O arquiteto projeta o Museu de Arte Contemporânea de Niterói
Dizem as más línguas que o melhor de Niterói é sua vista do Rio de Janeiro. Até junho de 1992, uma construção no alto do niteroiense Mirante da Praia da Boa Viagem vai tornar ainda mais fáceis de se apreciar o Pão de Açúcar, o Aterro, a Praia de Botafogo, a Praia Vermelha e o Centro do Rio. A vista panorâmica da cidade maravilhosa, no entanto, vai ser apenas o mais comum dos atrativos de um ambicioso projeto concebido pelo prefeito de Niterói, Jorge Roberto da Silveira: construir no alto do mirante um museu, criado por Oscar Niemeyer, para abrigar a coleção de obras de arte do empresário João Sattamini, a segunda maior do Brasil.
O empresário João Sattamini estabeleceu com o prefeito Jorge Roberto da Silveira um contrato de comodato. As obras ficam cedidas à cidade até a morte do empresário, quando serão definitivamente doadas a Niterói. Enquanto for vivo, João Sattamini poderá ter de volta sua coleção caso verifique que não estão sendo observadas condições estabelecidas de conservação das obras. Para guardar as 600 peças de artistas como Hélio Oiticica, Antonio Iberê Camargo, Daniel Senise, Ligia Clark e outros representantes da arte nacional feita desde 1945, o prefeito decidiu construir o Museu de Arte Contemporânea de Niterói.
A convite de Jorge Roberto da Silveira, o arquiteto Oscar Niemeyer foi conhecer o terreno onde será construído o museu, encantou-se com o Mirante da Boa Viagem e aderiu ao projeto. "Um lugar assim não pode ter o chão ocupado. A ideia foi criar uma construção solta no ar", diz o arquiteto, que há duas se manas apresentou o projeto ao prefeito de Niterói. Comparado a um cálice, a uma flor e até ao restaurante panorâmico situado na estrada que liga o Rio de Janeiro a Petrópolis, o projeto de Oscar Niemeyer é inspirado, na verdade, em uma antiga experiência do arquiteto.
Convidado em 1955 para projetar o Museu de Caracas, na Venezuela, Niemeyer ficou um mês naquele país, mas frustrou-se. "Fiz o projeto, mas faltou dinheiro e o museu não foi construído", lamenta, antes de contar como adaptou a ideia antiga para o Museu de Arte Contemporânea de Niterói. "O projeto atual é a síntese da ideia que faço de como deve ser um museu, nessas condições, ou seja, instalado no alto de um mirante. Deve ter iluminação artificial perfeita, mas também respeitar o lugar excepcional onde vai ser construído", analisa o arquiteto.
A pirâmide invertida que seria construída em Caracas foi modernizada por Oscar Niemeyer. "Não queria repetir a solução usual de um cilindro sobre o outro, mas caminhar no sentido do Museu de Caracas, criando uma linha que subisse com curvas e retas do chão à cobertura", explica, em um texto de apresentação do projeto.
O projeto de Oscar Niemeyer prevê um salão de exposição com as fundamentais paredes para que quadros fiquem pendurados. A originalidade do arquiteto, no entanto, aparece em algumas soluções simples por ele encontradas. "Entre estas paredes haverá saídas para uma galeria externa que vai circundar o salão, integrando-o ao panorama magnífico do local", diz. No projeto também estão previstos um foyer, recepção, auditório, salas de trabalho, biblioteca, sanitários, e restaurante, além de uma área para depósito e conservação das obras.
"Há muito tempo alguém cometeu ali um crime ecológico aplainando o topo do morro. O mirante, desde então, virou um filé mignon imobiliário", brinca Ítalo Campofiorito, secretário municipal de Cultura de Niterói. Este terreno de primeira vai se transformar em um museu até junho de 1992, data do início da conferência ecológica Rio 92 e prazo para nove entre dez obras iniciadas pelos governos atuais.
"É um prazo político, não um prazo técnico, porque ainda não houve sequer concorrência para saber quem vai fazer a obra. Mas são os prazos políticos que funcionam", observa o secretário. "Fazendo uma frase de secretário, eu diria que Niterói está sendo palco de um renascimento cultural. Temos um mecenas, João Sattamini, um chefe de estado, Jorge Roberto da Silveira, e um arquiteto de renome", conclui Ítalo Campofiorito.
Pedro Tinoco para O Jornal do Brasil, em 21 de junho de 1991
O Mirante da Praia da Boa Viagem permite integrar o Museu à Paisagem.