"Quando você supõe que todas as desgraças estão desabando sobre sua cabeça, há sempre uma saída: montar um botequim ou abrir uma livraria para perder dinheiro".

Livreiro, escritor, professor e, nas horas vagas, um leitor voraz, Aníbal Bragança, português de nascimento, mas radicado em Niterói desde os 12 anos, era um dos maiores representantes da cena cultural da cidade. Em 1989, assumiu a Secretaria Municipal de Cultura, acumulando, por 8 meses, o cargo de presidente da Fundação Niteroiense de Arte - Funiarte.

Aníbal Francisco Alves Bragança nasceu em Santa Maria da Feira, Aveiro, Portugal, em 16 de julho de 1944. Em 1956, sua família mudou-se para o Brasil, passando a residir em Niterói. Desde os tempos da escola primária, já reconhecia a importância dos livros para o desenvolvimento intelectual. Depois, estudando no Liceu Nilo Peçanha, referência na época, bastava-lhe atravessar a rua para frequentar a Biblioteca Pública do Estado.

Graduou-se em História pela Universidade Federal Fluminense - UFF (1975), e obteve mestrado em Ciências da Comunicação (Jornalismo e Editoração) pela USP (1995) e doutorado em Ciências da Comunicação também pela USP (2001). Entre 1985 a 2014, foi Professor da UFF, lecionando no Instituto de Arte e Comunicação Social (IACS), nos cursos de Comunicação e Estudos de Mídia, além de, em 2015, diretor da Editora da Universidade (EdUFF). Foi docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM-UFF), bolsista de Produtividade e Consultor do CNPq.

Foi pesquisador na área de Comunicação e Cultura, com ênfase em História do Livro e da Leitura, Cultura Letrada, História da Comunicação, Mercado editorial e Políticas Públicas para o Livro e a Leitura. Foi coordenador-geral de Pesquisa e Editoração da Fundação Biblioteca Nacional (2011-2013), Diretor Científico da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação), de 2003 a 2005, onde também coordenou o Núcleo de Pesquisa Produção Editorial (2007 a 2009) e integrou o conselho editorial da Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, da qual foi coeditor.

Estudioso do livro e da leitura no Brasil, publicou livros e artigos em revistas acadêmicas no Brasil e em Portugal e Lançou livros como "Francisco Alves – O Rei do Livro" (EdUSP), "Livraria Ideal: do cordel à bibliofilia" (EdUFF).

Em 2011, foi laureado com o 1ᵒ lugar Prêmio Jabuti, na categoria Comunicação, pelo livro "Impresso no Brasil - Dois séculos de livros brasileiros" (Unesp), organizado por ele e Márcia Abreu. A obra reúne vários ensaios sobre o percurso da produção editorial brasileira, durante seus dois séculos de história. Constrói-se assim um retrato multifacetado que expõe as peculiaridades da origem, os desafios do transcurso e o panorama que se descortina para esse elemento essencial da vida cultural do país.

Em 1989 foi nomeado, pelo prefeito Jorge Roberto Silveira, Secretário Municipal de Cultura e Presidente da Funiarte. Em sua gestão foi implementado o Serviço de Preservação do Patrimônio Histórico, Arquitetônico e Ambiental; criado o Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Cultural e o projeto Cultura e Movimento. Aníbal criou o Seminário de Políticas Culturais e deu início ao projeto de restauro do Theatro Municipal de Niterói.

Em Agosto de 1989, Aníbal deu posse a Luiz Antônio Mello, na presidência da Funiarte.

Adotado pelos niteroienses, recebeu algumas honrarias: título de "Intelectual do Ano 2007-2008", concedido pelo Grupo Mônaco de Cultura; título de Cidadão Honorário de Niterói, Medalha José Cândido de Carvalho e Medalha Professor Felisberto de Carvalho, todos concedidos pela Câmara Municipal de Niterói; recebeu também a Comenda de Honra ao Mérito, concedida pela Presidência da República Portuguesa. Pertenceu à Academia Niteroiense de Letras e foi membro efetivo do Pen Clube do Brasil.

