Radicado em Niterói desde a juventude, o historiador, jornalista, escritor, político e tabelião Manoel Benício nasceu Manoel Laudelino de Azevedo na freguesia de Vertentes, então município de Taquaritinga, em Pernambuco, em 23 de agosto de 1861. Macinha, como era tratado na infância, era filho de Laudelino de Azevedo e Leocádia de Azevedo, e adotou mais atarde o sobrenome Benício.

Cursou o primeiro ano de direito no Recife e em 1880 abandono-o, vindo sentar praça como cadete na Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. Em 1882 foi nomeado professor subvencionado do povoado de Serra do Mato Grosso, no município fluminense de Saquarema, para logo em seguida passar a viver em Niterói.

Sua produção literária começou em 1884, quando escreveu e publicou o conto "Cenas de Sangue", em parceria com Ricardo Barbosa, a respeito de um crime de feminicídio, assassinato seguido de suicídio, ocorrido naquele ano numa hospedaria que existia na Praça do Mercado, hoje Araribóia, no Centro de Niterói. A renda da venda do livreto que fez publicar, foi destinada aos seis órfaos da tragédia. No mesmo ano, tornou-se sócio do concorrido Congresso Literário Guarany e publicou, no periódico "Álbum", de Arthur Azevedo, o conto "A Filha do Caboclo".

Em 1887, ainda com Ricardo Barbosa, escreveu a revista teatral "Os Aventureiros", que seria encenada pelo Clube Dramático Kean. Essa peça, entretanto, seria fortemente censurada pela imprensa, tratada como "imoral" e "naturalista", tendo o clube desistido de sua apresentação.

Tornou-se jornalista e raro foi o jornal de Niterói em que ele não houvesse colaborado. Em 1885, criou com o desnhista Bento Menezes, o jornal ilustrado "A Palheta". Ao mesmo tempo em que escrevia na antiga "Província do Rio", fundou em 1888, com alguns professores o periódico "A Instrução", cujo primeiro número circulou em fevereiro, mas desapareceu logo depois.

No mesmo ano, em setembro, estreou em "O Fluminense" uma sperie de crônicas em prol da abolição. Neste jornal, colaboraria constantemente, sobre diversos temas, até sua morte. Foi um dos fundadores, em 1889, de "O Povo", jornal republicano, com Alberto Torres, Carr Ribeiro, Ricardo Barbosa, entre outros. Logo após a Proclamação da República, foi redator do "Rio de Janeiro" com Fonseca Portela, Macedo Soares e Ricardo Barbosa.

Novmente com seu dileto amigo Ricardo Barbosa, em janeiro de 1892 lançou o "Jornal do Rio", que, apesar do título, circulava em Niterói. Em 25 de abril, o órgão deixou de circular, e Benício, ao contrário de qualquer empresário, comemorou sua morte com suntuoso banquete de que participaram diretores, colaboradores e gráficos. Em maio do mesmo ano, iniciou e publicação de "A Barricada", também de efêmera existência.

Em outubro de 1900, "O Fluminense" editou seu romance de costumes nordestinos, "Ladrões de Cavalo".

Em 1920 publicou um Monografia Rimada em homenagem à sua terra nata, Taquaritinga, e, na revista fluminense Luz e Sombra, a "Toponymica Indiana Campista", um histórico sobre os nomes tupys exóticos introduzidos na geografia do municipíio de campos dos Goytacazes.

Conflitos políticos

Manoel Benício era, além de um boêmio reconhecido na cidade, um atuante personagem político, seja em sua militância republicana, seja em defesa de Niterói. E este fato concorreu para que fizesse muitos amigos, mas também alguns desafetos. Os jornais da época relatam pelo menos três tentativas de assassinato que sofreu, todas sem grandes consequencias físicas, mas algumas políticas.

Em 27 de novembro de 1892, Benício viu-se envolvido num acontecimento de graves consequências para a cidade: estava assistindo à festa de Santa Luzia, na Ponta da Areia, com o aspirante da Marinha Álvaro, um dos filhos do então vice-governador Manuel Martins Torres, seu amigo e correligionário, quando foi agredido por três soldados do Regimento Policial, e depois cercado por membros da Cavalaria, que de espadas desembainhadas o intimidaram a não prestar queixa.

