Uma das maiores referências culturais de Niterói, influente no cenário do samba e respeitado entre os músicos, o instrumentista, produtor cultural e empresário Ilton Lopes Mendes, o Ilton do Candongueiro, foi o fundandor de uma das mais tradicionais casas de samba da cidade. O Candongueiro foi um embrião para que as rodas de samba se tornassem esse grande movimento cultural.

Referência para a cultura popular da cidade, passaram pelo seu "terreiro" uma legião de sambistas de destaque no cenário nacional, como Nelson Sargento, Luiz Carlos da Vila, Aniceto do Império, Beth Carvalho, Arlindo Cruz, João Nogueira, Monarco, Nei Lopes, Dona Ivone Lara e tantos outros.

Ilton sempre viveu no mundo da música. Percussionista, participou da banda da cantora Clementina de Jesus, responsável por ele trocar o surdo pelo pandeiro. Clementina soube que o grupo Vissungo, ao qual Ilton pertencia, iria acompanhá-la e não utilizava pandeiro. Foi enfática: "sem pandeiro, não canto". Hilton deixou o surdo e foi pra casa aprender o novo instrumento. Nunca mais o largou.

Portelense de coração, era visto pelos amigos como alguém de temperamento forte, muito incisivo em suas crenças, apoiador de causas e movimentos sociais. Para ele, "o samba sempre foi resistência, mais do que nunca, a Cultura é uma forma de resistência popular".

Em 1989, motivados pelas festas constantes que promoviam em sua nova casa na Estrada Velha de Maricá, Ilton e sua esposa Hilda construíram um quiosque com telhado de sapê para organizar reuniões entre músicos. Os convidados contribuíam como podiam e no repertório, só samba "raiz" ou cantigas afros.

Aos poucos, a nova morada virou ponto de encontro de sambistas tradicionais e o casal resolveu levantar um espaço mais amplo para acolher melhor as concorridas rodas de samba. Comprou um terreno ao lado da sua casa e criou o terreiro que transformaria no Candongueiro.

Foram três anos de muita labuta. Sem dinheiro para tocar a obra com velocidade, ia se virando como podia: pegou parte do material da obra recolhido de uma antiga igreja do século XIX, da cidade de Maricá; conseguiu uns eucaliptos com um vizinho; ia de caminhão transportar as toras de madeira até sua casa. As telhas coloniais, bem antigas, construídas por escravos, Ilton recolhia de casa em casa na região, oferecendo telhas novas em troca. A ideia central era criar um clima antigo para acolher o mais popular gênero brasileiro.

O casal nunca poderia imaginar que por ali surgiria um misto de casa-bar-centro cultural referenciado no universo do samba há mais de 30 anos: o Candongueiro (uma alusão ao tambor de timbre agudo do jongo e a dança de mesmo nome de origem afro). Antes de se tornar o Ilton do Candongueiro, era conhecido como "O branco", por ser praticamente o único branco no meio de músicos negros.

A roda do Candongueiro misturava instrumentos tradicionais como o cavaquinho e o surdo, com alguns surgidos na década de 80, na Geração Cacique. Ilton não arredava pé da roda, gostava de controlar quem saía e entrava nela, e de manter o profissionalismo na troca dos cantores. Todos tinham que cantar. Em uma ocasião, ele chegou a comparar a roda com um jardim de infância, onde se perdia o lugar quando largava o instrumento. "Se for ao banheiro, quando voltar já tem alguém tocando o pandeiro em meu lugar", falou brincando, durante uma entrevista.

Quando o espaço cultural, como gostam de denominar seus fundadores, pegou sua forma definitiva, suas paredes foram ilustradas com caricaturas dos panteões (que palavra) do samba. Quem desenhava era o artista plástico Floriano Carvalho.

Ilton Mendes faleceu aos 77 anos em Niterói num sábado, 01 de outubro de 2022, vítima de complicações de um acidente vascular cerebral.


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"Dia de Candongueiro era dia de se preparar desde cedo: ligar para os amigos, combinar encontros e começar o aquecimento ao final da tarde. Com o tempo, passei a ver vários alunos meus, do velho ensino de primeiro grau, frequentando o espaço como estudantes de medicina, história, filosofia, direito. Gostava de vê-los no terreiro do seu Ilton, gostava de saber que minhas aulas deixaram esse legado cultural. O Candongueiro construiu laços de solidariedade entre as pessoas. Um repertório sentimental, uma lembrança de que o samba é muito mais que um gênero musical. É, na melhor tradição afro, uma contemplação da vida, em todos os seus sentidos estéticos. E esse foi seu maior legado" (André Diniz, historiador)

"Eu tinha uma relação maravilhosa, de irmão, com ele. Frequento o Candongueiro há mais de 30 anos, comecei a tocar lá, bem no início, quando não ia ninguém. Hoje tem até retrato meu na parede, o que muito me honra, receber esse reconhecimento. Lá no Candongueiro sempre iam muitos sambistas que estavam fora da mídia e acabavam passando por dificuldades. O Ilton sempre fez questão de dividir os valores igualmente com todos. Independente de fama ou não, todos recebiam igual. Essa era uma das convicções dele". (Paulão Sete Cordas).

"Mesmo não participando do samba, ele era um de nós, um sambista como nós. Era ele quem organizava aquilo tudo com muito amor. Era parte da família. Está sendo muito triste, ele tinha um amor gigantesco pela Velha Guarda da Portela. Uma admiração incrível, tanto que a última roda do ano era sempre com a Velha Guarda" (Tia Surica)


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Publicado em 03/10/2022

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