(Memória, 25 de abril de 1996)

Vende-se mansão histórica na Rua Presidente Domiciano, 195, com seis mil metros quadrados, 20 cômodos, piscina, área verde preservada. Precisa pequenos reparos. Valor real R$3 milhões e preço de oferta R$ 1 milhão e 700 mil. Aceito imóveis na transação.

Este poderia ser o anúncio colocado em qualquer classificado, só que a casa é nada menos que um dos mais importantes patrimônios históricos da cidade, o Solar do Jambeiro, que por mais de um século marcou presença nos grandes acontecimentos de Niterói e, agora deteriorado pela falta de recursos, pode mudar de mãos.

Tombado pelo Patrimônio Histórico, o Solar do Jambeiro está à venda. Parte da tradição de Niterói, o prédio está situado em local nobre e deve ser negociado pela metade do preço.
Construído a partir de 1872 por um empresário português, a obra foi concluída pelo cônsul-geral da Dinamarca, George Bartholdy, em 1892, que pretendia viver ali o restante de seus dias. Com sua morte, o palacete passou às mãos dos quatro filhos, sendo que Vera, uma das herdeiras acabou comprando a parte dos três irmãos. Só que a venda foi contestada durante anos, chegando mesmo Justiça por um deles, George, ainda vivo e residindo na cidade.

Disputas de lado, a propriedade passou para o filho de Vera, Egon Falkenberg e hoje a casa pertence à viúva Lúcia, que mora em São Paulo, assim como o restante da família. O palacete, tombado pelo Patrimônio Histórico desde a década de 70, é um dos mais importantes exemplares de arquitetura urbana do Século XIX e mantém sua estrutura intacta, igualado apenas a sedes de fazendas.

A mansão não teve somente os descendentes do cônsul dinamarquês. Ali morou o artista plástico Antonio Parreiras, que conheceu de perto o paisagismo que o pintor alemão Georg Grimm vinha desenvolvendo em seu ateliê. Em 1903, ainda por iniciativa do cônsul, instalava-se a sede do Clube Internacional, que durante os primeiros anos do Século XX promoveu diversas festas e suraus, além de bailes de carnaval. A partir de 1911, as Irmãs Dorotheas fundaram um colégio que durou até 1915. No ano seguinte a residência voltava as mãos dos Falkenberg.

Lúcia Falkenberg - num quadro a óleo aos 18 anos -, é a atual proprietária de um prédio que perdeu toda sua mobília em leilão a preços muito baixos.
Mas o palacete jamais perdeu sua hegemonia e serviu inúmeras vezes de cenário para filmes, novelas de épocas, minisséries, casa de recepções e concertos de música clássica. Apesar de representar uma parte significativa na história de Niterói, o Solar do Jambeiro vive um momento de dificuldades. Segundo o administrador, Carlos Fernandes, o desejo da atual proprietária, Lúcia Falkenberg, é vender tudo o mais rápido possível.

"Dos antigos moradores da mansão, diz Fernandes, não há mais ninguém, todos vivem em São Paulo onde seus negócios estão implantados. A casa é cuidada por mim e funcionários antigos, que têm ligação direta com a família. Claro que em uma área tão grande como essa, há cuidados especiais para evitar invasão."

O cenário hoje não é o mesmo de tempos atrás. Cristais importados, prataria, móveis antigos, tachos de cobre e livros foram vendidos em leilão. A casa não lembra em nada a imponente mansão do bairro de São Domingos. Mesmo os jardins refletem o abandono. Segundo o administrador do imóvel, existem dois compradores em negociação.

"O valor de mercado está na faixa de R$ 3 milhões, só que estamos pedindo muito abaixo para vender mesmo", diz Carlos Fernandes. "Só que o futuro comprador terá que seguir à risca as determinações do Patrimônio Histórico Nacional. É impossível, por exemplo, derrubá-lo ou alterar sua estrutura. Claro que determinadas obras podem ser feitas. O importante mesmo é que ao adquirir o solar, o novo proprietário terá 75% de isenção de IPTU e, caso queira construir um hotel ou pousada, desfrutará, por parte da Prefeitura, de não pagar impostos por dez anos como incentivo".

Em momento algum Carlos Fernandes diz quem são os candidatos à aquisição do Solar do Jambeiro. A única pista é que um deles tem negócios em um município próximo a Niterói. "Não é possível dizer quem são estas pessoas porque nada está concretizado. A nossa proposta está fechada em RS1 milhão e 700 mil, muito baixa para os padrões do terreno e do bairro, considerado nobre".

Por conta de infiltrações, o prédio possui vários problemas em sua infraestrutura
Fernandes fala com carinho do tempo em que o Solar do Jambeiro era sinônimo de tradição na cidade. "Sempre fomos procurados para realizar diversos eventos aqui. Em alguns momentos tivemos problemas, como na gravação da minissérie Incidente em Antares. O Paulo Goulart chutou uma peça antiga e que era parte do acervo da casa. Um dos funcionários, no dia seguinte, encontrou-a jogada em um canto. Fui obrigado a exigir que a Globo indenizasse a peça danificada".

Existem problemas que o futuro comprador terá que resolver, como uma reforma imediata. "O valor inicial para a recuperação afirma Carlos Fernandes está calculado em torno de R$ 213 mil, que são dedutíveis no Importo de Renda. Esta restauração emergencial inclusive já foi comunicada ao Patrimônio Histórico. Temos pronto também um projeto de aproveitamento de toda a área do Jambeiro. O arquiteto Paulo Vidal elaborou tudo, e pode ser posto em prática num curto espaço de tempo. Terá auditório para cem pessoas, sala de exibição de vídeo ou filmes e lojas. A própria casa pode oferecer uma estrutura excelente para outras atividades".

O projeto de aproveitamento não inclui um morro que integra a propriedade. "Qualquer coisa que seja feita ali terá que passar pela Prefeitura, porque o local é uma área verde com mata nativa", explica. Entre tantos cuidados com o solar, há questões próximas que pouca gente sabe. Uma delas, proibição de demolição de casas vizinhas à mansão.

Segundo administrador, isso gera um desconforto para os outros proprietários. "As pessoas gostariam de vender seus imóveis, já que a tendência é a construção de prédios no bairro. Só que a proibição é antiga e tem suas razões. Entendo o que a vizinhança sente mas nada pode ser mudado e, no fundo, procura-se preservar não só um símbolo da cidade, como uma parte da história fluminense.

Por Antonio Puga, para O Fluminense








Publicado em 06/05/2021