Com a curadoria de Luiz Camillo Osorio, o Museu de Arete Contemporânea recebeu de 20 de maio a 26 de julho de 1998, o Projeto Especial 'Ocupações/descobrimentos', de Antonio Manuel e Artur Barrio.
Antonio Manuel e Artur Barrio foram convidados por Luiz Camillo Osorio, diretor da Divisão de Teoria e Pesquisa, para realizar um projeto especial para o MAC, por ocasião das comemorações antecipadas dos 500 anos do descobrimento do Brasil. Este foi o primeiro projeto que poderíamos chamar de "especial" para o MAC, isto é, concebido pelos artistas diretamente a partir do diálogo com a arquitetura do MAC e seus desafios. Nas palavras de Luiz Camillo Osorio, para a apresentação dessa mostra, o projeto de Antonio Manuel "(…) já foi feito pensando-o para a ‘varanda’ circular do museu. Em tese, trata-se de um lugar onde não se pode mostrar qualquer trabalho. Além de estreito e sem pé-direito, tem a competição desigual da estupenda baía de Guanabara com o Rio de Janeiro escancarado do outro lado (…)".
Antonio Manuel anuncia com precisão a sua ocupação da varanda com sete paredes que se interpõem ao passeio natural dos visitantes: "Como as ondas do corpo, são passagens abertas estrategicamente, tornando visíveis a curva, a onda, a reta, o rombo, o desejo". Dessa forma, o artista criou um circuito labiríntico da curiosidade como leitmotif, oferecendo uma alternativa à parada para a contemplação passiva da paisagem na varanda. Entre o movimento pelo desejo de saber atravessando simbolicamente paredes – obstáculos – e a comunhão com a "natureza" suspensa pelas molduras das janelas, o visitante é colocado diante de uma armadilha entre os desejos da razão – a curiosidade pelo saber – e a completa entrega à harmonia do belo natural.
Porém, o círculo da curiosidade leva ao nada, ao retorno ao início, deixando vários visitantes completamente perplexos, sem saber onde estava o objeto artístico. Ou o que eles estavam procurando como arte contemporânea. O que era aquilo?
A varanda não foi feita para exposições convencionais. Certamente, à primeira vista pode-se considerar aquele um lugar de trânsito, de atração e distração para a vista e repouso. Mas foi justamente a partir desses aspectos adversos aos formatos tradicionais de cubos brancos para exposições de quadros ou esculturas que Antonio Manuel inaugurou no MAC o espaço mais instigante para potencializar os principais conceitos da arte contemporânea, como sua ligação com as experimentações ambientais contextualizadas semanticamente a partir de lugares específicos de convivência (também chamadas de instalações e site specific). Primeiramente, essas manifestações artísticas constituíram um paradoxo para o acolhimento nos museus de arte contemporânea, como vimos na sua origem histórica nos anos 60; são reivindicadoras de novas bases estéticas e éticas.
Os conceitos ambientais são parte das mudanças paradigmáticas que caracterizam a passagem da arte moderna para a (pós-moderna) contemporânea, e ao mesmo tempo são manifestações artísticas críticas ligadas a posições antagônicas às instituições culturais predominantemente materialistas e burguesas. Daí, desde os anos 70, as mais radicais experimentações artísticas estão relacionadas à desmaterialização do objeto de arte, antimercado da arte e também antimuseu. No caso da varanda do MAC, podemos contrapor que a própria arquitetura aberta também promove um espaço antimuseu e antiobjeto. Nesse sentido, Antonio Manuel é inaugurador do entendimento da idéia de que estamos tratando.
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Seguindo a apresentação de Camillo, "(…) enquanto andávamos por aquela varanda nos primeiros dias, veio a idéia de um trabalho que se realizasse do mar em direção ao museu, aproveitando a tendência a ‘olhar para fora’ que domina o visitante (…) Antonio Manuel veio com o projeto definitivo: ergueria um grupo de paredes, jogando com (enfrentando) a sensualidade das linhas da arquitetura e com a sedução da paisagem".
Contraponto
Artur Barrio fez o contraponto à ocupação de Antonio Manuel: ao invés de se voltar para fora, transformava o salão principal do MAC em território noturno de transfigurações entre caverna e oceano dentro daquela arquitetura futurista. Ao visitante era oferecida uma atmosfera póvera (lembrando a Arte Póvera, vanguarda italiana dos anos 60) de trouxas e um forte cheiro de bacalhau – havia várias postas embrulhadas e dependuradas em um varal que cruzava a galeria.
