por Monsenhor Antônio Macedo (1977)
O contorno da Baía de Guanabara, desde Jurujuba até o começo da estrada Fróes, forma um dos recantos mais aprazíveis de Niterói, no cenário das suas praias, com vivendas magnificas dependuradas nas montanhas, pelos seus barquinhos e pela placidez das suas águas orlando ruas bem planejadas.
O bairro de São Francisco é dos que mais crescem em Niterói. No cimo do outeiro, a Igrejinha de São Francisco Xavier, acalentada pela brisa do mar acompanhada da sinfonia do marulhar das águas marinhas. E um oásis de paz e felicidade espiritual. O pequeno templo, erguido em honra do grande apóstolo das Índias, é uma das maiores glórias da Companhia de Jesus.
A Igreja foi construída poucos anos depois da canonização de São Francisco Xavier, efetivada pelo Papa Gregório XV, no dia 12 de março de 1622.
Existe uma tradição de que a Igreja foi construída pelo Padre José de Anchieta. Entretanto, este faleceu no dia 9 de junho de 1597, anos antes da canonização de São Francisco Xavier. Nenhum historiador registra a presença de Anchieta em Niterói, naquela época. Na data que lhe é atribuída a construção da Igreja - 1572 - ele era o Diretor do Colégio de São Vicente (Vide H.C.J.B. 13, pág. 482 do Livro II), cargo que ocupou durante sete anos. Diz Joaquim Tomaz, a fls. 115 do seu livro "Anchieta": "Anchieta partiu do Rio em 1569 para a Reitoria de São Vicente, que exerceu até 1578".
Jorge de Lima, em "Anchieta", 4ª edição, fls. 192, afirma: "José de Anchieta ficou com Nóbrega no Rio até quando o mandaram, em 1569, parar sete anos em São Vicente, governando a casa". Em sua H.C.J.B., o Padre Serafim, no Livro VI. fls 112, anota: "A Fazenda do Saco, em Jurujuba, nunca teve vida autônoma, era simples dependência rural do Colégio do Rio, de caráter rural ou então florestal, de serradores e lenhadores, que em 1757 eram 55, cortavam madeira e abasteciam de combustível a cozinha do Colégio". Mais adiante, anota ainda o Padre Serafim, a fl. 138, do Vol. VIII de sua obra: "O Padre Antônio Cardoso, nascido em 1669 e falecido no Rio de Janeiro em 15 de setembro de 1750. tem o seu nome gravado no Peão das terras do Saco de São Francisco". Também são de Serafim Leite, a fls. 109 do Vol. VI. as seguintes anotações. "A Aldeia de São Lourenço, em 1586, perto da cidade, aparece como Aldeia de visita, onde os Padres do Colégio iam aos domingos, semana sim, semana não, celebrar Missa e administrar os sacramentos".
E os Padres de São Francisco Xavier do Saco?... Por que os historiadores não mencionam sua existência nessa época? Certamente porque não existiam duas comunidades dos Jesuítas, nem os sítios São Lourenço e Saco. Existiam, sim, São Lourenço e Rio.
Câmara Cascudo, dos maiores historiadores do Brasil da atualidade, em carta dirigida ao Comendador Thadeu Villar de Lemos, afirma: "Padre Serafim Leite é a maior autoridade sobre a Companhia de Jesus. O Monsenhor Macedo está com a razão, A Igreja de São Francisco Xavier não tem quatrocentos anos".
No ano de 1577, Anchieta foi nomeado Provincial e visitou todas as residências dos Jesuítas já existentes no Brasil. Provavelmente, visitou a residência dos Padres no Morro de São Lourenço, no ano de 1583, quando Provincial, e nessa oportunidade permitiu que os índios comungassem, pois, até então, eles se confessavam, porém não recebiam sagrada comunhão. Se essa deliberação não foi tomada nessa ocasião, pode ter sido quando da representação do Auto, em honra de São Lourenço, em 1586.
Não poderia existir uma Igreja em honra de São Francisco Xavier antes da sua canonização.
A Igrejinha, segundo Padre Serafim Leite, Monsenhor Pizzarro, Mattoso Maia Forte e outros, foi construída um pouco antes de 1696, de acordo com a inscrição gravada no armário da sacristia - 1696.
A inscrição gravada no sino, com a data de 1583, não tem poder de prova. Pode-se adquirir um sino antigo e colocá-lo na torre de uma Igreja, motivando, séculos depois, a afirmativa de que a construção do templo foi feita na data gravada no sino. A inscrição gravada no armário também não constitui prova. São provas reais, fundamentais: a canonização do Santo e a permanência de Anchieta de 1569 a 1576, em São Vicente, como Diretor do Colégio.
A Igreja foi construída depois de 1622, possivelmente pelos Jesuítas, tendo-se em vista que o seu estilo é barroco-jesuítico, no outeiro da antiga Fazenda que eles possuíam no Saco de Jurujuba, que, depois da construção da Igreja, passou a ser chamado Saco de São Francisco.
Anchieta não foi também Diretor do Colégio, no Morro do Castelo, no Rio de Janeiro. No ano de 1567, o Padre Manoel da Nóbrega assumiu a direção da residência e iniciou a construção do Colégio. Faleceu, no entanto, no dia 18 de outubro de 1570. Assumiu a direção da residência e a construção do Colégio, o Padre Gonçalo de Oliveira, Procurador da Companhia, até o ano de 1572. O Provincial Inácio Tolosa resolveu nomear, em 1573, Diretor do Colégio, o Padre Anchieta, mas desistiu do seu intento, ordenando que ele regressasse para São Vicente, onde se encontrava desde 1569. (Vide Padre Serafim Leite, Vol. 1°. fls. 400). Foi nomeado, então, Diretor do Colégio, em 1573, o Padre Braz Lourenço.
