Dando continuidade aos seus projetos culturais 2013, o Museu de Arte Contemporânea de Niterói apresenta na terça-feira, 24 de setembro de 2013, às 18h, a segunda edição do projeto "Artistas brasileiros - Monografias de Bolso", uma coleção de quatro volumes homenageando quatro grandes nomes da arte contemporânea do país, que tiveram marcante presença na cena carioca entre os anos 50 e 80.
Anna Bella Geiger – única artista viva a ser homenageada – (por Guilherme Bueno), Ivan Serpa (por Gabriela Motta), Jorge Guinle (por Tatiana Martins) e Raymundo Colares (por Guy Amado), terão suas trajetórias retratadas em livros, que contam também com imagens de suas principais obras.
Coordenado por Guilherme Bueno, os livros virtuais, com versões em português e inglês, ficarão disponíveis para download, no site do MAC de Niterói.
O evento contará com a presença de Guilherme Vergara, diretor do MAC, e de Guilherme Bueno e Tatiana Martins, autores de dois dos quatros livros. Após o encontro, a Fundação de Arte de Niterói oferecerá um coquetel na recepção do museu para comemorar o lançamento da coleção.
O projeto "Artistas Brasileiros – Monografias de Bolso" faz parte do edital de Artes Visuais da Secretaria de Estado de Cultura – dentro do pacote de 41 editais lançado em agosto de 2011 –, com a finalidade de incentivar a criação artística, bem como a integração cultural, a pesquisa de novas linguagens, a formação e o aprimoramento de pessoal de sua área de atuação.
"Desde o 2000, o MAC publicava pequenos catálogos dedicados às suas exposições, a maioria deles voltados para artistas de suas coleções (MAC e João Sattamini). Baseado nessa experiência, resolvemos continuar transformando o conjunto numa coleção exclusivamente focada nos artistas do acervo (o que permitiria com o tempo o seu registro amplo). Outros princípios estabelecidos foram o convite a novos críticos para escrever um texto inédito e acrescentar referências para pesquisa - assim como rotineiramente o museu apóia o surgimento de novos artistas, a iniciativa seria uma forma dele também participar da emergência de uma nova geração de pensadores. Nesta nova leva, privilegiou-se artistas marcantes do Rio de Janeiro. Vale acrescentar que todos os livros, pensados para circular o máximo possível, além de doados para bibliotecas, ficam disponíveis para download gratuito no site do museu", explica Guilherme Bueno, coordenador do projeto.
Um pouco mais sobre os artistas homenageados:
Anna Bella Geiger (obras na coleção João Sattamini), por Guilherme Bueno:
"A obra de Anna Bella Geiger conta, há pelo menos três décadas, com o reconhecimento de seu papel imprescindível e, poderíamos acrescentar, único dentro da arte contemporânea brasileira. A artista inicia sua trajetória na década de 1950, explorando elementos derivados do expressionismo e das investidas pós-cubistas, ainda vacilantes entre figuração e abstração (o que, em certa medida, vinha de sua formação com a gravadora Fayga Ostrower).
A partir dessa fronteira com a abstração, Anna Bella acentua uma posição independente daqueles três modelos que predominavam no meio artístico brasileiro então: as frentes antagônicas do concretismo (e, depois, neoconcretismo) e do informalismo e uma última remanescente da geração modernista dos anos 1930 e 1940, ainda tributária da Escola de Paris. Este quadro, mesmo sintético, evidencia, portanto, que sua obra convive, desde o início, com um cenário no qual o entendimento do que seria arte mostrou-se instável, em contínua transformação – algo testemunhável desde a emergência da modernidade.
O caso de Anna Bella, se não é exclusivo na história da arte brasileira, é indiscutivelmente significativo para nos atentar para a complexidade de nossa mudança de uma cena moderna para outra contemporânea fora daquelas frentes tidas como hegemônicas. E, igualmente, para ampliar o horizonte a partir do qual se traçam os percursos da arte contemporânea brasileira. Constata-se, em seu trabalho, esta particularidade de abranger desde as investidas herdadas da primeira metade do século XX, passando por situações diferentes de pós-modernidade: uma primeira ainda quase edipianamente vinculada (mesmo que por negação) ao declínio de nossa primeira leva de arte abstrata, passando por aquela outra na qual a urgência solicita um comprometimento político e iconoclasta, chegando, se nos é permitido o termo, a uma contemporaneidade ‘madura’, dito de outra maneira, a um pertencimento integral e emancipado ao território que identificamos como absolutamente contemporâneo, não mais indexado a desconstruir os dilemas modernistas..."