Sobre o tapete verde foi espalhada uma camada de laca (asa de barata), e as luzes do círculo central foram apagadas, dissolvendo toda a arquitetura moderna em um espaço de transe e esvaziamento desequilibrante. Dois títulos indicam os caminhos de ambigüidade dessa instalação. Os aspectos autobiográficos estão presentes nas duas possibilidades de entradas no universo de sentidos existenciais motores de Barrio – na caverna, o "sonho de um arqueólogo", e no navegante solitário diante do oceano vazio, as "configurações noturnas e diurnas".
Barrio busca suas mais longínquas lembranças quando recupera o sonho de infância de ser arqueólogo. Mas, em paralelo, traz o jogo da passagem do tempo de contínuo movimento do sol para dentro da exposição, abrindo caminho para a penetração dos raios de luz diurna para dentro da caverna, pelo brilho da laca espalhada no tapete desde a entrada do salão. E, ainda, quanto mais forte o sol batesse na fachada do MAC, mais escura e cavernosa se tornava a entrada para o grande salão. Ao fundo, a única e fraca fonte de luz que atravessava o grande vazio, gerada por apenas uma lâmpada de 40 watts, salpicava alguns tímidos reflexos sobre o oceano de laca no tapete verde.
Esse antigo tapete verde também passou a ser percebido como fundo infinito, uma visão noturna do mar, outra forte imagem da vida de Barrio, navegador que chegou a viver em um barco. Ao sair do museu à noite, com a visão noturna da baía de Guanabara e algumas fracas luzes dos mastros dos barcos de pescadores refletidas no oceano negro, reconheciase a potência metafórica – de transporte existencial, da vida do artista no mar para o salão do MAC. O ambiente de luz e razão projetado por Niemeyer era agora todo transformado em uma atmosfera de transfigurações sensoriais, de imanência e flutuações metafísicas.
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Essas duas mostras colocaram os nossos visitantes diante de duas fortes manifestações artísticas contemporâneas, duas explorações poéticas do espaço e do vazio. Porém, os elementos precários utilizados por ambos – paredes de tijolos aparentes cruzando o percurso da varanda do Antonio Manuel e as trouxas de bacalhau da instalação do Barrio – sobre um imenso chão vazio coberto de brilhos fugazes camuflavam os sofisticados caminhos conceituais desses artistas – da metafísica de Barrio ao labirinto do desejo de Antonio Manuel. Certamente, tais apreciações, difíceis para um visitante desprevenido, colocam ainda mais em evidência o desafio comunicativo da arte contemporânea no MAC – um museu de todos os públicos. Vale registrar a inesquecível experiência de um grupo em tratamento psiquiátrico especial que vinha seguidamente visitar o museu.
Após entrar no escuro salão da instalação do Barrio, os pacientes, que vinham do forte sol da manhã, reagiram igualmente: assustados, foram atraídos automaticamente para a pequena luz na gambiarra ao fundo do salão. Diante da pergunta sobre o que achavam daquele ambiente, falaram da luz como manifestação simbólica da esperança na escuridão, e daí tomaram-na como expressão artística para a necessidade de Deus. Sim, para aquele grupo a obra estava aberta e atingiu uma leitura profunda do inconsciente, trazendo um universo infinito de projeções.
Ao mesmo tempo, sabemos o quanto essas duas montagens – projetos especiais – desafiaram o entendimento e provocaram frustrações na maior parte de nosso público. Mais uma história inesquecível merece ser registrada na nossa coleção de experiências. Em certo fim de semana, pude testemunhar
a seguinte cena. Um visitante de meia-idade, de porte atlético e vestido como tal, portando ainda 6. Ibid., p. 5, 7. um walkman e óculos escuros, penetrou decisivamente o primeiro andar de exposições do museu.
Na entrada do salão principal deparou com as luzes apagadas, as trouxas, o cordel e a gambiarra com a pequena lâmpada acesa ao fundo. Virou-se para a varanda, ainda no seu ritmo acelerado de atleta de fim de semana, caminhou até a primeira parede da instalação do Antonio Manuel, bloqueando a sua passagem; não percebendo o rombo, a marretada para o cruzamento, voltou para a entrada principal do salão e se dirigiu ao guarda junto à porta do salão. "Onde é o museu?", ele perguntou.
Aí está o mais desconcertante desafio deste museu. Quantos visitantes não saem frustrados, irritados, com a sensação de não poder participar das regras que promovem os jogos comunicativos, das metáforas, metalinguagens e metafísicas desses dois artistas e de vários outros? Onde é o museu? É uma pergunta tão correta quanto a do Nelson Leirner em 2005: por que museu?