Dias depois, os agressores foram presos e espancados, até que um deles falecera. Quando o fato chegou ao conhecimento dos demais soldados, a polícia levantou-se e declarou deposto o governador José Tomás Porciúncula, em 14 de dezembro, aclamando para sucedê-lo seu antecessor no cargo Francisco Portela. Esse levante foi sufocado, no dia seguinte, pelas forças federais comandadas pelo Coronel Moreira César. Com a prisão de mais de 200 oficiais, a polícia local acabou extinta neste mesmo dia por decreto do governador.

Quando, em marco de 1893, chegaram a Niterói as notícias da Revolução Federalista, detonada no Sul do país, Benício foi dos primeiros que se movimentaram, organizando com vários republicanos um movimento de solidariedade ao Presidente da República, o Marechal Floriano. Vários encontros foram realizados no então Theatro Santa Tereza.

Enquanto isso, a 6 de setembro, rebentava na baía de Guanabara a Revolta da Armada, que durante seis meses teve Niterói como principal palco. Benício voluntariamente se apresentou para a defesa da cidade, tendo participado dos Combates da Armação, no momento mais dramático da luta, a 9 de fevereiro de 1894. Como correspondente, narrou os rumos do conflito para os jornais "O Fluminense" e para o carioca "O Tempo".

Concluída a Revolta em Niterói, seguiu para o Paraná a fim de acompanhar como correspondente, novamente para "O Tempo", a Revolta Federalista, só retornando em junho daquele ano, após a vitória final das tropas de Floriano. Pelos serviços prestados à causa republicana nesses conflitos, o governo brasileiro concedeu-lhe a honra de Capitão do Exército.

Eleito Vereador em 1894, foi de sua autoria o projeto que levou a Câmara Municipal a adquirir, em 1896, o Theatro Santa Tereza, que estava sendo leiloado por ordem de Governador provincial Mauricio de Abreu; e depois para denominá-lo "Municipal de Nictheroy". Ainda em 1896, fez aprovar um projeto regulando o funcionamento das casas comerciais e permitido comerciários o descanso aos domingos, projeto esse logo depois revogado.

Revolta de Canudos

Em 1897, estava em seu momento mais difícil a Rebelião de Canudos, no sertão da Bahia, e para lá foi enviado como correspondente especial do Jornal do Commercio junto às forças legais expedicionárias.

Adiando o casamento marcado com a niteroiense Aida Pimentel do Vabo e licenciando-se do mandato de vereador, embarcou a 21 de março, e de lá só retornou em agosto após divergências com o comando das tropas, em especial com o general Arthur Oscar.

Frustrando as expectativas dos comandantes das Forças Militares de então, Benício foi o primeiro repórter a denunciar a desorganização, fome e erros estratégicos da quarta expedição contra o arraial de Canudos. Sua atuação acabou sendo fortemente repudiada pelo Clube Militar, que exigiu sua retirada da frente de batalha, o que levou o Jornal do Commercio a parar de publicar suas reportagens sobre a guerra.

Um assunto prudentemente evitado (se não omitido) nas ordens do dia expedidas pelos comandantes eram as degolas. Em carta assinada em 24 de julho, Benício revelou que os prisioneiros eram degolados, não sendo poupadas nem mesmo mulheres e crianças.

Em 1899, o "Jornal do Comércio" reuniu suas reportagens no livro "O Rei dos Jagunços", três anos antes de Euclides da Cunha publicar sua obra-prima "Os Sertões", sobre esta mesma guerra. "O Rei dos Jagunços" teve sua 2ª edição lançada somente em 1997, em parceria com as fundações Getúlio Vargas e Assis Chateubriand.

Por sua temporada em Canudos, Manoel Benício inspirou, em 1997, o cineasta Sergio Rezende a criar o personagem Pedro, um jornalista interpretado por Roberto Bomtempo no filme Guerra de Canudos, estrelado por José Wilker.

De volta a Niterói

Manoel Benício foi recebido de volta a Niterói em 19 de agosto, em meio a homenagens até então raramente vistas na cidade. Uma barca gentilmente cedida pela Empresa Cantareira conduziu amigos e admiradores que foram a bordo do navio Pernambuco receber o ilustre herói. Na cidade, foi homenageado com festas e corridas de amadores no jardim Pinto Lima (São João), além de um espetáculo no Theatro Municipal, que ele ajudou a manter de pé.

A 4 de setembro do mesmo ano casou-se e em outubro assumiu, como tabelião concursado, o cartório do 3° Oficio de Niterói, na rua São Pedro, 16 - que antes pertencia a José Alves Carneiro. O jornal carioca "Gazeta da Tarde" noticiou no dia 7: "Naquela cidade vizinha transcorreu a bela festa de casamento do ruidoso correspondente do Jornal do Commercio, em Canudos, com a gentil Aida. Foram padrinhos o Dr. Manoel Martins Torres e o capitão Joaquim de Abreu Lacerda."