Ivan Serpa, por Gabriela Motta:
"Ivan Serpa (1923-1973) viveu pouco, 50 anos, mas marcou definitivamente a arte brasileira. Ele não só produziu intensamente durante 25 anos, como também participou das principais exposições e dos movimentos incontornáveis desse período. Já na primeira Bienal Internacional de Arte de São Paulo, em 1951, recebeu o prêmio de Aquisição Jovem Pintor. Esta não foi a única láurea: Max Bill, o grande vencedor daquela bienal com a obra ícone "Unidade tripartida" e um dos principais nomes da arte concreta, visitou o atelier de Serpa em sua passagem pelo país. Nada que tenha impressionado Ivan mais do que seu contato com os artistas do Engenho de Dentro, grupo de internos do Hospital Psiquiátrico Pedro II, coordenado pela Dra. Nise da Silveira. É assim, entre as referências de um suíço e de artistas mais que diletantes, que a obra de Ivan pede para ser vista. ‘Eu só posso pintar o que sinto’, dizia o artista, um dos principais nomes do que se entende por arte concreta. Não há contradição alguma entre a afirmação de Serpa e toda sua produção plástica. Esta frase, dita por Ivan quando questionado sobre a iminência figurativa em suas telas, se aplica ao conjunto de sua obra.
Vera Siqueira afirma, inclusive, que ‘mesmo em sua fase concretista, Serpa não busca uma estratégia formal única e sim uma simplificação da linguagem que não lhe retire o sentido de poesia e espontaneidade’. Essa poesia e espontaneidade, que ele via especialmente na arte de esquizofrênicos e de crianças, é algo aparente em outra faceta do artista: a do professor. Durante quase duas décadas, Serpa deu aulas de pintura para crianças e adultos no MAM/RJ, ensinando sempre seus alunos a encontrarem suas próprias respostas. Foi ele inclusive que, em 1951, criou o primeiro curso livre de arte desse museu, ainda na sede provisória da instituição. A biografia de Serpa permeia o entendimento da sua obra e é constante a referência de que Ivan produzia de portas abertas, rádio ligado, filhos passando, esposa, alunos e amigos circulando pelo seu atelier. Todos esses homens – artista, pai, professor, esposo, cidadão – estavam atrás das telas e das ideias, infligindo rigor nas suas obras mais expressivas e sentimento e cadência naquelas mais estruturadas na forma..."
Jorge Guinle (por Tatiana Martins):
"Jorge Guinle Filho escolhe fazer do ato de pintar – em todas suas implicações – sua vida. Pintor que descobre primeiramente relação íntima e privada com seu ofício para, em seguida, compreender o pintar numa dimensão pública. No final da década de 1970, já é visível a via combativa da arte brasileira em consonância com os ‘anos de chumbo’ vividos em nossa política e sociedade. Em arte, articula-se alguma multiplicidade, mas oscilando linearmente entre os seguintes modos: experimentalismo-conceitualismos e as várias inserções das imagens – de abstratas a índices, de caráter fragmentário a mensagem.
Os artistas da década de 1970 que conseguem pulverizar um circuito fechado, o fazem mediante táticas de combate. Assim, cabe combinação entre trabalho mental e espontaneidade para a recondução do objeto artístico, apto então a transitar por outros discursos e elaborar outros procedimentos. Nos anos 1980, pode-se afiançar pouca mudança em relação ao circuito artístico brasileiro: os artistas se deparam com sistemas pouco consolidados. Mas, não há como desconsiderar os indícios da consolidação do meio artístico ainda que levados por esforços individuais ou instituições precariamente idealizadas.
O experimentalismo dos anos 1970 traz, por um lado, a diluição da noção tradicional de objeto de arte, por outro, evidencia certo hermetismo, característico dos traços conceituais das linguagens poéticas. A produção de Jorge Guinle assume a positividade do encontro (feliz) entre sua experiência com a pintura e as poéticas que se articulam a partir de um campo híbrido de arte. Levando-se em consideração, então, a heterogeneidade das linguagens artísticas – que simula e pratica o retorno à pintura nos anos 1980 –, pergunta- -se pelo lugar da pintura de Jorge Guinle. Na contemporaneidade, que se esboça entre nós desde o neoconcretismo, a virada para a década de 1980 destaca notas mais pungentes: arte e dimensão pública. E, nesta situação, entre o forte desejo pela pintura e o trânsito por diferentes circuitos artísticos – presente desde a infância do artista vivida entre Paris e Nova York – e os nossos conceitualismo e experimentalismo, Jorge Guinle opta por ser pintor..."
