O olhar sociológico sobre mundo que registrava fez o fotógrafo niteroiense Pedro Henrique Matos ganhar o apelido de "Antena da Raça" do jornalista Mino Carta, com quem trabalhou longo tempo como repórter fotográfico. Com uma fotografia poética, desbravando o Brasil e suas cidades, Pedro buscava registrar a cena urbana, impulsionado por uma curiosidade típica dos historiadores.
Nascido em Icaraí, Pedro Henrique Farias Matos tornou-se um fotógrafo nacionalmente conhecido, destacando-se por ter tido a coragem de abrir mão da estabilidade profissional, de quem já havia se consagrado no ramo do fotojornalismo, de uma das maiores editoras do País, para lançar voo na produção de obras autorais.
A fotografia nasceu em sua vida junto com a paixão pelo cinema. Quando ainda nutria o desejo de ser fotógrafo da sétima arte, foi convidado para fazer parte da primeira equipe da Revista Veja, como repórter fotográfico, e depois das "míticas" revistas Realidade e Playboy.
"Tudo no cinema me atraía, me impressionava, a direção... tudo, mas a fotografia era a grande mágica, o que mais me impressionava numa arte tão completa quanto o cinema. Mas para fazer fotografia de cinema eu achava que deveria, antes, aprender fotografia primeiro."
Por 17 anos acabou trabalhando em todas as revistas da Abril, quando então foi chamado por Luiz Carta - irmão do Mino - para fazer os roteiros turísticos da revista 'Quatro Rodas' que, na época, era o "carro-chefe" da editora. "Fiz, também, a revista Placar. Adorava fazer futebol, que aprimora muito a sua técnica, pois você tem que ter uma rapidez incrível, você tem que estar em cima do lance", conta Pedro Henrique.
Para ele, o fotógrafo iniciante deve antes de tudo procurar um jornal ou uma revista para trabalhar, pois no dia-a-dia ele vai desenvolver sua técnica e amadurecer. "O editor vai chegar para ele e dizer: - Vai lá e faz essa foto porque é preciso para o fechamento do jornal. E ele vai ter que se virar. Se não sabe, vai ter que aprender e fazer. Isso vai dar a ele o background para criar depois. Dominar a técnica de modo a nem lembrar dela mais. A preocupação vai ser só com a criação. É como dirigir um carro, você não fica pensando em pisar na embreagem, passar as marchas, etc. Você faz".
Ao longo de sua carreira, publicou oito livros de fotografia, sendo cinco deles sobre cidades (Paraty, Angra dos Reis, Rio de Janeiro, São Paulo e outro chamado "Da Capela à Metrópole" sobre a história de São Paulo através de fotografias) o que o fez ser conhecido como fotógrafo de cidades, rótulo que ele renegava. Em seu último trabalho, lançado postumamente, fotografou com seu especial olhar de artista, a Ponte Rio-Niterói.
Trajetória editorial
Em 1981 rodou cerca de 500 mil quilômetros pelo país para realizar
Impressão do Brasil, obra lançada pela Olivetti, com 120 fotos. O livro tem projeto gráfico e roteiro de Ziraldo, texto de Paulo Mendes Campos e prefácio de Mario Chamie. "Um andarilho profissional que carrega uma câmera", em Impressão do Brasil seguiu um roteiro onde não são raras as confrontações de personagens e paisagens, a partir de uma cronologia bem brasileira, no fundo uma revisitação muito pessoal do próprio Brasil.
A história da Vila de Nossa Senhora dos Remédios de Paraty, fundada por paulistas em 1646 no entroncamento dos caminhos por terra que ligavam São Paulo, Minas Rio de Janeiro, está contada no livro
Paratii-Paraty publicado em 1984 por Pedro Henrique, também com projeto gráfico de Ziraldo e texto do cirurgião plástico Ivo Pitanguy, outro integrante da legião de fãs e admiradores de Pedro Henrique.
A obra mostra um pouco do passado da cidade e alguns dos seus detalhes em belas fotografias coloridas com pouco uso de filtros, que realçam o dourado do solo branco da espuma das ondas. O formato das janelas de madeira, as cortinas de renda, as aldravas das seculares portas de madeira maciça, as igrejas, um cavalo pastando placidamente no meio da rua, os rótulos das famosas cachaças, os últimos canhões de Forte Defensor Perpétuo. Tudo foi esmiuçado pela câmera do fotógrafo. No ano seguinte, ilustrou o livro infantil de Ziraldo "A Fábula das Cores" (Ed. Melhoramentos).
Repetindo a parceria com Ziraldo e Pitanguy, em 1986 lançou
Angra dos Reis: Baia dos Reis Magos. Em diversas viagens que fizeram juntos a Angra, Pitanguy aprendeu um pouco sobre o estilo do parceiro. Pedro Henrique não usava flash, era capaz de esperar horas por um pôr-do-sol perfeito e pela iluminação ideal. Um livro não de texto, mas de fotos-sublimes. São 105 imagens coloridas selecionadas entre dezenas de filmes feitos durante um ano. Selvagem ou humanizada, a paisagem captada pelas lentes de Pedro Henrique equivale à redescoberta de Angra, paraíso a ser preservado.
