Nascido em 05 de novembro de 1931, Sebastião Costa Carvalho Neto, o baixista Tião Neto, iniciou sua carreira artística na década de 1950, em sessões de jazz no Clube Central, em Niterói, ao lado do ainda adolescente pianista Sérgio Mendes. Aluno de Pedro Vidal, baixista do quinteto de Radamés Gnattalli, Tião, talvez mais que qualquer outro, ajudou a definir a linguagem do contrabaixo da bossa nova e da moderna música instrumental brasileira.
Em casa, desde pequeno se interessou por vários instrumentos e ouvia muita música. Interessado pela aviação, deixou a música de lado, até que, em 1957, decidiu trocar o comando de uma aeronave pelo contrabaixo.
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Johhny Alf, Tião Neto e Edison MachadoClique para ampliar. |
Distante do violão de 7 cordas do choro e do baixo mais discreto do samba-canção, e próximo, mas não igual ao baixo nervoso e ativo do jazz, Tião, depois de participar de um festival de jazz, no Uruguai, passou a frequentar, no início dos anos 1960, um dos berços do samba-jazz no Rio de Janeiro: o Beco das Garrafas. Localizado em Copacabana, o conjunto de casas noturnas, que ganhou esse nome por conta das garrafas que eram lançadas pela vizinhança em reação ao barulho dos frequentadores, recebia músicos como Sérgio Mendes, Chico Batera, Baden Powell, Edison Machado, Leni Andrade, Durval Ferreira, Ed Lincon, entre tantos outros. Boa parte dos instrumentistas que se apresentava em grupos informais no local também tinha uma relação de intimidade com o que era produzido na bossa nova, entre eles, é claro, Tião Neto.
Em 1961, o músico passou a integrar o conjunto Bossa Três, que ganhou vida própria a partir de artistas que também tocavam no Beco. Um dos pioneiros desse novo movimento instrumental, o Bossa Três era formado, inicialmente, por Luís Carlos Vinhas no piano, Edison Machado na bateria e Tião Neto no contrabaixo.
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No ano seguinte, o grupo viajou para Nova York, nos EUA. Na ocasião, apresentou-se no "Ed Sullivan Show", um dos programas de maior audiência na época, e gravou os LPs "Bossa Três", "Bossa Três & JoBasile" e "Bossa Três e seus amigos", todos lançados pela AudioFidelity, em 1963.
Em Nova York, o artista tomou parte na gravação do disco que viria a se tornar o carro-chefe da bossa nova no exterior, "Getz-Gilberto", lançado em 1964, ao lado de João Gilberto, Stan Getz, Astrud Gilberto e Tom Jobim, com uma vendagem de quatro milhões de discos em lançamento mundial.
De volta ao Brasil, passou a integrar, com Sergio Mendes, no piano, e Edison Machado, na bateria, o Sergio Mendes Trio, com o qual se apresentou em espetáculos na América do Sul, do Norte, e no Japão. Com o trio, gravou o LP "The swingerfrom Rio", em 1964.
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João Gilberto, Stan Getz e Tião Neto. Clique para ampliar. |
Ainda com o Bossa Três, participou dos discos "Sacudin Ben Samba", de Jorge Ben, e "Um Show de Bossa", de Lennie Dale, ambos em 1964. A partir deste ano, o grupo ganhou outra formação, tendo gravado mais cinco álbuns até 1967, sem a presença de Tião Neto e Edison Machado. Dali em diante, o conjunto só retornou aos palcos em 1988, e no ano 2000, com Vinhas e Tião, da formação original, e o baterista João Cortez, lançaram, com Wanda Sá, o CD "Wanda Sá & Bossa Três", apresentando-se no Bar do Tom, no Rio de Janeiro.
Como músico convidado em outras formações, Tião Neto tem uma discografia extensa e significativa, onde se encontram discos como "Muito à Vontade", de João Donato, lançado em 1962. Um clássico, este disco é considerado por diversos pianistas como o criador de uma nova escola no piano brasileiro, diferente da bossa nova, do samba-jazz e do piano tradicional. O trio de João Donato era formado por Donato ao piano, Tião Neto no contrabaixo e Milton Banana na bateria. Em algumas faixas, Amaury Rodrigues tocava percussão.
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Outro trabalho importante foi o LP "Você Ainda Não Ouviu Nada" (1964), um célebre disco de Sergio Mendes, arranjado por J. T. Meirelles, Moacir Santos e Tom Jobim. No mesmo ano e ainda com Mendes, participou do disco "Bossa Nova York", ao lado de Tom Jobim no violão, Edison Machado na bateria, Phil Woods no sax alto, Eddie Moyna nos vocais, Art Farmer no Flugelhorn e Hubert Laws na flauta.
Acompanhou seu parceiro do Bossa Três, Luís Carlos Vinhas, no lendário "Novas Estruturas" (1964), ao lado de Edison Machado na bateria, J. T. Meirelles no sax, Raul de Souza no trombone e Mauricio Einhorn na gaita. O disco "Opinião de Nara" (1964), que marcou uma virada na carreira de uma das musas da Bossa Nova, Nara Leão, também contou com o baixo de Tião Neto, assim como "Softly!", primeiro disco da temporada de Wanda Sá nos Estados Unidos (1965).