Raymundo Colares (por Guy Amado):
"...A questão é que, num cenário opressivo como o daqueles tempos, marcado pelos ditames do regime militar, alusões ao referencial norte-americano – ainda que se tratando em última análise de uma produção de viés crítico, como era a arte Pop – despertavam forte resistência no meio artístico e cultural como um todo. É nesse contexto que Raymundo Colares surge como um discreto bólide no meio artístico brasileiro, promovendo com sua produção singular um verdadeiro curto-circuito de influências e filiações estilísticas pouco ortodoxas, aliadas a um apurado senso compositivo e a uma extrema originalidade. Pode-se dizer que sua fatura tangenciava a problemática acima comentada, em suas feições pop-construtivas de inspiração urbana, ritmos dinâmicos e cromatismo industrial intenso.
Oriundo da pequena Montes Claros (MG), instala-se no Rio de Janeiro em 1965, onde vem para estudar Arte, dando vazão à vocação recém-confirmada, após desistir de cursar Engenharia Civil. Entre uma passagem pela Escola Nacional de Belas Artes e a frequência ao prestigiado curso livre de Ivan Serpa no MAM-RJ, faz amizade, dentre outros, com Antonio Dias e Hélio Oiticica e assimila os encantos – e, posteriormente, os desencantos – do mundo de possibilidades oferecido pela metrópole, destacando-se com rapidez no cenário carioca e nacional. É uma trajetória meteórica: no curto espaço de quatro anos (1967-1970), o recém-chegado à cidade grande participa de uma dúzia de exposições, dentre salões e galerias, tendo sua primeira mostra individual realizada em 1969; ganha ainda diversos prêmios no mesmo período, sendo os dois últimos decisivos para sua opção de viver cerca de dois anos no exterior (EUA e Itália), em 1971-73.
A experiência intensa da urbanidade, com suas velocidades múltiplas e ritmos visuais próprios, será decisiva na eleição de seu objeto-chave na atividade pictórica: o ônibus. É a partir do fascínio que desenvolve pelas carrocerias metálicas prateadas e coloridas em trânsito, tão presentes em seu cotidiano, que Colares irá estabelecer aquele que será seu leitmotiv, sua produção mais característica e principal corpo de obras. Interessa-se obsessivamente pelas possibilidades de decomposição dos planos que extraía dos motivos nas carrocerias, buscando a síntese visual de um dinamismo residual ali inevitavelmente contido. O que, em leitura expandida, poderia ser interpretado como uma pulsão incontida em apreender e traduzir visualmente as velocidades múltiplas que impulsionam cada fragmento da própria experiência da vida acelerada na metrópole, fato tão determinante no percurso poético do artista..."
Mais sobre os autores dos livros:
Guilherme Bueno
Possui graduação em Pintura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1998), mestrado em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2001) e doutorado em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2005). Foi membro da equipe editorial da revista Arte & Ensaio (UFRJ) e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em História da Arte, atuando principalmente nos seguintes temas: arte contemporânea - Brasil, história da arte, arte contemporânea, arte moderna - historiografia, arte-moderna - teorias, formalismo.
Gabriela Motta
Gaúcha de Pelotas, Gabriela concluiu em 1994, na cidade de São Leopoldo, o curso de publicidade e propaganda na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Em 2004, foi curadora da mostra Contemporão, realizada em Porto Alegre. No ano de 2005, na mesma cidade, obteve o título de mestre em artes visuais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em 2006, conquistou o prêmio Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural de Porto Alegre. Nesse mesmo ano, realizou a curadoria das mostras Câmara Rasgada e Conjunto (1) e (2). Em 2007, publicou o livro Entre Olhares e Leituras: Uma Abordagem da Bienal do Mercosul (Editora Zouk). Vive e trabalha na capital gaúcha.
Tatiana da Costa Martins
Doutora em História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, na linha de pesquisa de História da Arte e Arquitetura (2009), com especialização em História da Arte e Arquitetura no Brasil (1999) e mestrado em História Social da Cultura pela mesma instituição (2002). Graduada em Museologia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (1997), Tem experiência na área de história, teoria e crítica da arte, estética e museologia (patrimônio, conservação e restauração).
Guy Amado
Doutorando em Arte Contemporânea pela Universidade de Coimbra, de Portugal. Em 2006, formou-se mestre em História e Teoria da Arte pela Escola Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e, em 1995, graduou-se em Artes Plásticas pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap). Atua na área de Artes, com ênfase em crítica de arte. É pesquisador em arte contemporânea e curador independente.
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