Artigo de Sindulfo Santiago
Revista Guanabara Fluminense, novembro de 1955
Um brilhante cronista de teatro criticou-me amistosamente porque eu escrevi em reportagens anteriores, que Leopoldo Fróes foi o maior ator brasileiro de todos os tempos. Sem desmerecer quanto ao talento de Fróes, lembrou que nós tivemos um João Caetano, também nascido no nosso Estado do Rio.
O caso não é para polêmicas, pois ambos foram grandes, imensos, e não existem trenas ou termômetros para medir valores. Procópio Ferreira, na sua magnífica conferência sob o tema "O teatro brasileiro até Leopoldo Fróes" - realizada em Abril de 1948, na "Exposição do Livro e da Gravura do Teatro", focaliza João Caetano como um dos expoentes do teatro brasileiro, tendo, entretanto, feito reparos à sua arte, sobretudo quando ele próprio confessou em Memorial enviado ao Marquês de Olinda, que "a arte deveria partir do artista para o povo, e não do povo para o artista". E é Procópio Ferreira quem comenta: "Neste ponto, aliás, não estava sozinho. Com o mesmo falso ponto de vista, encontravam-se os intelectuais da época, com raras exceções. Araújo Porto Alegre, Alvares de Azevedo, Machado de Assis e outros mais pensavam assim".
É ainda Procópio Ferreira quem diz em sua conferência: "A obra de João Caetano resultou mais em proveito pessoal do que coletivo. Vivendo do elemento selecionado da sociedade, alimentando a vaidade dos nobres, dos "snobs" e dos intelectuais estrangeirados, abriram-se-lhe facilmente os cofres públicos de onde tirou os proventos de toda sua vida. Insistisse ele em trabalhar para o povo torcendo seu errado ponto de vista, e teria dado ensejo a mais valores além de Martins Pena. Porém o nosso genial intérprete era antes de tudo, um grã-fino. Tinha horror à plebe, ao populacho estulto e ignaro. Aos aplausos estrondosos das mãos populares preferiu sempre as palmas amaneiradas e comedidas das mãos enluvadas da mediocridade dourada do seu tempo".
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Fróes numa das suas interpretações de comediante em "O Genro de Muitas Sogras". |
Longe de mim empanar o brilho e a glória de João Caetano. Pretendo apenas demonstrar que ele não foi o maior ator brasileiro e que Fróes foi, a meu ver, maior que João Caetano e todos os outros de todos os tempos. Exagero meu? Acredito que não. Fróes, para vencer e se tornar grande, teve a seu favor apenas o talento e contra si enormes tropeços. Até Niterói, a terra em que ele nasceu e se sepultou o tem esquecido completamente.
Assim se refere Procópio à obra de Fróes:
"Esse domínio absoluto da revista durou até o aparecimento de Leopoldo Fróes, o ator eminente a quem devemos o renascimento da comédia em nossa terra. Fróes... Mas será necessário falar dele? Não! Ela está presente na memória e no coração de todos nós. É o ator magnífico que nos enche de orgulho, que nos conforta, que nos faz ter ainda uma esperança em dias. melhores. Sua arte, como exemplo para todos nós; sua perseverança, como estímulo; e sua infinita bondade, como conforto.
Se mais não fez foi porque não pode vencer a traição da morte que o levou tão moço. Mas, mesmo assim, mais do que seu gênio, ficou entre nós seu coração. Aos artistas desamparados, aos vencidos, aos inválidos, a todos aqueles que se estiolaram como flores delicadas, neste deserto para as manifestações da Arte, ele deixou um leito, um teto, um pedaço de pão: "A Casa dos Artistas".
Estas foram as palavras de um grande artista Procópio Ferreira à obra e à arte de Leopoldo Fróes. Dezesseis anos após sua morte, Procópio diz que ele "faz ter ainda uma esperança em dias melhores"!... Não há dúvida que essa opinião de um ator e teatrólogo do quilate de Procópio, é um testemunho que coloca Leopoldo Fróes entre os maiores atores da língua portuguesa.
Registrando a morte de Fróes, "A Noite Ilustrada" de 9 de março de 1932, publicou em sua capa a fotografia do grande ator e nas páginas centrais dados biográficos ilustrados com vasta reportagem fotográfica. Eis um trecho dessa reportagem:
"O grande artista, era em verdade, o maior ator contemporâneo do Brasil. Possuidor de um talento privilegiado, de uma cultura brilhante, de um tipo correto e uma máscara expressiva, Leopoldo Fróes tanto triunfou na opereta como no drama, na farsa como na alta comédia. Fez em Portugal sua educação artística e colheu, nos teatros portugueses, os primeiros triunfos de sua carreira gloriosa. Depois, dedicou-se inteiramente ao soerguimento do teatro brasileiro, empresando companhias, estimulando autores, lançando novos artistas".
