Militante da preservação e valorização do Patrimônio Cultural Brasileiro, Ítalo foi o grande responsável pela parceria de seu amigo Oscar Niemeyer com Niterói.
Em 2020, Niterói perdeu o arquiteto e urbanista modernista Ítalo Campofiorito, membro da equipe de arquitetos que construiu Brasília e um dos idealizadores do Museu de Arte Contemporânea (MAC), em Niterói. Fiel escudeiro de Niemeyer e Lucio Costa, Ítalo, entre os seus diversos trabalhos, projetou o Teatro Dulcina, em Brasília, a partir de um risco original de Niemeyer. O arquiteto é um dos responsáveis pela criação do grandioso projeto denominado Caminho Niemeyer.
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Ícone e um patrimônio da nossa arquitetura e urbanismo, a trajetória profissional de Ítalo Campofiorito é de enorme importância para o campo do patrimônio e da arquitetura moderna. Participou do 'International Council on Monuments and Sites' (Icomos) e atuou como crítico de Arte pela Associação Internacional de Crítica de Arte (AICA), bem como junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), quando assinou, em 1990, o tombamento de Brasília, símbolo absoluto da arquitetura moderna brasileira. Foi professor titular aposentado da Universidade de Brasília, Secretário de Cultura de Niterói, de 1990 a 1996 e dirigiu o Museu de Arte Contemporânea (MAC) de Niterói, de 1996 a 2004.
A história de Ítalo começa em Paris, em 26 de maio de 1933. Morando na Itália, com um prêmio da Academia de Belas Artes, seu pai,
Quirino Campofiorito (1902-1993), membro do Partido Comunista Brasileiro, não queria que o filho nascesse num país que estava abraçando o fascismo. Decidiu então partir com a mulher grávida,
Hilda Eisenlohr Campofiorito (1901-1997), também artista plástica, para a França. O pai prezava suas origens italianas que ficaram marcadas na escolha do nome do filho, mas principalmente prezava a democracia e a liberdade, inexistentes naquele momento na Itália.
Quirino era filho do arquiteto italiano
Pedro Campofiorito, pintor e arquiteto italiano, que na década de 1910 projetou o Centro Cívico, conjunto de prédios públicos no entorno da Praça da República, no Centro de Niterói. Ítalo trazia no sangue esta vivência de cidadão do mundo.
Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde formou-se em 1956 no curso de Arquitetura na Faculdade Nacional de Arquitetura do Brasil, vinculada à Universidade Federal do Rio de Janeiro. Realizou também estudos de especialização em Estética, História da Arte e Sociologia da Arte na Sorbonne, em Paris, em 1957 e 1958, e em Planejamento Urbano e Rural na Universidade de Londres, em 1961. Arquitetos e engenheiros experimentavam na segunda metade da década de 1950, a aventura de construir Brasília. E lá foi Ítalo viver o sonho de sua geração, como professor da recém-construída UnB.
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Italo Campofiorito e Le Corbusier, aeroporto de Brasília, 1962 |
A amizade com Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Jayme Zettel, Glauco Campelo, Darcy Ribeiro, entre tantos outros, renderam importantes parcerias que carregou por toda sua carreira. Com Niemeyer trabalhou na Novacap e foi um dos profissionais responsáveis pela proposta de urbanização de Brasília. Foi chefe do Serviço Metropolitano da recém inaugurada Capital, entre 1961 e 1963, e atuou como professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), entre 1962 e 1965. Em 1962 acompanhou Le Corbusier na sua vinda ao Brasil para projetar a embaixada da França no Brasil. Entre 1964 e 1965, foi o terceiro presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento do Distrito Federal (IAB-DF). No final dos anos 1970 integra o grupo de implantação do Corredor Cultural no Rio de Janeiro, aliando uma visão inovadora de Patrimônio e de Urbanismo.
Texto de Ítalo Campofiorito para a apresentação do MAC, em 1996
Patrimônio Cultural
Atuava nas questões da cultura, da cidade e do patrimônio em escalas diferenciadas, que traziam a sua leitura de homem do mundo, culto e profundo, e acabou por se especializar na área de tombamento de patrimônio histórico. Foi presidente da Fundação Nacional Pró-Memória (FNPM) e secretário do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, entre 1989 e 1990; e Diretor do Instituto Estadual de Patrimônio Cultural (INEPAC-RJ) entre 1979 e 1980.
