro cultural, que realmente é, enquanto Niterói fica sempre no lado depreciativo. Quando tentamos argumentar, as pessoas dizem "ah, Niterói não tem nada". Como não tem nada? Niterói tem um excelente acervo, um patrimônio vastíssimo, uma potencialidade artística incrível. E é isso que nós estamos querendo divulgar, conservar, enfim, revitalizar a cultura da região afirma Lúcia Falkenberg, proprietária do Solar do Jambeiro e presidente do Programa Pró-Niterói.

As atividades desenvolvidas pela entidade terão sempre a renda revertida para projetos de fim socioculturais. O primeiro sarau no Solar, por exemplo, que será realizado no dia 24 deste mês, às 20h30min, com Maria Lucia Godoy cantando os versos de Manuel Bandeira, terá a renda destinada à restauração dos quadros de Antonio Parreiras. Outras finalidades imediatas são o conserto do órgão da Basílica de Nossa Senhora Auxiliadora (Colégio Salesianos), o maior da América Latina; restauração da Capela de São Lourenço; e conservação da Casa de Oliveira Vianna.

Apesar dessas iniciativas, a sociedade não se compromete a arcar com uma responsabilidade que é da própria Prefeitura, ou seja, a preservação de igrejas, praças, monumentos tombados pelo SPHAN e obras de arte. "Nós pretendemos apenas dar um empurrão, mas ela (a Prefeitura) é quem tem responsabilidade de zelar por esses bens e nós vamos fazer as coisas de uma forma a forçar a municipalidade a tomar as providências necessárias neste sentido. Mas eu acredito que isto não seja tarefa difícil, pois a mentalidade dos políticos, de uma maneira geral, está mudando muito", explica Lúcia.

De acordo com os estatutos do Colégio Fluminense de Cultura e Patrimônio Pró-Niterói, a entidade visa, prioritariamente, promover exposições temporárias, exibições audiovisuais e cinematográficas, cursos curriculares e extracurriculares; incentivar doações, a serem aplicadas no cumprimento de objetivos sociais; estabelecer convênios com entidades que possam contribuir para os fins da sociedade; e promover publicações e edições fonográficas e áudio e/ou visuais em geral.

Extra oficialmente o Pró-Niterói já existe há quase um ano, mas só agora foi regulamentado, tendo como patrono o escritor Gilberto Freyre que, juntamente com o falecido escritor e historiador Pedro Calmon, foi um dos maiores incentivadores do movimento.

No programa de ação cultural estão concertos semelhantes ao Projeto Aquarius, realizado no Rio com a Orquestra Sinfônica Nacional da UFF em diversos locais da cidade; concertos populares na Estação das Barcas; concursos de monografia, desenho e pintura, entre outros; Festival de Verão; produção de um jornal tabloide, com a cooperação de O Fluminense, sobre a exposição 'Casino Icaraí'; cursos sobre conservação de obras de arte e sobre os bens tombados em Niterói; convite a alunos de escolas de Arte, professores e artistas locais para retratarem o Solar do Jambeiro, sendo as obras doadas para leilão.

De acordo com idealizadores do movimento, a cultura não será encarada pela entidade apenas como um estado latente de saber a ser transmitida e adquirida passivamente, mas um processo permanente e dinâmico de aquisições e mudanças comportamentais, que se desenvolve de forma continuada. Com este pensamento, a política cultural será enfocada também como política social, preocupada em gerar eventos e produtos, mas também em situar-se no processo político-social da comunidade.

"O Pró-Niterói e uma associação de abrangência multidirecional, que pretende utilizar todos os recursos humanos, técnicos e financeiros disponíveis de serem alocados e gerenciados, para a consecução de seus planos", esclarece o documento elaborado pela sociedade, contendo a proposta de diretrizes do movimento.

Na comissão de organização do Pró-Niterói figuram personalidades ligadas a diversos ramos do setor artístico e cultural. Assim, estão relacionados nomes como Ricardo Cravo Albim, Jose Raymundo Martins Roméo, Quirino Campofiorito, Eduardo Portela, Maria Lucia Godoy, Dalmo Freyre Barreto, Ângelo Osvaldo Araújo, Fernanda Torres, Abelardo Zaluar, José Cândido de Carvalho, Alberto Torres, Antonio Carlos Villaça, Paulo Almeida Campos e Darcy Ribeiro, entre outros.

O Solar do Jambeiro

Rua Domiciano 195, São Domingos. Este é o endereço do Salar do lambeiro, uma construção que, segundo parecer do arquiteto Augusto Carlos da Silva Telles, pode ser considerada "exemplar excepcionalmente representativo da arquitetura urbana da metade do século XIX". Por isso mesmo, o solar, construído em 1872, foi tombado pela Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), em 1972.

Até o final deste ano, a edificação, de propriedade particular, poderá ser transformada em museu, e isto por iniciativa da própria dona do imóvel, Lúcia Falkenberg. Com isso, a casa, que apresenta detalhes na construção que são verdadeiras raridades, ficará definitivamente integrada ao movimento cultural da cidade, abrindo mais um espaço para exposições de arte e atividades do gênero.

O sobrado de três mil metros quadrados é cercado por uma área verde de oito mil metros com árvores seculares e diversos tipos de pássaros, um verdadeiro coração verde bem no centro de um espaço urbano. Antigamente o pé de jambo existente na frente do terreno serviu como ponto de referência para quem desejasse chegar ao sobrado - daí o nome Solar do Jambeiro. Mas, agora, cercada por imenso muro e protegida por quatro enormes cachorros, além do guarda de segurança e zeladores, a área, por si só, já é um ponto de referência pelo contraste que apresenta em relação à realidade urbanística local.

A fachada do sobrado é totalmente revestida por azulejos portugueses de padrão pintados à mão, com beirais constituídos por telhões de louça, também pintados à mão. Ao centro da fachada principal, no térreo, uma varanda-pórtico, com estrutura de ferro e lambrequins, documenta a primeira fase da Revolução Industrial. No interior, oss lavabos de porcelana portuguesa são o destaque na sala de jantar. Além disso, quadros, molduras, móveis coloniais e todos os acessórios de época foram integralmente preservados pelos proprietários.

A lavanderia com tanque e caixa d'água em granito existente atrás do sobrado, só possui outro exemplar idêntico no Brasil, na Fundação Rui Barbosa (RJ). E praticamente todo o material utilizado na construção do Solar do Jambeiro veio do Reino de Portugal, inclusive os blocos de granito que ornamentam a fachada.

A propriedade foi deixada como herança ao marido de Lúcia, Egon Falkenberg, descendente de dinamarqueses. Agora ela pensa em não residir mais no sobrado, continuando, no entanto, a zelar por sua preservação. "A família sempre residiu aqui, mas agora, com todos os filhos morando em outras locais, a casa ficou muito grande, por isso penso em transformá-la em museu e mudar-me para outra residência", diz ela.

Com a transformação do sobrado em museu, o imóvel permanecerá como propriedade dos Falkenberg, mas os serviços de conservação, manutenção e segurança passarão para a responsabilidade do poder publico. "A Prefeitura ira colaborar respondendo pela infraestrutura e a casa será incorporada ao movimento cultural", ressalta Lúcia.

Por Irany Tereza para O Fluminense


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Publicado em 05/05/2021

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