Em 1991, Pitanguy e Ziraldo novamente se uniram para selecionar, entre quase dez mil fotos de Pedro Henrique, 144 para ilustrar
Um jeito de ver o Rio, editado pela clínica de Pitanguy. Produzido para ser símbolo da cidade que iria sediar no ano seguinte a
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), o livro procura vender o Rio como a cidade mais bonita do mundo. Apaixonado pela indústria do turismo, que via como a saída para acabar com a miséria e a violência, o fotógrafo teve a ideia do livro durante viagens que fez para a revista Quatro Rodas. "Quero ajudar a melhorar a imagem tão deteriorada do Rio", explicou na época o artista.
Em 1996 lançou em parceria com o publicitário Washington Olivetto "Cidade de São Paulo". No livro Pedro Henrique praticamente descobriu uma cidade nova, poucas vezes vista, celebrando a natureza, os tons de dourado e prata e a beleza da arquitetura, na qual parecia conseguir ler, entre concretos e cinzas, a intenção de cada arquiteto, como fez com o prédio Copan, de Niemeyer. "O livro sobre São Paulo, sem modéstia, ficou muito bonito. O fotógrafo enfrenta o desafio de fugir da banalidade, procurar a beleza da cidade - que não tem muitas belezas naturais - nos detalhes de arquitetura", conta o fotógrafo.
Em 1998, produziu
Da Capela à Metrópole (ImagemData), o primeiro livro de registro fotográfico das principais igrejas católicas da cidade de São Paulo. O livro reúne 131 fotos de 34 igrejas e capelas da cidade, distribuídas em 128 páginas de papel couchê e impressas em policromia, além de textos escritos pelos arquitetos Helena Saia e Walter Pires. Durante 4 meses, Pedro Henrique fez mais de vinte mil fotos e os arquitetos percorreram as igrejas buscando seus detalhes de construção e históricos. Para garantir imagens únicas de pontos inusitados e, na maioria das vezes, desconhecidos pela maior parte da população, acordava diariamente às 5 horas para registrar as luzes que invadiam as construções.
Morto em 30 de dezembro de 2003, vítima de um câncer aos 58 anos, Pedro Henrique não chegou a ver pronto seu último livro,
Ponte Rio-Niterói (ed. Melhoramentos), que faz uma homenagem aos trinta anos do monumento que o ligava a duas de suas paixões - a cidade onde nasceu e o Rio de Janeiro, onde morava. Quando recebeu a proposta da Concessionária Ponte S.A., o convite foi encarado como um desafio. Encontrar poesia numa construção de concreto, sinônima do estresse dos engarrafamentos, parecia ser uma tarefa inglória. Mas o resultado nos apresenta sua disciplina e sensibilidade, sua forma ímpar de contar uma história.
Pedro Henrique deixou 3 filhos e esposa, a jornalista Penha Rocha, segundo a qual o marido era apaixonado por jazz, Flamengo e história. "Ele era um amante das cidades. Quando moramos em São Paulo, pensei que seria difícil para ele, porque um fotógrafo numa cidade sem luz é difícil. Mas Pedro surpreendeu com 'Cidade de São Paulo', considerado o livro mais bonito sobre a metrópole", diz.
Em uma entrevista que deu em maio de 2002 ao também fotógrafo Luiz Ferreira, para a revista "Espaço Photo", Pedro Henrique se definiu como um fotógrafo completo, no sentido que fazia qualquer tipo de fotografia, exatamente como consequência de sua trajetória profissional. "Na Abril e no estúdio que depois eu tive em São Paulo, fiz moda, produto, fotojornalismo, etc. Não se pode ficar preso ao estigma de fotógrafo de moda, por exemplo. As pessoas não podem se limitar, todo mundo pode fazer tudo, principalmente na área de criação. [...] Afinal, uma boa foto é como uma bela paisagem: precisa envolver, emocionar as pessoas. Eu gostaria muito que minhas imagens, guardando as devidas proporções, evidentemente, fossem vistas como um solo do Bill Evans ou do Chet Baker, ou como as boas canções do Chico e do Tom". Mas também confessou: "Até hoje não fiz cinema, mas ainda pretendo fazer. É uma meta".
Depoimentos
"Gostava muito dele. O Pedro era um pintor fotografando, com uma visão privilegiada do Brasil. Tranquilo, parecia estar sempre sonhando. Morreu como Henfil, puto da vida, e deixou um arquivo incrível de fotos" (Ziraldo).
"Na Abril, repórteres disputavam a parceria com Pedro Henrique na hora de ir para a rua fazer matéria. Trabalhar com Pedro era o desejo de qualquer repórter da casa, porque ele não resumia sua fotografia a um mero registro da situação. Ao contrário, ele era cúmplice do jornalista" (Maurício Dias, colega de trabalho na Editora Abril).
"O trabalho de Pedro me lembra uma frase do poeta uruguaio Quintin Cabrera, que diz cidades são livros que se leem com os pés. Pedro fazia isso, ele percorria as cidades que fotografava, tinha um olhar muito pessoal. Pedro unia educação, comunicação e arte. [...] Não há como dissociar arte e comunicação, porque a arte comunica, seja objetiva ou subjetivamente. E ambas são educação. Pedro Henrique representava esta ideia. (Luís Alberto Sans, um dos fundadores do Cine Arte UFF)
"Pedro foi da época em que revistas como Veja, Quatro Rodas e Isto É estavam sendo criadas. Suas fotos foram fundamentais para a criação da identidade visual destas revistas. Além disso, a parceria com Ziraldo foi inovadora, pois na época era difícil fazer obra autoral de fotografia. Convencer patrocinadores era tarefa para poucos" (Pedro Karp Vasquez, fotógrafo e pesquisador).
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