O Historiador

Como tabelião e vereador da cidade, Manoel Benício teve acesso a um enorme acervo de documentos da história da cidade e da província, além de seus personagens. Boa parte de sua pesquisas foi publicada nas páginas do jornal "O Fluminense”, e serviu de fonte para muitos outros estudiosos do passado niteroiense. Benício dedicou especial atenção à pesquisa da história da cena artística niteroiense no século XIX.

Em 1901, participou ativamente, ao lado de Mário Viana, da campanha que procurava fazer com que a Niterói voltasse a ser a capital do Estado do Rio, condição que havia perdido em 1894 durante a Revolta da Armada, que de forma tão próxima acompanhou.

Em 1919 publicou na Revista Marítma Brazileira um extenso artigo chamado "Navegação Interlitorânea da Bahia de Guanabara", no qual narra, de forma bem detalhada, toda a história do transporte marítimo da região, desde o século XVI.

Em sua residência à rua Dr. Souza Soares, Fonseca, Niterói, Manoel Benício faleceu em 12 de agosto de 1923, aos 62 anos de idade, deixando viúva e cinco filhos. Típico cidadão nordestino, baixo, de compleição robusta, afável e acessível a todos, Manoel Benício era um boêmio e possuía, além de preciosa erudição, um raro tino político. Apaixonado pela cidade que adotou e foi adotado, tinha especial adoração pelo ainda bucólico bairro do Fonseca, onde sempre morou. Para ele, o Fonseca "era o primeiro país do mundo".

Crítica e Documentos

    "Quem como eu viu bem de perto de que modo te esforçaste e quão grande foi sua admirável dedicação pela República, durante toda a Revolta Federativa, avalia bem quanto são merecidas as honras que o governo vem de te conferir. Incalculável foi o teu serviço animando as trincheiras mudas, trazendo para teu jornal a confirmação publica daqueles que mais se esforçavam, estimulando-os. E mais que tudo isso tu vasavas nos teus escritos a tua grande alma de patriota, e a cada artigo teu um punhado de bravos se erguia, convencido pela tua eloquência, dolorosamente pungidos pela verdade com que tu relatavas o acontecimento. Demais, quem como eu viu tua admirável serenidade, o desprendimento boêmio de tua primeira noite propriamente de campanha, naqueles miseráveis baixeiros estendidos sob o rancho do porto do rio Itapetininga, deslumbrando os homens rudes daquelas paragens pela tua admirável adaptação ao novo meio; enfim tua vida errante pelo Paraná, presente e toda parte onde servia de cenário para qualquer trecho tocante do grande martírio republicano que lá se realizou; o grande heroísmo do despertar dos soldados descuidosos na noite do dia 8 em Niterói, todo esse mito de dedicação por uma ideia que completamente te dominou o espirito, admirando tu mesmo ao recordares as estranhas cenas que presenciaste, duvidando tu mesmo de fatos, de paisagens, de tipos com quem conversaste, enfim, a medires todos os perigos que passaste, estou certo que como eu, tu só podes atribuir o teres atravessado incólume, à santidade da causa a que te consagraste. Por isto tudo, meu amigo, eu te felicito, a ti que tens a grande alma de patriota, às vezes disfarçada em adorável espirito de boêmio. Teu companheiro, admirador e amigo gratíssimo." SOLDADO JOÃO COUTINHO LIMA, O TEMPO, 20 DE AGOSTO DE 1824).

    "O livro que acaba de publicar o Sr. Manoel Benício não será um dos somenos. Este livro, aliás, não é, nem pretende ser, uma obra literária; mas há nele algumas páginas, de parte a incorreção grande da forma e os defeitos de redação, dignas de um escritor. Havia talvez no inteligente autor do "Rei dos Jagunços" um escritor, um romancista com poderosas faculdades de observação e de representação. Poucos dos nossos romancistas sertanejos terão uma página tão viva, tão animada, tão verdadeira como o capitulo "Os Jagunços em Canudos”, deste livro. E aos leitores que amam as cenas, os costumes, a vida do nosso sertão, que lhe acham graça, interesse e poesia, se lhes deparará mais de uma página dessas, e um repertório curioso de informações e observações." (ACADÊMICO DA ABL JOSÉ VERÍSSIMO, REVISTA BRAZILEIRA, JULHO DE 1899).