Niterói e seu Patrimônio Cultural devem muito a Ítalo Campofiorito. Como Secretário de Cultura da cidade, Ítalo e sua equipe mapearam todos os imóveis de interesse de preservação do município e delimitaram as três Áreas de Preservação do Ambiente Urbano de Niterói (APAUs): Centro, Ponta d’Áreia e São Domingos, Gragoatá e Boa Viagem, além de ter criado o Departamento Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (DePAC). Em sua gestão, o Teatro Municipal João Caetano sofreu sua mais importante reforma desde sua construção no final do século XIX.
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Em 2012, a Coleção “Modernismo + 90”, que celebrou os 90 anos da Semana de Arte Moderna de 1922, dedicou ao arquiteto o livro “Ítalo Campofiorito: Olhares Sobe o Moderno”. Único vivo da seleção de homenageados, Ítalo foi entrevistado por pesquisadores. Em 2015, selecionou por meio de Edital Público uma pesquisa a respeito de ações desenvolvidas nas favelas situadas no Morro da Babilônia entre o Leme e Botafogo e a Zona de Amortecimento do sitio reconhecido como Patrimônio Mundial pela UNESCO: "Rio de Janeiro: Paisagens Cariocas entre a Montanha e o Mar". Foi também autor de vários livros e artigos de diversos periódicos, sites de arquitetura, sobretudo sobre o patrimônio moderno.
Vítima de um ataque cardíaco, Italo Campofiorito faleceu na capital carioca com 87 anos, em 27 de maio de 2020, um dia após a data de seu nascimento, deixando saudades o todos que o acompanharam em sua singular aventura pela vida e pela preservação do Patrimônio. O município de Niterói declarou luto oficial por sua morte.
Para os tantos amigos que fez, Italo era um erudito, mas não tinha nada de pedante. Personagem da história da arquitetura moderna brasileira a partir de meados dos anos 1950 e da preservação do patrimônio cultural a partir de fins dos anos 1970, ele era um grande contador de histórias.
Ítalo Campofiorito e Oscar Niemeyer em dois momentos
Segundo Leonardo Mesentier, seu colega no IPHAN, "Ítalo era um criador de oportunidades para os mais jovens e foi uma das figuras mais importantes da reformulação do pensar e atuar no patrimônio no Brasil, sempre no sentido da democratização do patrimônio. Pensador, professor, político, um intelectual completo. Deixa uma enorme contribuição ao Brasil, que se hoje já alcança reconhecimento, será ainda mais reconhecida com o passar dos anos." A partir de sua experiência e de seu olhar, descobrimos como o modernismo se deu nas áreas da arquitetura, do urbanismo e do patrimônio.
Urbanista preocupado com a preservação do patrimônio cultural do Brasil, para Ítalo, "a cidade é como a cultura, de natureza cumulativa".
Os quadros e a frota aérea do adolescente Ítalo Campofiorito
Em fevereiro de 1945, Quirino Campofiorito deu, em seu ateliê, uma entrevista à Revista da Semana. E o então menino de 12 anos foi tema da conversa.
Em dado momento perguntamos ao pintor se o seu filho já pintava. Sem qualquer orgulho, ele nos responde: "Pintar não sei se pinta, mas costuma manchar o papel com umas aquarelas malucas". E, dizendo isto, o artista tira de uma gaveta algumas folhas de papel de desenho onde estão estampados os primeiros trabalhos pictóricos de seu garoto.
Ítalo, a um canto, observa os movimentos do pai, um tanto ou quanto constrangido. Enquanto nos mostra as aquarelas do filho, Campofiorito nos conta as predileções do mesmo: "Ítalo gosta de pintar, mas prefere fabricar aviões. Enche a casa de aeromodelos, e é raro encontrá-lo sem que esteja entregue à fabricação de uma nova aeronave. Pinta quando lhe dá na cabeça, mas não penso eu, nem pensa minha esposa, que ele tenha obrigação de ser pintor".
Em reprodução da 'Revista da Semana' (02/1945), (1) Ítalo com um de seus aeromodelos. (2) "Aquarela do pequeno Campofiorito, uma paisagem de Niterói. O colorido é algo anárquico e as coisas e os seres são verdes como os seus anos. Mas, observados os detalhes, vemos que ele promete."
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