Mas ao se pensar na importância dos projetos especiais para a função e a identidade do MAC, não fica dúvida de que eles alimentam um lugar do sonho, do desconhecido, da criação e do laboratório e abrigo do poético no mundo contemporâneo. As ocupações de Artur Barrio e Antonio Manuel são parte dos exercícios corajosos necessários para os descobrimentos de novos horizontes e perspectivas para o papel da arte e do museu no mundo contemporâneo. A origem e o destino do MAC (chamado por extenso: museu de arte contemporânea) é ser abrigo de transfigurações poéticas ligadas à vivência e à geografia de sentidos, para muitos ainda em estado de latência, e alcançar pela arte e percepção imaginativa as camadas semânticas que compõem a natureza deste lugar. Definitivamente a arquitetura do MAC foi tocada de forma profunda por esses dois artistas como território de confluência entre metafísica e metalinguagem, lugar de construções de metáforas expandidas para a leitura sensorial – corpo em movimento.
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A partir de então podemos melhor identificar a varanda não apenas como lugar para a contemplação passiva da paisagem, mas como o território de ocupações especiais para artistas contemporâneos. O museu de arte contemporânea é do tempo presente, da hegemonia do fluxo contínuo dos saberes integrados da nossa época sobre uma visão fixa das coisas isoladamente. Para cada ocupação especial o museu se ressignifica como arquitetura e geografia de sentidos que exige a leitura do espaço no tempo em movimento, pela vivência de cada visitante aprendiz de uma história que exige o resgate do corpo múltiplo sensorial, mas também da percepção intuitiva do intangível e da nostalgia do sublime.
O museu oferece ao artista um entre-lugar, interseção de fronteiras simbólicas da cultura e da natureza. O artista na varanda vai potencializar ao extremo, e não combater, essa divisão entre mundos e atitudes de apreciação e desvio da arte para o real, sem perder suas raízes na história universal da arte, que é também a do olhar para o novo. Os principais projetos especiais para a varanda foram seguindo essa atitude de uma escultura-caminho incorporando por completo a arquitetura circular transparente em suspensão sobre a paisagem.
Na mostra coletiva Panorama da arte brasileira (11/01 a 12/03/2000), Nelson Leirner trouxe sua procissão para os bancos da varanda de forma inesquecível. Colocando o Cristo crucificado diretamente no vidro da janela e diante dele a sua coleção do imaginário sagrado e profano, pintou a parede ao fundo de azul, batizou esta situação de "terra à vista", e da varanda do MAC os visitantes eram provocados a ver a entrada da baía de Guanabara como de dentro de uma caravela.
Antonio Manuel é um artista plástico , ilustrador e escultor português, nascido em 1947, na cidade de Avelãs de Caminho, em Portugal. Ainda criança, com seis anos de idade, chega ao Brasil, no ano de 1953. Em meados da década de 60 estudou na Escolinha de Arte do Brasil, com Augusto Rodrigues, e no ateliê de Ivan Serpa. Sua primeira exposição individual foi realizada em 1967, na Galeria Goeldi. No ano seguinte, no evento Apocalipopótese, organizado por Hélio Oiticica, criou as Urnas Quentes, obra que consistia em caixas de madeira com imagens e textos de jornal que deveriam ser quebradas pelo público. No 19º Salão Nacional de Arte Moderna, inscreveu o trabalho O Corpo é a Obra, que acabou recusado pelo júri. Em protesto, o artista desceu nu as escadas do MAM do Rio de Janeiro. Os jornais impressos sempre foram utilizados como suporte de seus trabalhos. Realizando interferências com tinta nanquim, Antonio costuma anular algumas notícias ou imagens acrescentando outras. Em outros trabalhos, utiliza o flan - cartão plastificado em relevo, que é a matriz para a impressão de jornais - e chega a elaborar os seus próprios flans para inventar notícias, que passam a ser distribuídos nas bancas, como se fossem jornais autênticos. No cinema, Antonio Manuel produziu vários filmes de curta metragem, entre eles Loucura e Cultura - premiado no 3º Festival de Curta-Metragem do Jornal do Brasil, em 1973 - e Semi-Ótica - prêmio de melhor filme Socioantropológico na 5ª Jornada Brasileira de Curta-Metragem de Salvador, em 1975. Em 1990, Rogério Sganzerla dirigiu o vídeo Anônimo e Incomum, sobre os trabalhos do artista.