    "THEATRO SANTA THEREZA: É digna de aplausos a proposta apresentada pelo ativo vereador Manoel Benício na última sessão da Câmara Municipal para que esta corporação concorra ao leilão do Theatro Santa Thereza. É lamentável, sem duvida, que uma cidade como Niterói, não tenha uma de casa de espetáculos. É desolador que um teatro solidamente construído, elegante, seja vendido para fábrica de cigarros ou cocheira de carros. Neste Estado apenas o Theatro São Salvador, em Campos, rivaliza com o de Santa Thereza. Por toda a parte, em todos os lugarejos, aparecem companhias de diversos gêneros e nós volvemos à condição de povo atrasado, sem gosto artístico, e Niterói ficará sendo a tradicional Praia Grande. O que é verdade é que nos tempos da saudosa Praia Grande, o gênio assombroso de João Caetano irradiava no palco do Santa Thereza. E agora? Assim venha, o poder municipal adotar a proposta de Benício, e tome a si o teatro. Será uma fonte segura de receita, será um benefício real à população" (O FLUMINENSE, 10 DE MAIO DE 1896).

    "Por denúncias de inimigos políticos, foi preso um padre como fornecedor de pólvora e outros recursos à gente de Canudos. Um belo dia chegou a Queimadas e escolta que guardava o sacerdote, e logo o entregou ao general Arthur Oscar para lhe dar conveniente destino. Interrogado sobre os pontos pelos quais era acusado, negou. Para arrancarem-lhe a verdade meteram-no no tronco, no meio da praça pública, vestido das suas roupas sacerdotais, cabeça descoberta e coroa exposta aos raios de um sol abrasador. Nessa ocasião, o Sr. Manoel Benício, em conversa com o general Arthur Oscar, intercedeu pelo padre, dizendo ao comandante em chefe que não seria aquele o melhor modo de arrancar-lhe a verdade do que sabia. Não sendo de pronto atendido, como era de esperar, apelou para os sentimentos religiosos do general, fazendo-lhe ver que o Exército Brasileiro era essencialmente religioso e que o espetáculo daquele padre, amarrado ao tronco, como um celerado, revoltaria naturalmente aos soldados, que sobre crenças religiosas não admitiam que fossem elas menoscabadas. [...] Desatendido sempre, Manoel Benício protestou, então, como representante da imprensa, à qual levaria o fato, pedindo providências. A discussão azedou-se de parte a parte, terminando pelo general proibir ao representante que acompanhasse a sua coluna e que passasse telegrama ao seu jornal sem sua audiência. Benício, impossibilitado, portanto, de exercer suas funções junto às forças, ameaçado de ser preso se transgredisse as ordens superiores, abandonou imediatamente Queimadas, dirigindo-se logo para a coluna Savaget, em Sergipe. [..] Ao ilustrado capitão Manoel Benício, pela defesa que fez da vítima, sacrificando, talvez, o seu futuro, um aperto de mão e nossos sinceros agradecimentos. (M. DE FIGUEIREDO, A NOTÍCIA-RJ, 24 DE AGOSTO DE 1897).

    "O grande serviço, a inestimável obra de Manoel Benício, o set feito característico de escritor que nos desperta entusiasmo que lhe empresta inconfundíveis méritos, é por certo o de cronista histórico. As crônicas que Manoel Benício há trinta anos a que esta folha vem dando a luz da publicidade, seja nos permitindo observar - sem método – são, no entanto, criteriosas, baseadas em documentos autênticos e, sobretudo buscadas pacientemente após insanos trabalhos, como os que se cometeriam ao escafandrista ao qual se mandasse mergulhar em vasta baía em busca de objeto valioso, sem que se lhe precisasse o ponto em que fora ele perdido. Sim, não há favor na nossa afirmação, porque toda gente sabe, ou melhor, os estudiosos devem saber de sobra que a história de Niterói é baralhada a confusa, prenhe de hiatos, tributo fatal devido pela cidade, tão próxima do governo da metrópole e com administração comum. As crônicas de Manoel Benício, repitamos sem demasia de palavras, os são tratadas com carinho, originadas de preciosos documentos relegados pelos anos e talvez pelos homens. Elas recordam, erguem, reconstituem a história política e administrativa desta bela cidade que não lhe deu o berço, mas, por certo, lhe dará o tumulo." (AMÉRICO RODRIGUES, 23 DE AGOSTO DE 1922, O FLUMINENSE) (AMÉRICO RODRIGUES, 23 DE AGOSTO DE 1922, O FLUMINENSE)



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Publicado em 15/06/2021

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