(Memória, 3 de dezembro de 1988)
Um dos últimos lugares que ainda preserva a fauna e a flora característica do Brasil, considerado por paisagistas e arquitetos como um "paraíso ecológico", vai ser leiloado segunda-feira. É o Solar do Jambeiro, localizado na Rua Presidente Domiciano, 195, São Domingos, que ate hoje conserva sua arquitetura urbana da segunda metade do século XIX. Construído em 1872, a atual proprietária, Lúcia Falkenberg, explicou que não consegue mais administrar e manter financeiramente os oito mil metros quadrados do espaço, onde predomina o verde e, onde se encontram árvores seculares e exóticas.
Tombado pela Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan) em 1974, a casa e o terreno terão o lance inicial de Cz$ 750 milhões, sendo que os objetos do interior serão leiloados em separado.
Segundo a proprietária, o imóvel só será vendido a quem tiver intenções de continuar preservá-lo e jamais a uma pessoa ou grupo com interesses especulativos". Caso não consiga vender a propriedade, Lúcia Falkenberg pretende transformar o local num museu aberto à população.
Jamais me desligaria desse patrimônio sabendo que ele correria risco de ser destruído ou de perder suas características seculares. Se a venda não for efetuada, farei uma transformação, de casa de família para uma empresa, e, dessa forma, permitir a visitação pública. Já tentei isso antes, mas não obtive respaldo do governo e, sozinha, não poderia criar toda a infraestrutura necessária, como vigilância adequada e a preservação, para evitar a depredação. A única saída seria formar grupos que administrassem e arcassem com as despesas explicou.
O Solar do Jambeiro apresenta fachadas revestidas de azulejos portugueses de padrão, beirais construídos com louça, janelas em folhas de vidro, além de um jardim onde são cultivadas orquídeas, gardênias e árvores centenárias, como o jambeiro, também tombado pelo patrimônio. Várias espécies de pássaros e outros animais, como tatu e gambá por exemplo, também compõem a natureza local. Na opinião do paisagista Jorge Circhyno, da Faculdade de Arquitetura da UFF, o espaço representa um resgate do cenário do Pais.
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"Essa área conseguiu sobreviver à especulação imobiliária e as as edificações que tomam o os grandes centros urbanos. Além disso, o solar revela uma forma de vida que os moradores da cidade não estão acostumados a conviver. Isso sem falar na vegetação como um elemento mediador entre a cidade, com seu desenvolvimento tecnológico, e a natureza, com a paz e a tranquilidade necessárias à própria sobrevivência do ser humano. O jardim é uma verdadeira riqueza, com alguns elementos que estão desaparecidos da composição da flora atual do Pais, como a "Clúsia Grandeflora", contou o paisagista.
A professora Valéria Salgueiro, também da Faculdade de Arquitetura da UFF, ressaltou a importância do Solar do Jambeiro para a própria comunidade local. De acordo com ela, a área faz parte da história do Brasil e conserva toda a arquitetura da época, possuindo também um valor documental. A abertura do Solar à visitação publica agrada a professora que vê nessa atitude uma forma de a comunidade conhecer e, então, entender o motivo da necessidade de preservá-lo.
O primeiro proprietário do Solar, que também foi responsável por sua construção, o português Bento Joaquim Alves Pereira, nunca chegou a morar na casa, vendendo o imóvel, em 1892, por 50 contos de réis, ao diplomata dinamarquês Georg Christian Bartholdy. Os seus 20 cômodos, a família Bartholdy se encarregou de mobiliar com móveis e objetos nacionais e estrangeiros, que vem sendo cuidados em seus mínimos detalhes, até hoje.
As longas ausências de Georg Bartholdy levou o proprietário a alugar o imóvel diversas vezes a expressivas instituições. Em 1903, o Clube Internacional instalou-se no Solar e realizou diversos bailes. A casa também foi ocupada, anos depois, por um colégio de Irmãs Doroteias, até 1915 e, só no ano seguinte, os Bartholdy passaram a ocupar a residência. Com a morte do antigo proprietário,, em 1946, o Solar passou para a filha Vera Fabiana Bartholdy Gad, que viveu até sua morte, em 16 de janeiro de 1975.
Um ano antes, apoiada pela nora, Lúcia Falkenberg, Vera Bartholdy conseguiu o tombamento da casa e seu parque pelo Sphan. Para Lúcia Falkenberg, responsável pela criação do Museu Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga e membro do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico e Artístico de São Paulo, a casa é uma raridade e deve ser sempre preservada. O Solar nunca passou por uma reforma, a não ser na parte elétrica e nos encanamentos, e conserva toda a mobília original.
A decoração do interior, composta por quadros valiosos, relógios de parede, lustres de cristal francês, tapetes, candelabros, espelhos, vários aparelhos de jantar, uma coleção de 2.500 peças de barro, móveis e até um oratório baiano que, segundo a proprietária, é mais antigo que a casa, reúne, além dos objetos de valor, um pouco da história do Brasil, misturando estilos arquitetônicos, como é o caso dos azulejos portugueses e dos portais árabes.
Cenários das filmagens de documentários e da minissérie "O Primo Basílio", apresentada recentemente pela Rede Globo, o Solar recebe diariamente a visita de personalidades da cultura e estudiosos ingleses, alemães e suíços, curiosos em conhecer as belezas da propriedade. Lúcia Falkenberg revelou que já existem interessados em adquirir a casa e o terreno e que recebe, diariamente, propostas de empresários desejosos em transformar o local em restaurante ou casas comerciais. "Só venderei o Solar do Jambeiro a quem prometer dar continuidade ao trabalho de preservação. Já vai ser difícil me separar dessa casa e seria pior ainda vê-la destruída", concluiu.
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