"Saibam quanto este instrumento de Carta de Sesmaria virem, que no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1568 annos, aos dezesseis dias do mez de março do dito anno, n'esta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, terra d'esta costa do Brazil, em a pousada de mim tabelião abaixo nomeado, appareceu Martim Affonso, índio do gentio d'esta terra, e me apresentou uma petição, com um despacho n'ella, do Sr. Governador Mem de Sá, do concelho de el-rei nosso senhor e capitão da cidade do Salvador da Bahia de Todos os Santos, e governador geral de todas as capitanias e terras de todas estas costas do Brasil, pelo dito senhor, etc, da qual petição o traslado é o seguinte:

Petição

"Senhor - Diz Martim Affonso de Souza, homem nobre e dos principaes homens de genero terminimós, que mandando el-rei nosso senhor Estácio de Sá, que Deos tem, por capitão de sua armada, a conquistar e povoar este Rio de Janeiro, que elle dito Estácio de Sá veio ter á Capitania do Espírito Santo, aonde elle supplicante e morador, e elle dito Estácio de Sá, com o ouvidor Braz Fragozo, fallaram a elle supplicante quizesse vir em sua companhia servir a el-rei nosso senhor em ajudar a povoar este Rio de Janeiro, porquanto os gentíos d'elle estavam em guerra e tinham em seu favor os Francezes contra o estado real de Portugal, no que sua alteza era muito desservido, e que elle dito capitão Estácio de Sá dezejava repellir e castigar os contrários Francezes, que n'este rio estavam, pelo qual pedia a elle supplicante que folgasse de vir na dita armada e n'esta companhia para favorecer e ajudar na dita empreza, e que elle supplicante muito folgou fazer, e veio em sua companhia, e trouxe muita gente sua de peleja, muitas armas e mantimentos, e ajudou a conquistar os inimigos e a povoar, e mandou sempre vir de sua terra muitos mantimentos e arma e gente, por lhe na guerra ser muita gente morta e diminuída, a elle supplicante fizeram muito mal, e porque estava muito dispeso e gastado, pediu licença a V.S. para sair com sua gente e repousar dos trabalhos pesados, por haver quatro annos que andava n'esta conquista, e por V.S. lhe foi pedido ao supplicante que folgasse de ficar na terra com a sua gente para favorecer e ajudar a povoar, por ser el-rei nosso senhor a quem muito fazia serviço, e porque elle supplicante de faze-lo por lhe V.S. mandar, quer trazer sua mulher e muita gente que tem.

Pede a V.S. lhe faça mercê de umas terras, que estão da banda de além, que foram de Antônio de Marins e estão defronte d'esta cidade, a saber: desde a Barreira Vermelha ao longo da água salgada, pelo rio acima, caminho do norte, e do nordeste uma légua, para que na dita terra faça seus lugares e fazendas.

No que receberá mercê. E tudo visto pelo dito sr. governador a petição do supplicante Martim Affonso de Souza, e o que lhe pedia, visto ser justo, e havendo respeito o proveito que se pode seguir a serje da república, e ao serviço de Deos e ao el-rei nosso senhor, e para a terra se povoar deu ao dito Martim Affonso uma légua de terra ao longo do mar e duas léguas para o sertão, as quaes tinha dado a Antônio Marins assim e da man que a tinha dado, aonde pede para se aposentar na dita terra e fazer sua fazenda, por as ditas terras estarem ainda em matos maninhos e por aproveitar as quaes terras estão no dito lugar, e tem a dita medida e partem pelas ditas confronta, como em sua petição diz, e a braça porque se medirem será braça vraveira, a saber: duas varas de medir por uma, como no reino se costuma medir, o que tudo lhe deu e concedeu na maneira abaixo declarada, segundo a forma de seu regimento, de que o traslado é o seguinte despacho do sr. governador:

Dou a Martim Affonso uma légua de terra ao longo do mar e duas léguas para o sertão que tinha dado a Antônio Marins, assim e da maneira que as tinha dado e com as condições de sua renunciação, hoje 16 de março de 1568 annos.

Traslado do regimento do Sr. governador

As terras e aguas das ribeiras que estiverem dentro do termo e limites da mesma cidade, que são seis leguas para cada parte que não forem já dadas a pessoas que as aproveitem, e estiverem em vaga e devolutas, para mim, e por qualquer via ou modo que seja, podereis dar de sesmaria ás pessoas que vo-las pedirem, as quaes terras assim dareis livremente sem outro algum foro nem tributo, sómente o dizimo à ordem de nosso senhor Jesus Christo, com as condições e obrigações do foral dado ás ditas terras da minha ordenação do quarto livro, titulo da sesmaria, com tal condição que a tal pessoa, ou pessoas, residam na povoação da dita bahia, ou nas terras que assim The forem dadas, ao menos tres annos, e que dentro do dito tempo as não possam vender nem alienar, e tereis lembrança que não deis a cada pessoa mais terra que aquella que verdes ou vos parecer que segundo sua possibilidade póde aproveitar: e si algumas pessoas o quem forem dadas terras no dito termo e as tiverem perdidas por as não aproveitarem, e vo-las tornarem a pedir, vós lh'as dareis do novo para as aproveitarem com as condições e obrigações conteúdas n'esto capitulo, o qual se trasladará nas cartas das ditas sesmarias.