Artur Alípio Barrio de Sousa Lopes é um artista multimídia e desenhista, nascido em 1945, na cidade de Porto, em Portugal. Em 1955, passa a viver no Rio de Janeiro. Começa a se dedicar à pintura em 1965 e, a partir de 1967, freqüenta a Escola Nacional de Belas Artes - Enba. Nesse período, realiza os "cadernos livres", com registros e anotações que se afastam das linguagens tradicionais. Em 1969, começa a criar as Situações: trabalhos de grande impacto, realizados com materiais orgânicos como lixo, papel higiênico, detritos humanos e carne putrefata (como as Trouxas Ensangüentadas), com os quais realiza intervenções no espaço urbano. No mesmo ano, escreve um manifesto no qual contesta as categorias tradicionais da arte e sua relação com o mercado, e a situação social e política na América Latina. Em 1970, na mostra Do Corpo à Terra, espalha as Trouxas Ensangüentadas em um rio em Belo Horizonte. Barrio documenta essas situações com o uso de fotografia, cadernos de artista e filmes Super-8. Cria também instalações e esculturas, nas quais emprega objetos cotidianos. Realiza constantes viagens, e reside também na África e na Europa - em Portugal, na França e na Holanda. Desde a metade da década de 1990, ocorrem várias publicações e exposições que procuram recuperar sua obra.
Antonio Manuel é um artista plástico , ilustrador e escultor português, nascido em 1947, na cidade de Avelãs de Caminho, em Portugal. Ainda criança, com seis anos de idade, chega ao Brasil, no ano de 1953. Em meados da década de 60 estudou na Escolinha de Arte do Brasil, com Augusto Rodrigues, e no ateliê de Ivan Serpa. Sua primeira exposição individual foi realizada em 1967, na Galeria Goeldi. No ano seguinte, no evento Apocalipopótese, organizado por Hélio Oiticica, criou as Urnas Quentes, obra que consistia em caixas de madeira com imagens e textos de jornal que deveriam ser quebradas pelo público. No 19º Salão Nacional de Arte Moderna, inscreveu o trabalho O Corpo é a Obra, que acabou recusado pelo júri. Em protesto, o artista desceu nu as escadas do MAM do Rio de Janeiro. Os jornais impressos sempre foram utilizados como suporte de seus trabalhos. Realizando interferências com tinta nanquim, Antonio costuma anular algumas notícias ou imagens acrescentando outras. Em outros trabalhos, utiliza o flan - cartão plastificado em relevo, que é a matriz para a impressão de jornais – e chega a elaborar os seus próprios flans para inventar notícias, que passam a ser distribuídos nas bancas, como se fossem jornais autênticos. No cinema, Antonio Manuel produziu vários filmes de curta metragem, entre eles Loucura e Cultura - premiado no 3º Festival de Curta-Metragem do Jornal do Brasil, em 1973 - e Semi-Ótica - prêmio de melhor filme Socioantropológico na 5ª Jornada Brasileira de Curta-Metragem de Salvador, em 1975. Em 1990, Rogério Sganzerla dirigiu o vídeo Anônimo e Incomum, sobre os trabalhos do artista.
Artur Alípio Barrio de Sousa Lopes é um artista multimídia e desenhista, nascido em 1945, na cidade de Porto, em Portugal. Em 1955, passa a viver no Rio de Janeiro. Começa a se dedicar à pintura em 1965 e, a partir de 1967, freqüenta a Escola Nacional de Belas Artes - Enba. Nesse período, realiza os "cadernos livres", com registros e anotações que se afastam das linguagens tradicionais. Em 1969, começa a criar as Situações: trabalhos de grande impacto, realizados com materiais orgânicos como lixo, papel higiênico, detritos humanos e carne putrefata (como as Trouxas Ensangüentadas), com os quais realiza intervenções no espaço urbano. No mesmo ano, escreve um manifesto no qual contesta as categorias tradicionais da arte e sua relação com o mercado, e a situação social e política na América Latina. Em 1970, na mostra Do Corpo à Terra, espalha as Trouxas Ensangüentadas em um rio em Belo Horizonte. Barrio documenta essas situações com o uso de fotografia, cadernos de artista e filmes Super-8. Cria também instalações e esculturas, nas quais emprega objetos cotidianos. Realiza constantes viagens, e reside também na África e na Europa - em Portugal, na França e na Holanda. Desde a metade da década de 1990, ocorrem várias publicações e exposições que procuram recuperar sua obra.
SERVIÇO
Projeto Especial 'Ocupações/descobrimentos', de Antonio Manuel e Artur Barrio
Curadoria: Luiz Camillo Osorio
Período: 20 de maio a 26 de julho de 1998
Museu de Arte Contemporânea - MAC
Endereço: Mirante da Boa Viagem, s/n – Niterói RJ
Informações: 21 2620 2400 / 2620 2481
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