A exposição reúne obras de artistas que buscaram a politização das artes plásticas como resistência ao regime militar [...] Rompia-se com os valores e comportamentos de uma sociedade que quebrara seu pacto com a democracia.

A década de 1960 ficou marcada como um período revolucionário em todo o mundo. Fase de muitas turbulências políticas e econômicas, que renderam grandes transformações, mudando o comportamento das pessoas, sobretudo das artes. No Brasil, não foi diferente. O Museu de Arte Contemporânea (MAC), de Niterói, retrata, a partir de 05 de junho de 2004, aquela época através da exposição "Os anos 60 na Coleção Sattamini", mostrando como provocaram uma reviravolta na cabeça dos artistas plásticos brasileiros.

A mostra apresenta cerca de 30 obras que traçam, segundo o curador Guilherme Bueno, um panorama dos acontecimentos do período na arte do País. Telas de Antonio Dias, Raymundo Colares, Rubens Gerchman, Nelson Lernier, José Roberto Aguilar, Anna Bella Geiger, Antonio Manuel, Arthur Barrio, Carlos Zílio, Maria do Carmo Secco, Wanda Pimentel vão trazer à tona as crises políticas geradas pelo golpe militar, o desejo dos jovens pelas liberdades de expressão e sexual, o crescimento das cidades e outros acontecimentos do mundo.

A mostra presta, ainda, uma homenagem ao início da coleção, que começou no ano de 1966, quando João Sattamini morava em Milão, na Itália. Nessa época a coleção teve, outrora, um perfil mais internacional. A mostra fica aberta à visitação até 29 de agosto.

A proximidade do artista Antônio Dias foi fundamental, àquela altura, para estimular o economista a se dedicar a arte e montar uma coleção. Guilherme Bueno enfatiza diálogos propostos na época pelo movimento conhecido como Nova Objetividade, a partir de enfrentamentos com a Pop Art norte-americana e o Nouveau Réalisme francês.

Bueno identificou que a politização da arte como tentativa de resistência ao regime militar, a absorção pela cultura 'erudita' de uma nascente cultura de massa local, a irreverência e a iconoclastia desmistificadora questionam o 'bom gosto' e a noção do belo.




Contexto histórico

A década de 1960 viveu uma reviravolta comparada ao ambiente progressista da década anterior. O turbulento contexto político brasileiro – que desaguaria no golpe militar de 1964 e nos subsequentes vinte anos de ditadura –, as agitações que inflamavam todo o planeta, a aceleração do processo de urbanização do país e a presença crescente de uma cultura de massa desafiavam a confiança irradiada pelos movimentos construtivos.

A juventude com suas aspirações de liberdade de expressão resolveu falar mais alto. O surgimento da pílula anticoncepcional trouxe a sonhada liberdade sexual para as mulheres. Mas elas queriam mais: igualdade de direitos e de salários. Sutiãs foram queimados em praça pública como símbolo da libertação feminina, por exemplo. E caiu por terra a figura do machão. Os direitos eram iguais para todos. Nada tinha que ser certinho. O novo look trazia cabelos longos, roupas coloridas para homens e mulheres, emoldurado pelo misticismo oriental e muita droga. Essas manifestações foram batizadas de Contracultura, uma busca pelo rompimento com o "sistema".

No Brasil isso significou a tomada de uma nova direção e o aprofundamento de questões lançadas na década anterior. A emergência da Pop Art norte-americana, com sua discussão entre arte e indústria cultural, deixara claro o impasse da ambição humanista e universalista que alimentou os programas construtivos. Aqui tais dilemas assumem outros matizes: uma politização crescente motivada pelas circunstâncias, a constatação das encruzilhadas de uma sociedade periférica inserida apenas parcialmente nesse novo contexto, a difícil relação com essa nova produção vinda dos EUA, na medida em que ela de um modo ou de outro simbolizava também o imperialismo.

Não houve propriamente uma Pop Art no Brasil. Os artistas vinculados ao que se convencionou chamar de Nova Figuração, depois transformada na Nova Objetividade Brasileira, explicitam os conflitos e as ambiguidades e indícios desse cenário de uma modernidade incompleta. Todas as grandes mostras e eventos das artes plásticas do período – as exposições Opinião 65, Opinião 66, "Nova objetividade brasileira" (na qual, inclusive, germinaria o tropicalismo), Propostas 65, a Bienal de 1967, as edições da mostra Jovem arte contemporânea, a efêmera Galeria Rex (criada pelos artistas Nelson Leirner, José Resende, Geraldo de Barros, Wesley Duke Lee, Carlos Fajardo e Luiz Paulo Baravelli com o propósito de criar alternativas no mercado de arte), o evento Propostas 66, o Salão da Bússola, afirmam uma posição questionadora. As linguagens artísticas, a obra, sua "função" e sua relação com o espectador, tudo era recolocado em jogo. Antônio Dias, Antônio Manuel, Rubens Gerchman, Roberto Magalhães, Cildo Meireles, Raymundo Colares e Artur Barrio são alguns que emergiram no momento.

Outros artistas surgidos nos anos 1950, como Hélio Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pape e Waldemar Cordeiro, desdobraram seus percursos. As questões da cor, da participação do espectador, da capacidade comunicativa da obra e do poder da imagem foram examinadas para além do caráter "especulativo" que as guiaram nos anos 50. É como se ocorresse uma inversão: enquanto os anos 50 tentaram ingressar a cultura avançada e "erudita" no âmbito das massas, agora seriam os elementos da cultura "baixa" (note-se, não é aquela popular folclórica, mas a irradiada pelos meios de comunicação) que informam o artista. Rompia-se com os valores e comportamentos de uma sociedade que quebrara seu pacto com a democracia.

A violência revelada na obra de Antônio Manuel não era atenuada: era aquela noticiada nos jornais; Gerchman mostrava os sonhos banais vendidos, o dia a dia massacrante de ônibus lotados e o mistério dos desaparecidos. Antônio Dias mesclava a dimensão de vivências pessoais com a visualidade direta, onipresente e comum dos quadrinhos. A noção de objeto correspondia àquilo que não se encaixava mais em categorias tradicionais da arte; pintura, escultura e instalação simultaneamente, por exemplo.

As ideias de ação e experimentação constituiriam as palavras de ordem. Porém, se elas ainda conseguiam encontrar força na primeira metade da década, certo otimismo do "poder jovem", logo em seguida viveram as tensões do recrudescimento da censura e da opressão cada vez mais agudas.


Serviço

"Os Anos 60 na Coleção João Sattamini"
Curadoria: Guilherme Bueno
Abertura: 4 de setembro de 2004
Visitação: 4 de setembro a 7 de novembro de 2004

Museu de Arte Contemporânea - MAC - Mezanino
Endereço: Mirante da Boa Viagem, s/n – Niterói RJ
Informações: 21 2620 2400 / 2620 2481
www.macniteroi.com.br


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Publicado em 30/08/2023

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