Entrevista que o ator Leopoldo Fróes concedeu à Revista "Palcos e Telas" em março de 1919.
Leopoldo Fróes, o vitorioso, Leopoldo Fróes, o irresistível, o ator brilhante e o adorado
manqué, é filho do Dr. Luiz Carlos Fróes da Cruz e de D. Idalina Rodrigues Guimarães Fróes da Cruz. Nasceu na casa nº 2 da rua de São Francisco, Niterói, no dia 30 de Setembro de 1882, às cinco horas da manhã.
- E qual foi o primeiro fato notável da sua vida?
- Na hora em que nasci brilhava no céu um grande cometa...
- O emblema da insatisfação e da rebeldia. Todo o infinito não basta a esse astro errante, que não obedece às leis que regem os outros astros.
- E signo da vagabundagem...
E rimo-nos. E, de fato, Leopoldo Fróes vive agora de perna estendida. Depois que enriqueceu no Trianon? Não! Depois que uma ligeira enfermidade a isso o obriga... E, no seu confortável
apartement, nossa enquete prosseguiu:
- Em criança pertencia ao partido liberal, asseveravam os de casa. Era terrível, e já seresteiro, pois que vivia cantando. Aos cinco anos recitava monólogos, fazia diálogos com minha irmã Corina. Foi para acompanhá-la que comecei a frequentar a escola, onde cochilava e dormia - um dia caí da carteira e quebrei a cabeça, - o que me valeu 15 dias de gazeta - e mais tarde me dei a um esporte abominável: aprendi a fazer crochet! A escola era a de Dona Carlota Garcia, e ficava à rua d'El-Rey, hoje Visconde do Uruguai. Uma preta nos levava e trazia, e eu comecei a dar para desordeiro. Um dia fiz um grande rolo na rua, e até a polícia apedrejei. Tive explicadores particulares, frequentei o Colégio D. Pedro II até o 4º ano, concluí fora os preparatórios, matriculando-me na Escola de Direito e em 1902 bacharelava-me, aos vinte anos de idade, portanto. Éramos onze na turma desse ano, dela fazendo parte, entre outros, o José Medello e o Octacilio Camará. Devo dizer que nunca tive entusiasmo pela advocacia. Minha ideia fixa era o teatro. Tomava parte em representações íntimas em Niterói, fui amador do Grêmio Assis Pacheco. Advoguei, defendi meus clientes, um em Niterói, outro em Paraíba do Sul, que foram absolvidos. Por pilhéria, falam em uma condenação a trinta anos de réu que eu defendera, coisa que peço que desminta. Segui para a Inglaterra, para estudar o povo, a organização do país, as suas leis...
- E quanto tempo esteve na Inglaterra?
- Nunca estive lá! Paris prendeu-me durante três meses, findos os quais segui para Lisboa e, como o dinheiro se acabara... regressei ao Rio. Pouco me demorei aqui e, de volta a Lisboa, fiz minha estreia no grande teatro, estreia que foi a mais desanimadora possível. A peça era o "Rei Maldito", de Marcellino de Mesquita, o teatro, o Príncipe Real, e a com- panhia, a Alves da Silva. Trabalhei 13 noites, e só quase dois anos depois tentei novamente a sorte. Começa aí verdadeiramente a minha carreira artística. Entrei para a Companhia José Ricardo, estreei na revista "O ano em três dias" e durante três anos e meio tive aquele excelente artista como meu mentor na vida que abracei.
Daí por diante trabalhou o querido artista em várias companhias, com o Galindo, com o Taveira e obteve o seu grande primeiro triunfo: substituindo o ator Telmo, tido como o melhor galã cômico de Portugal.
