Com a presença do Dr. Francisco Portella, Governador do Estado, realizou este benemérito Club, que homenageia o brilhante ator inglês Edmund Kean, sua 16ª récita, sábado último, 8 de março de 1890, conforme noticiamos.
Se já não estivessem perfeitamente firmados os créditos do Club Kean; se não fosse de todos conhecida a pujança de talento e força de vontade dos distintos amadores que compõem o seu corpo cênico, bastaria o resultado d'esta récita para dar-lhe um nome glorioso.
A récita teve lugar no elegante Theatro Santa Thereza, e constou do drama em 2 atos "A carteira do Marinheiro", da cançoneta "Fui ver a exposição" e da opereta fantástica em 1 ato, original do festejado escritor
Soares de Souza Júnior, "O anjo da Guarda", cuja música foi escrita pelo aplaudido maestro Baylon.
O drama, é original do capitão
Previsto Columbia e escrito numa linguagem sã e agradável, revelando o autor nessa composição extraordinária habilidade.
Sinopse
Na cena que transcorre no litoral de nosso estado, David, outrora costeiro e amigo de Augusto também costeiro, os quais na ocasião em que se passa o drama aquele é negociante rico, e estabelecido com escritório de comissões na Corte, tendo ao seu serviço navios mercantes que são despachados para Cuba; Augusto é comandante de uma galera de sua propriedade com a qual faz contínuas viagens.
Augusto no tempo em que traficava, amava extremamente uma moça em Cabo Frio, onde nesse tempo costumavam os traficantes a desembarcar os africanos que traziam a seu bordo. David que também gostara da moça e era por ela correspondido, teve com ela um filho, porém partiu deixando-a e ignorando esse fato. No drama ele revela os remorsos que o pungem por não ter dado seu nome à Leopoldina, em consequência de ter sido apresado pelos ingleses. Augusto em outra viagem que fez a Cabo Frio reconhece que a moça que amava, tinha-se entregue àquele seu amigo, recolheu o último suspiro de Leopoldina, que morreu ao dar à luz a Leopoldo.
Leopoldo, filho de David, jurou vingar-se do amigo; levou o menino, deu-o a criar educou-o, e durante esse tempo apaixonado atirou se à embriaguez; numa dessas ocasiões em que desembarcara na Jurujuba, encontrando a filha de um pescador violentou a, desaparecendo, deixando sem o sentir cair uma carteira.
Pouco tempo depois, foi Leopoldo entregue a Augusto, e vendo este que a criança lhe estendia os braços como que implorando a sua proteção, chorou, e essas lágrimas o reformaram, tornando-o um homem de bem. Fez com que Leopoldo fosse caixeiro de David, e concebeu o plano de vinganças, que era fazer com que David empenhasse seus bens em uma arriscada empresa, em que os perderia, ficando na indigência, e seu filho que ele supunha ser de Augusto, viria salvá-lo, dando-lhe assim uma lição por ter abandonado sua mãe Leopoldina.
David, por sua vez, em uma viagem em que fez à Costa levou o seu atrevimento de contrabandista a desembarcar os africanos na Jurujuba; aí depois do desembarque, viu desprender-se de cima de um rochedo um vulto branco; era Maria a vítima de Augusto que queria morrer para não ver morrer de vergonha a seu pai; salvou a moça e cinco dias depois na ermıda da Jurujuba casaram-se, e sete meses depois deu Maria à luz a uma menina, Cecília, que todos reputaram sua filha. Esta menina apaixona-se pelo caixeiro de David; Leopoldo, este por sua vez, confirmando o ditado: filho de peixe sabe nadar, consegue com que Cecília se entregue toda ao seu amor; chega a Augusto, seu suposto pai, pede-lhe consentimento para casar-se, dizendo-lhe tudo. Augusto nega-o, e desanimado de ver seu plano de vingança frustrado, conta-lhe a história de sua mãe e diz-lhe que Cecília é sua irmã, e que por isso é impossível o casamento.
Leopoldo duvida, Augusto dá-lhe uma chave e diz-lhe que vá a bordo, no seu beliche, abra um cofre, tire dele um embrulho de papéis que conhecerá então a verdade. David, por informação do médico que assiste à Cecília, que se acha doente, reconhece que ela é mãe e convida Augusto a obrigar o filho a reparar a afronta; este recusa e conta-lhe a história de Leopoldina e revela o plano de vingança que tinha em mente e conclui dizendo que Leopoldo é filho de David, o sedutor e amante de Cecilia; David radiante de alegria, declara que Cecília não é sua filha, aparece esta e o doutor; David explica o fato; Augusto exige uma prova da veracidade dessa história; David mostra a carteira que Augusto perdera na praia da Jurujuba. Augusto reconhecendo-a, abre os braços e exclama entre soluços, risos e lágrimas: "Minha filha, tu és minha filha! Cecília lembrando-se que é ele pai de Leopoldo e que portanto são irmãos diz: "Meu pai! ohl este nome é a morte". David apressa-se em dizer: "Leopoldo não é teu irmão é teu esposo Bendito seja Deus", exclama ela e assim termina o mimoso drama.
O desempenho foi de uma correção inexcedível, não sendo isso de estranhar para quem conhece os distintos amadores que dele se encarregaram.
Seguiu-se a magnífica cançoneta "Fui ver a exposição", desempenhada pelo inteligente amador
Costa Velho, que trouxe em constante hilaridade a plateia, que com justiça o aplaudiu freneticamente.
Deu fim ao espetáculo, a opereta "O anjo da guarda", um verdadeiro mimo quer na letra, quer na música. Esta opereta já foi representada pelo Club e se ainda o for, há de sempre merecer os mesmos aplausos.
Nesta opereta estreou o amador
Mariano Soares, que se encarregou do difícil papel de Flaminio, demonstrando uma habilidade rara, principalmente para o canto, possuindo uma magnífica e agradável voz.
Costa Velho, o Vasques de Niterói, no papel de Marcos caçador de calhandras, esteve como sempre, correto e feliz, merecendo inúmeros aplausos, sendo interrompido por uma geral e entusiástica salva de palmas quando com verdadeira maestria cantava a última balata.
A atriz D.
Gabriela de Athayde no papel de Margarida, mulher de Marcos, esteve irrepreensível, dando sobejas provas de seu talento e amor à arte que abraça.
Em um dos intervalos, a orquestra executou a valsa "Idalina Fróes", bonita composição do maestro
Baylon. Depois do exposto, só temos que enviar um bravo ao Kean.
Publicado originalmente em O Fluminense
Pesquisa e edição: Alexandre Porto
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