"Graças aos esforços do Dr. Paulo Alves, prefeito de Nictheroy, acaba de ser reinaugurado o Theatro Santa Thereza, daquela cidade, o qual se achava esquecido e abandonado, e passou agora por importantes obras, tomando a denominação de Theatro Municipal João Caetano.

Este teatro, como o de São Pedro de Alcântara, na Capital Federal, esteve mais de uma vez em risco de ser transformado em qualquer coisa que não fosse teatro; de uma feita, foi salvo por Manoel Benício, que era então vereador, e agora encontrou no Dr. Paulo Alves, um prefeito digno e inteligente que, por uma quantia relativamente insignificante, o mandou restaurar. E um bom teatro, elegante, cômodo, apropriado à representação do drama e da comédia.

O Dr. Paulo Alves compreendeu que uma cidade, onde o teatro cai em ruinas, dá triste cópia de si; portanto, um dos seus primeiros cuidados, ao tomar conta da Prefeitura, foi fazer com que desaparecesse tão inequívoca prova de desmazelo e de incúria.

Entretanto, Nictheroy tem toda a desculpa; primeiro por ter sido a maior vítima da revolta de 6 de setembro: segundo, porque a despojaram durante um largo período de tempo, da sua coroa de capital; terceiro, pela crise econômica do Estado do Rio de Janeiro.

Agora, que desapareceram os últimos vestígios da guerra civil, haja embora o desastrado propósito de rememorá-la na praça publica, em bronze, agora que Nictheroy voltou a ser, como d'antes, a capital do Estado, e este começa a gozar os benefícios da sábia administração de Nilo Peçanha, era justo que se abrissem de novo as portas do teatro, cujas paredes guardam o eco de tantas e tão gratas recordações do passado.

O Santa Thereza foi construído por João Caetano sob o influxo do seu ilustre amigo, Marques do Paraná, que dirigia então os destinos da província do Rio de Janeiro. O grande artista, que estava então no apogeu da fama e do talento, e era empresário do São Pedro, obteve uma subvenção dos cofres provinciais para dar um espetáculo por semana em Nictheroy.

Toda a companhia, inclusive os músicos, era transportada semanalmente numa grande falua que João Caetano tinha à sua disposição, e, como constituíssem todos uma grande família estreitamente unida, a travessia, quer na ida, quer na volta, era turbulenta e alegre, principalmente em noites de luar; os músicos não deixavam inativos os seus instrumentos, os artistas cantavam e riam, e as ninfas do Guanabara surgindo das ondas, sorriam à embarcação festiva que deslizava serenamente sobre o azul. Assim como os gregos conservaram a tradição do Carro de Thespis, nós poderíamos conservar a da falua de João Caetano.

O trágico fluminense não era um fiel observador do contrato que o prendia à Nictheroy; para ele alguns meses não tinham mais que três semanas, e esses continuados abusos começavam a indispor o público nictheroyense, quando a autoridade, num assomo de energia, intimou o empresário a dar os quatro espetáculos mensais a que era obrigado, sob pena de lhes ser descontada a parte respectiva da subvenção.

Aconteceu que certa voz a companhia chegara ao penúltimo dia do mês sem ter dado o quarto espetáculo, e não fazia conta ao empresário, que nesse tempo não nadava em ouro, perder a quarta parte da subvenção; por isso, ele avisou aos artistas que no dia seguinte, às horas do costume, se achassem na falua.

Nenhum faltou, embora chovesse a cântaros, e a cidade estivesse inundada por um verdadeiro dilúvio. Mesmo assim, embarcaram todos, e lá foi a falua, sabe Deus como, afrontando esse tremendo temporal.

Em Nictheroy chovia como no Rio de Janeiro. Os artistas tiveram grande dificuldade em desembarcar, e chegaram ao Santa Thereza encharcados da cabeça aos pés, as mulheres trepadas sobre os ombros dos homens.

Era a hora do espetáculo, mas o teatro estava às escuras, porque os empregados não contavam com os artistas. João Caetano mandou iluminar, e dez minutos depois os músicos executavam uma sinfonia nos instrumentos constipados.

No momento de começar a representação, foram dizer a João Caetano, no camarim, que havia um único espectador no teatro.

"Mesmo quando não houvesse nenhum, daríamos o espetáculo", respondeu ele. "O que eu quero é salvar a subvenção. Que suba o pano!"

Imagine o leitor o que seria esse espetáculo, a que assistia um único espectador, como o rei da Baviera no Theatro de Wagner!

No meio do 1º ato, a atriz Jesuina Montani, tendo que dizer um longo monólogo, interrompeu a representação e perguntou ao espectador:

- "O senhor exige que eu diga toda esta fala?"
- "Não exijo nada, minha senhora. Estou aqui para resguardar-me da chuva".

Daí, por diante o espectador era constantemente interpelado, ora por um, ora por outro artista:

- "Não acha que podemos suprimir este dialogo?"
- "Acho."
- "Não lhe parece que o 3° ato pode acabar aqui?"
- "Parece-me."

O próprio João Caetano perguntou: "O cavalheiro não está se aborrecendo?"

- "Não, Sr. comendador!"
- "Deseja então que isto continue?"
- "Como quiser?"
- "Pois continue!"

Pouco depois das dez horas estava terminado o espetáculo e salva a subvenção.

Desta narrativa pode dar testemunho a atriz Jesuina Montani, que ainda vive.

Entretanto, quando não chovia, o Santa Thereza estava sempre cheio, e muita gente ia daqui assistir ao espetáculo na outra banda. A baía era então um dos passeios prediletos dos cariocas, e o teatro o elo que estabelecia certa sociabilidade entre as famílias das duas capitais.

O prefeito de Nictheroy pensa - e com toda a razão - que não há motivo para que se não reate esse elo, que tanto importa ao progresso da da capital vizinha; no entanto, recompondo o teatro, e criando uma escola de arte dramática e de música, ele conta exclusivamente com a população da Praia Grande. Muito ingrata será esta, se não acudir, cheia de patriotismo, ao apelo do ilustre funcionário.

Já na primeira coluna do jornal "Paíz", de segunda-feira passada, me referi à festa da inauguração do Theatro Municipal João Caetano, uma festa brilhante, inesquecível, que teve apenas contra si o ser presidida pelo obscuro autor destas linhas. Salvador de Mendonça estudou, com muito colorido de frase, a figura excepcional do primeiro ator brasileiro, e Paulo Alves, num magnífico repto, que eletrizou a assistência, exalçou a ideia de levantar o teatro brasileiro. Deus o ajude nesse misericordioso empenho."

Arthur Azevedo para "A Notícia", em 21 de julho de 1904


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Publicado em 20/07/2021

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