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Tião Neto, Nara Leão, Edison Machado e Sérgio Mendes. Clique para ampliar. |
Dali em diante, Tião atuou em shows e gravações com grandes músicos americanos, passando a morar em Los Angeles a partir de 1965, e fazendo parte da gravação da série "Brasil 66", "Brasil 77" e "Brasil 88", gravada nos EUA, também com Sérgio Mendes.
Quando nos anos 1980, Tom Jobim, retornando de uma longa temporada de gravações nos Estados Unidos, buscou um contrabaixo para acompanhar suas composições da fase pós-MatitaPerê, foi Tião Neto quem se juntou à sua Banda Nova. O músico permaneceu na banda até a morte de Tom, em 1994, ao lado de Paulo Jobim (violão), Danilo Caymmi (flauta e voz), Jaques Morelenbaum (violoncelo) e Paulo Braga (bateria).
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Paulo Jobim (violão), o baterista Paulo Braga (em pé) e Tião Neto. Clique para ampliar. |
Além dos sambas e canções sempre sofisticados, Jobim passou a gravar arranjos camerísticos, em que todos os instrumentos – o piano, o violão, o violoncelo, o contrabaixo, a flauta, a bateria e as vozes – interagiam em cantos e contracantos. Em algumas dessas situações, Tião Neto usava o arco, em outras, tocava o baixo elétrico. Com Jobim, Tião participou dos discos "Inédito" (1987), "Passarim" (1987) e "Antônio Brasileiro" (1994).
Com Jobim, participou dos Festivais de Jazz de Antibes e Montreaux (1987). Tião esteve presente em dois eventos na Casa Branca. Na primeira vez, tocou para o presidente Richard Nixon e o Rei Juan Carlos da Espanha; na segunda, para os presidentes Ronald Reagan e João Baptista Figueiredo, do Brasil.
Na sua volta ao Brasil, também montou um estúdio para gravação de jingles para campanhas publicitárias e continuou viajando eventualmente ao exterior para apresentações com Sergio Mendes. Em 1986, paralelamente ao trabalho com a Banda Nova, criou o TNT, Tião Neto Trio, e a Banda São Jorge, apresentando-se em teatros e clubes de jazz por todo o Brasil. Durante três anos, acompanhou a cantora Nana Caymmi.
Tião Neto foi um compositor inconstante. Sua primeira música gravada é de 1963: "Tema Bossa Três", gravada no disco "Bossa Três". No total, não passam de 20 as suas composições registradas em disco. A maioria dela é dos tempos em que participou dos conjuntos de Sergio Mendes, com a parceria dele e de outros membros do grupo.
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As últimas são de seu único
disco solo, "Carrousel" (1992), lançado pelo selo institucional Niterói Discos. Na maioria, são temas da bossa nova, e pós-bossa nova, com alguma influência mais negra e caribenha. Conceitual, este disco reflete o mundo sonoro e particular do músico, com influências sem compromissos estéticos com estilos ou tendências pré-determinadas, apresentando canções como "Tiu-ru-ru" (parceria com Oscar Castro Neves), "Antibes" (parceria com Nelson Faria), Aguxó (parceria com Ney Lopes) e "Mar de sal" (parceria com Lani Hall e Sergio Mendes). O disco conta, nos vocais, com as participações especiais de Marianna Leporace e Ney Lopes, que acompanham o baixista em algumas faixas.
Raramente solista, o baixo de Tião Neto marcava o tempo sincopado da batida da bossa, dando liberdade aos instrumentos principais ou aos cantores para que fizessem os fraseados típicos, "adiante" ou "atrás" do tempo. Quando acompanhado de violão, alternava com este as tônicas e os intervalos invertidos, numa combinação que se tornou característica da música brasileira. E quando acompanhado de guitarra, assumia por inteiro a parte dos baixos, de maneira que o guitarrista pudesse acrescentar o número desejado de notas alteradas aos seus acordes, sem a responsabilidade de tocar também as notas graves.
Em 1998, Tião foi contratado pela Sabin (Sociedade dos Amigos da Biblioteca Nacional), nas funções de curador, orientador e responsável pelo acervo discográfico da Biblioteca Nacional (RJ), selecionando e catalogando toda a história da música brasileira gravada desde 1907. No mesmo ano, se apresentou ao lado do sambista e parceiro Ney Lopes, no Teatro Municipal de Niterói. O músico também realizou palestras sobre jazz em espaços culturais, como o Sala Carlos Couto, Museu do Ingá, Centro Cultural Banco do Brasil e Universidade Gama Filho.
Ao longo de sua carreira, foi agraciado com o Prêmio Folha de S. Paulo (1961), com a inclusão de seu nome na lista dos 20 melhores baixistas do mundo indicados pela revista "Playboy" (1968), com o Troféu Vitor Assis Brasil (1988), o Troféu Projeto Brahma Extra (1989) e o Troféu 1º Prêmio Cantareira das Artes (1997).
Deixando dois filhos, Bruno e Fernão, Tião Neto faleceu em 13 de janeiro de 2001, em Niterói, após uma falência múltipla de órgãos devido a um câncer na bexiga.
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Tião Neto, Tom Jobim, Stan Getz, João Gilberto e Milton Banana. Clique para ampliar. |
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