Com as quaes condições e obrigações e declarações lhe assim dou as ditas terras ao dito Martim Affonso pela sobredita maneira com tal condição que elle resida em esta cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro, ou em seu termo, ao menos os ditos tres annos em meu regimento declarados; e assim hei por bem que posto, e que o dito meu regimento não diga nem falle em esta cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro, hei, por serviço de el-rei nosso senhor, que esta carta tenha toda a força e vigor como tem as que se fazem na cidade de S. Salvador da Bahia de Todos os Sanctos, porque assim o hei por bem serviço do dito senhor, como dito é, e para sua guarda do dito supplicante Martim Affonso lhe mandou o dito Sr. governador ser feita esta carta pela qual manda que elle haja a posse e senhorio das ditas terras para sempre para elle e para todos os seus herdeiros e successores ascendentes ou descendentes que após d'elles vierem, e com tal condição e entendimento que elle rompa e aproveite as ditas terras e as fortifique da data d'esta em tres annos primeiros seguintes.

E outrosim fará de maneira que dentro em quatro mezes tenha feito n'ellas algum proveito e plantado alguns mantimentos. E como forem cumpridos os ditos tres annos que as tenha aproveitado como dito é, porque não o fazendo elle assim passados os ditos tres annos, que aproveitado não tiverem, se dará de sesmaria a quem as pedir para aproveitar, lhes será deixado logradouros do que aproveitado não tiver, sobre tudo pagará 1$ rs para as obras do conselho e dará por ellas caminhos e serventias ordenadas e necessarias ao conselho para fontes e pontes, viveiros de pedras que necessarios forem, as quaes terras pela sobredita maneira lhe dava fôros e isentam sem fôro nem tributo somente de tudo o que lhe nosso Senhor der n'ellas de suas novidades e lavouras e criações pagará o dizimo a Deos conforme o regimento; o que tudo manda que se conserve e guarde sem duvida nem embargo que lhe seja posto, e que esta carta seja registrada dentro em um anno nos livros da fazenda, como o dito senhor em seu regimento manda sob as penas em ella conteúda.

E porque o dito supplicante Martim Affonso prometteu de ter, manter e cumprir pela sobredita maneira, lhe mandou passar esta carta de sesmaria, e por verdade eu, Pedro da Costa, tabellião das notas e escrivão das sesmarias por el-rei nosso senhor, em esta cidade de S. Sebastião e seus termos, que este instrumento de carta de sesmaria escrevi. - Men de Sá - E não se continha mais cousa alguma em a dita carta de sesmaria a que me reporto em o theor da qual en dito labellião e escrivão das mesmas, Antonio Teixeira de Carvalho, fiz passar a presente certidão que a subscrevi e assignei.- Antonio Teixeira de Carvalho.

(MEMÓRIA HISTÓRICA E DOCUMENTADA DAS ALDEIAS DE ÍNDIOS DA PROVÍNCIA DO RIO DE JANEIRO, ps. 275/281 - Joaquim Norberto de Souza Silva. Rev. Ins. Hist. Geográfico v. 17, série 3, nº 14, 2º trimestre - Ano 1854, apud COSTA ABREU, Antonio Izaias, MUNICÍPIOS E TOPÔNIMOS FLUMINENSES, Imprensa Oficial do Rio de Janeiro, 1994 - transcrição literal, mantendo a grafia da época)


ÍNDICE

Principal
Escritura de renúncia de terras
Carta de Sesmaria de Martim Affonso de Souza - Arariboia
Auto da Posse da Sesmaria
Pronunciamento da Mesa do Desembargador do Paço
Representação do Ouvidor da Comarca
Parecer do Desembargador
Despacho de Dom João VI
Alvará de Criação da Vila
Bandeira e Brasão
Carta de Lei Nº 2
Carta de Lei Nº 6
Decreto nº 93
Resolução da Mesa








Publicado em 14/08/2013

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Carta de Lei Nº 2 de 1835 Leia mais ...
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Escritura de Renúncia de Terras Leia mais ...
Auto da Posse da Sesmaria em 1573 Leia mais ...
Alvará de Criação da Vila em 1819 Leia mais ...