Em 1908 fez, com o Taveira, a sua primeira tournée ao Brasil, trabalhando no Recreio, recebendo-o o nosso público com grandes demonstrações de estima, logo transformadas em sincero aplauso. Em 1909, unido ao Almeida Cruz e à Rentini, fez-se empresário. Correu Portugal todo, esteve nas ilhas, foi à Espanha. De volta a Portugal, apareceu ao lado de Ângela Pinto, na comédia e no drama. Lembra-se do êxito que obteve no vaudeville "Sempre casto" e recorda-se que fez o primeiro coveiro do Hamlet... Em 1914, vindo ao Brasil, entrou para a Companhia Eduardo Victorino, que ocupou o Apollo durante um mês, e seguiu em turnê para o Sul. Na volta, a companhia dissolveu-se em São Paulo, onde Leopoldo Fróes ocupou o cargo de diretor da Companhia do Theatro São José. Foram só dois meses, pois fez-se novamente empresário, e, tendo a Sra. Lucília Peres como primeira figura, veio ocupar aqui o Pathé. Com a sua companhia foi a São Paulo, voltou ao Rio, trabalhando no Phenix, seguiu para o Norte, regressou a esta cidade, onde ocupou o Palace, e de onde se passou para o Trianon, já então sem a Sra. Lucília Peres, teatro que осupa desde 3 de fevereiro de 1917, constituindo a sua estadia ali um dos melhores negócios teatrais do Rio. Durante a sua vida artística, o ator mais completo que se tem visto, o maior, é João Rosa. Não tem preferências quanto aos gêneros teatrais, sendo certo que aquele em que mais brilha, a comédia, é justamente que menos lhe sorri, porque acha o seu sucesso fácil.
- E que pensa dos assuntos teatrais no Brasil?
- Acredito que está instituído o teatro nacional. Temos artista, temos autores e temos público. Só nos faltam organização e o indispensável amparo oficial. Os que por aí assoalham que nada possuímos, ou
mentem ou não sabem o que dizem. Estamos atualmente - e frize isso de modo especial - em melhores condições do que Portugal, onde não surge figura alguma de valor há muitos anos, e onde é profundo o descalabro dos negócios teatrais, apesar da organização existente. Aqui o artista é um produto natural, como o manganês ou a borracha. E aos que enchem a boca com a França e o teatro francês, para deprimir o nosso, pergunte-se o que é que temos, em qualquer esfera de atividade, comparável à França? As letras? As ciências? As artes? ou - em assunto mais terra à terra - o exército? A marinha? Então porque maldizer somente o teatro? Depois, em relação a tudo o mais, não tem faltado o solícito amparo do governo. E quanto ao teatro? O mais criminoso e o mais antipatriota dos abandonos!
- Diga ainda que minha maior aspiração atual é concluir a grande obra da Casa dos Artistas. É uma iniciativa minha, ainda do tempo em que estava no Pathé, e que, para mim, uma vez realizada, vale mais do que todos os triunfos obtidos em teatro.
- Antes de dar por finda a nossa palestra, permita que lhe faça mais uma pergunta, sem o que a curiosidade das nossas leitoras não ficaria inteiramente satisfeita?
- Nunca pensou em casar-se?
- Eu? Mas como? e com quem?
- São essas as dificuldades?
- É que tenho amado tanto...
- ...e não conhece o amor...
- Justamente! Pobre Bilac...
- Mas... e a minha pergunta?
- Oh! sim... Olhe, diga que não, que nunca pensei em casar-me. Deve ser essa a comédia mais difícil de representar...
Obs: Nesse mesmo número da revista, pode-se encontrar na página 4, a seguinte nota:
II- Entrega à Sra. ITALIA FAUSTA e ao Sr. LEOPOLDO FROES dos diplomas que os proclamam os artistas mais populares no Brasil, em 1919, conforme o resultado do Concurso de Popularidade publicado no presente número. Fará a entrega a Sra. Iracema de Alencar, a jovem atriz afilhada desta revista, pois o seu nome teatral foi escolhido em um concurso realizado entre os leitores de "PALCOS E TELAS", e que é uma bella promessa do nosso teatro.
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