No ano de 1758 criaram a Paróquia do Morro de São Lourenço. No dia 3 de maio de 1758, o Padre Manoel de Araújo, superior, entregou a administração da Igreja ao Pároco nomeado, Padre Manoel Luiz Ribeiro, que foi residir com os seus companheiros na Igreja de São Francisco Xavier, no Saco, onde permaneceu dezoito meses.
Extinta a Companhia de Jesus e confiscados os seus bens, em 1759, a Fazenda e a Igreja, vendidas em hasta pública, passaram a vários donos. Um deles foi o Major Luiz José de Menezes Fróes, que mais tarde, por escritura datada de outubro de 1869, os vendeu ao Governo Provincial, que ficou com a Capela, seus utensílios e alfaias, o terreno para o Paço da Igreja, casa residencial, o terreno onde foi construído o Cemitério, e quarenta braças de marinha.
Quando foi proclamada a República, separada a Igreja do Estado, o Governador Francisco Portella, por Portaria de 8 de maio de 1891, mandou entregar à respectiva autoridade eclesiástica a Igreja com todo o seu património, isto é, a Igreja, a casa residencial, o terreno do Paço da Igreja e o terreno de marinha, em cumprimento ao Art. 72 5 3º. da Constituição Federal de 1891.
Essa situação jurídica permaneceu com a Igreja na posse dos seus bens, até 22 de abril de 1922, quando o Secretário-Geral do Estado do Rio de Janeiro abriu concorrência para arrendamento do terreno situado no Fundo da Igreja do Saco, com uma área de 10.690 metros quadrados, medição que corresponde exatamente à medição do terreno de propriedade da Mitra, de acordo com a planta mandada levantar por ordem da Diretoria da Fazenda da então Província, pelo Engenheiro de 2ª classe João Maximiniano da Silva Gurjão, e que ficou considerada como fazendo parte da escritura de venda lavrada a 9 de outubro de 1869, nas Notas do 3º Oficio da Comarca de Niterói.
O Bispo da Diocese, Dom Agostinho Bonassi, intentou um interdito proibitório contra o Estado, do qual resultou, em 1927, um acordo entre o Estado do Rio de Janeiro e a Mitra de Niterói, constante de escritura pública no Cartório do Tabelião Ananias, datada de 25 de outubro de 1927 (Livro 69, fls. 70), pela qual ficou reconhecido o direito e propriedade da Mitra sobre os mencionados bens.
Até o ano de 1913. a Igreja de São Francisco Xavier era considerada filial da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Jurujuba, sendo seu Vigário o Padre Odorico Malvino. Não existe na Cúria de Niterói documento de transferência da sede de Jurujuba, no ano de 1913, para a Igreja de São Francisco Xavier.
O Padre Odorico Malvino construiu nos fundos da Igreja do Saco uma gruta em honra de Nossa Senhora de Lourdes, mandando vir de Toulouse, na França, uma bela Imagem de Nossa Senhora. Em 1913, no mês de junho, como consequência de um forte temporal, a gruta desabou, ficando apenas Nossa Senhora no seu nicho. Assumindo a Paróquia de São Francisco Xavier o Padre Sebastião Gastaldi deu inicio à construção de uma nova Gruta, em frente da Igreja, a qual foi inaugurada no dia 4 de janeiro 1914.
O Padre Sebastião Gastaldi, nomeado Vigário da Paróquia de São Francisco Xavier e das anexadas de Nossa Senhora da Conceição de Jurujuba e São Sebastião de Itaipu, exerceu suas funções até o ano de 1930.
No dia 1º de abril de 1930, o Sr. Bispo Diocesano, Dom José Pereira Alves, entregou, In perpetuum. à administração da Congregação dos Padres da Pequena Obra da Divina Providência, de Dom Orione, a Paróquia de São Francisco Xavier, no Saco de São Francisco, inclusive seu patrimônio, mediante contrato que estabelece cláusulas para ambas as partes.
Em 29 de março de 1937, os Padres da Divina Providência tiveram a grata e honrosa visita do seu fundador e Superior-Geral Padre Luiz Orione, que foi recebido com as maiores demonstrações de afeto pela comunidade, pelo Sr. Bispo Diocesano e Pelos fiéis. Dom Luiz Orione permaneceu no Saco por dois dias, tendo celebrado a Santa Missa e visitado os recantos aprazíveis da nossa cidade.
Durante a administração da Paróquia de São Francisco Xavier pelos Padres da Divina Providência, foram desmembradas do seu território duas novas Paróquias: Nossa Senhora de Fátima, em Pendotiba e Santa Terezinha do Menino Jesus, em Rio do Ouro, sendo anexada a esta última a Paróquia de São Sebastião de Itaipu. Deve-se aos Padres da Divina Providência a restauração de muitas Capelas, inclusive a velha Matriz de Nossa Senhora da Conceição, de Jurujuba. A Paróquia mantém o Lar da Caridade Dom Orione, fundado em 25 de outubro de 1949, com o nome de "Lar da Caridade Padre Luiz Orione. Acolhe, atualmente, 34 meninos pobres, no internato.
A Paróquia mantem ainda o "Centro de Promoção Social Dom Orione", no final da Estrada da Cachoeira, com um Subposto do Centro de Saúde Santa Rosa, prestando os seguintes serviços: assistência médica, aplicação de vacinas, exames pré-natal e nupcial, e, mais, aprendizado de corte e costura, bordados, arte culinária, manicure, cabeleireiro, bombeiro hidráulico, pedreiro, eletricista e aulas de datilografia.
Publicado em O Fluminense em 23 de outubro de 1977.
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