O Livreiro

Aníbal Bragança ousou abrir uma livraria na cidade onde só havia sebos e papelarias. Seu primeiro emprego foi como entregador na Federação das Indústrias até os 16 anos. Depois foi bncário em Nova Friburgo, mas ficou pouco tempo. Resolveu estudar economia na UFF e logo verificou que Niterói tinha poucas livrarias para muitos alunos. Fez as contas e, na ponta do lápis, viu que dava para realizar seu sonho.

Em 1966, com apenas 21 anos, abriu com amigos a 'Encontro', livraria que depois ficou conhecida como 'Diálogo'. A livraria se tornou também uma editora ao lançar 'O Estado e a Revolução', de Lênin, em 1968. A ditadura logo se encarregou de fechá-la. Aníbal foi preso e teve que lvar provada no DOPS.

Em 1975 fundou a Pasárgada, a primeira do bairro de Icaraí, que se tornou polo cultural da cidade. Um dos precursores do entendimento da livraria como um centro cultural, promovia com regularidade encontros com os autores, cineclubes, palestras e exposições de arte em suas livrarias.

Como livreiro, foi também um dos fundadores da Associação Nacional de Livrarias (ANL) e da Associação das Livrarias e Papelarias do Estado do Rio de Janeiro. Entre 2011 e 2013 foi coordenador-geral de Pesquisa e Editoração da Fundação Biblioteca Nacional.

"Nunca ganhei dinheiro com a livraria mas me considero um livreiro afortunado. A minha relação com o livro é visceral, começou muito cedo e continua até hoje. Na escola primária eu percebi que os livros me permitiam vencer dificuldades e obter certo reconhecimento e isso ficou. Então, ter deixado esse legado para a cidade é muito bom", disse ele em entrevista ao site 'A Seguir'.

Os livros eram a razão de viver de Aníbal de Bragança. Aos 12 anos chegou ao Brasil, aos 21, tornou-se um dos mais jovens livreiros do país, aos 77 partiu para a eternidade, no dia 04 de fevereiro de 2022, deixando um legado de mais de seis décadas de talento, cultura, cordialidade e empreendedorismo.


Citações

"Existe um livro só de definições do que é cultura, mas a que se aproxima mais do que eu acho é aquela que diz ser a cultura um modo de vida. Ela, para mim, deve ser entendida de uma forma muito ampla, que tem aproximação, inclusive, com a cultura da terra. O que é cultura? É você fazer crescer. Numa cultura de milho faz-se o milho crescer, passar de grão a uma planta e a cultura humana é transformar o ser humano naquilo que ele tem de melhor. Quer dizer, se oferecer condições de crescimento às pessoas e aí ter um crescimento de seu potencial artístico, de seu potencial intelectual de seu potencial em termos de saber como viver melhor, de ser mais feliz. Tenho para mim que cultura é aquilo que faz as pessoas serem mais felizes. Que faz com que as pessoas atinjam a sua plenitude, e isso é uma coisa mais ampla. Não é a cultura erudita, não é a popular, não é a de massas. É uma coisa que envolve todas as formas de cultura. A gente tem que ter a cultura do todo, a cultura do modo de vida. " (Aníbal Bragança)

"Uma pessoa notável, inteligente, culta, muito social, fundou livrarias muito conhecidas em Niterói. Darcy Ribeiro, na época em que esteve preso na ditadura na Fortaleza de Santa Cruz, em Niterói, quando era levado para prestar depoimento, convencia os guardas a pararem na Livraria Diálogo, do Ingá, não só para comprar livros, mas também para conversar com Aníbal. Era uma grande figura". (Márcio Torres, também professor aposentado da UFF e que era amigo e cliente das livrarias de Aníbal há quase 60 anos.)


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Publicado em 08/02/2022

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