É ainda "A Noite Ilustrada" quem diz:
"A estreia de Leopoldo Fróes como ator profissional não se deu em Portugal, conforme quase toda a imprensa divulgou. Foi em Barra Mansa, no Estado do Rio, que estreou o brilhante ator. Leopoldo Fróes cursava, então, a Faculdade de Direito. O antigo amador dos grêmios dramáticos de Niterói sentia, porém, uma fascinação extraordinária pelo teatro. Frequentava todas as casas de espetáculos e os meios teatrais, fazendo conhecimento com numerosos artistas. Um dia Fróes soube que se organizava um ‘mambembe’ que excursionaria pelo interior fluminense e ofereceu-se para figurar no elenco. Como a empresa não dispunha de recursos financeiros e a maior parte dos artistas queria receber uma semana adiantada, Fróes foi aceito com satisfação pelo diretor da trupe, disposto a tirar partido do seu entusiasmo de debutante. A estrela do ‘mambembe’ era Laura Brazão".
Fróes era um artista completo. Ei-lo na no magnífico "Tio Gaspar" da opereta "Sinos de Corneville".
Nessa estreia de Fróes como ator profissional, realizada num velho armazém adaptado em teatro e com um estrado de madeira armado sobre uma pilha de barricas servindo de palco, os artistas dormiam em camas improvisadas dentro do próprio ‘teatro’. Fróes saíra clandestinamente de casa e não levara outra roupa além da que vestia. A noite ele ia para o tanque lavar a roupa branca, deixando-a secar para vestir na manhã seguinte após passá-la a ferro. E durante o dia e nos espetáculos estava sempre de roupa limpa e porte impecável, com aquela sua elegância característica que fazia parte integrante de sua personalidade. Essa passagem da vida de Fróes pelos grêmios de amadores de Niterói é bem conhecida pelo nosso veterano ator e teatrólogo amadorista João Pinto, seu velho companheiro e amigo, que com ele trabalhou em algumas peças. Existem passagens interessantíssimas nessa fase da vida de Fróes, que me foram relatadas por João Pinto e que serão motivo de uma reportagem dessa série.
Dona Corina Fróes lembrou-me que seu irmão Leopoldo foi o primeiro artista brasileiro que fez "tornée" ao estrangeiro com elencos nacionais. Levou aos grandes palcos de Buenos Aires e Montevidéu os nossos atores a autores, tornando conhecido o teatro brasileiro no exterior. O êxito de Fróes em Buenos Aires foi tão grande que ele declarou em várias oportunidades que fora aquela a maior emoção de sua carreira artística.
"Em Portugal, dizia ele, eu sempre me senti como no Brasil, entre amigos, entre Irmãos. A mesma língua, gente, a mesma educação artística. Na capital argentina, porém, tive de enfrentar, pela primeira vez, um público desconhecido, de língua estranha, talvez com uma compreensão artística diferente. Confesso que tremi de emoção, que fiquei contente como uma criança que ganha lindo brinquedo quando ouvi os aplausos quentes e generosos da assistência ao fim do primeiro ato". Em Buenos Aires ficou ele conhecido como o "aristocrata da cena".
Entretanto ele não era apenas o "aristocrata da cena", pois criou admiráveis e inesquecíveis tipos, conforme disse um cronista de "A Noite Ilustrada", marcando "cada um desses trabalhos com uma nota sugestiva de originalidade, com uma abundância de detalhes, com nuances tão delicadas, que delas só seria capaz um grande artista. Os personagens que viveu nas "Vinhas do Senhor" em "Sangue Azul", em "O Café do Felisberto", em "Eterno D. Juan" e outras obras do grande teatro de comédia, assim como os tipos mais populares, como o do "Simpático Jeremias", não serão jamais esquecidos pelos que o viram".
Eu, que tive a felicidade de ver Leopoldo Fróes nos palcos, confesso, perdoem-me os outros artistas brasileiros e estrangeiros que ele está muito acima de tudo que tenho visto, ninguém o superou na sua arte magnifica. Dal minha afirmativa em considerá-lo o maior artista brasileiro de todos os tempos, não apenas pelo valor da sua arte, mas pela objetividade e espiritualidade da sua obra.
Fotos de Joaquim Simões e Arquivos da família Fróes da Cruz
Pesquisa e edição de Alexandre Porto
Série Reminiscências de Fróes
Reminiscências de Fróes: Uma homenagem a Leopoldo
Reminiscências de Fróes: Sob o signo de um Astro Vagabundo
Reminiscências de Fróes: Ele superou João Caetano
Reminiscências de Fróes: Mulheres e amores de sua vida
Reminiscências de Fróes: A morte do grande artista
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