Com verdadeira enchente realizou-se no último sábado, 8 de agosto de 1908, no Theatro João Caetano, em Niterói, o primeiro espetáculo da importante companhia organizada pelo distinto ator niteroiense, Leopoldo Fróes. Foi representada a opereta portuguesa em 3 atos,
O Burro do Sr. Alcaide, sendo entusiasticamente aplaudidos todos os artistas que tomaram parte no desempenho da peça. A peça é uma adaptação do libreto de Gervásio Lobato e D. João da Câmara, música de Cyriaco Cardoso.
Necessário se faz elogiar a maneira distinta e a voz educadíssima de
Dolores Rentini, cheia de graça em toda a peça no papel de Gina, e dizendo com verdadeira arte o lindo
couplet do 3º ato.
Para
Leopoldo Fróes, que tinha a seu cargo um dos piores papéis da peça, pois, em todos os outros a graça esfuzia; e no de "André", a não ser a cena da representação no 3º ato, o mais é nada, só temos elogios, dada a maneira de representar essa cena, digna de menção honrosa e, como ouvimos ao seu colega Brandão, "nunca o vira fazer tão bem".
Brandão, esse tem uma criação sublime no Alcaide e fez rir as pedras. Veiga cantando bem e engraçado no delicado Faísca, Rocha, Pedro Augusto, Asdrubal, Helena Cavalier, Esther Bergerac, Elvira Benevente e Maria Tavares, bem nos seus papéis; a orquestra, comandada pelo maestro Fernando Nunes, razoável, e coros bons.
A apresentação justificou todo o entusiasmo que a esplêndida companhia organizada pelo simpático ator e nosso ilustre conterrâneo Leopoldo Fróes, tão justamente aplaudido foi na Europa, desperta em nossa sociedade.
A nova companhia está formada com os melhores elementos artísticos da atualidade, e a época teatral que vai iniciar nesta cidade é destinada a franco sucesso.
Brevemente a companhia levará à cena a peça
Mascote, em que veremos a estreia da atriz-cantora Ismênia Mateus.
Um bravo à tentativa feliz do Leopoldo e ao nosso público que encheu o João Caetano. Se houvesse um bocadinho menos de frieza do público, seria tão bom ... O espetáculo voltou ao palco do João Caetano no dia 30 de agosto, em uma homenagem à oficialidade do cruzador português "Rainha Dona Amélia".
Distribuição dos personagens
Gina, Dolores Rentini; O Alcaide, Brandão; Maduro, Rocha; André, Leopoldo Fróes; Faísca, Martins Veiga; Zecharias, Pedro Augusto; Fidelino, Elvira Benavente; D. Procópio, Castello Branco; Golphinho, Asdrubal Miranda; Braguinha, Júlia; D. Mausa, Helena Cavalier; Affonsa, Esther Bergerac; Annica, Maria Tavares; Uma festeira, Maria; 1ª Sebastianista, Xavier; 2ª Sebastianista, Lemos; 3ª Sebastiania, Ramos; 1º Doente, Mendonça; 2º Doente, Telles, Um cadeirinha, Alberto.
Entrevista
Fomos encontrá-lo em casa, apareceu-nos com o melhor dos seus sorrisos e foi-nos logo dizendo:
- Já sei. Queres saber novidades a respeito da minha companhia.
- Era isso mesmo.
- Pois meu caro, o sucesso tem sido exatamente o que eu esperava. Puz os bilhetes à venda e logo foram procurados. Era de esperar por duas razões: não tenho inimigos aqui e sou filho desta bela cidade.
- E de Portugal, o que me contas?
- Portugal é a minha segunda pátria. Adoro Lisboa e tenho lá amigos dos melhores. Estive sempre contratado em Lisboa e se não vou para lá agora é porque acho que devo permacer por enquanto no Brasil.
- Pretendes seguir para fora, para os Estados.
- Sim é possível que faça uma turnê, mas ainda não sei por onde começo, visto como já recebi algumas cartas de amigos do interior e não sei a quem dar a preferência, ou, por outra, a primazia.
- Falaste em interior? Segues então para onde para que zona?
- O segredo é a alma do negócio. Tu és jornalista e bisbilhoteiro e perdoa-me não lhe dizer. Vou para fora.
- A respeito de Niterói? Mudado, heim?
- Mais ou menos. A política é pior que a varíola.
- Não tens portanto política?
- Nenhuma. A minha política são os artistas, os corsistas, a orquestra, o meu trabalho, enfim, para o qual vivo e não penso em outra coisa. Tenho muita saudade d'aquele tempo em que eu era estudante e era estourado...
- Porque?
- Porque não tinha as responsabilidades de hoje. Muita gente supõe que isto de teatro é pagode. Se soubesse o que eu tenho trabalhado. Felizmente o público até agora tem sido corretíssimo e depois da representação "d'O Burro" acredito que me fará a justiça de que não poupei esforços para lhe dar um espetáculo bom.
- E a Rentini?
A Rentini é uma auxiliar de mão cheia e sempre satisfeita com tudo. É uma estrela que não é pretensiosa e que naturalmente gosta tanto de Niterói como eu gosto de Madrid, a linda capital espanhola, onde passei uns quinze dias, dos melhores da minha vida.
- Bem. Adeus e felicidades.
- Adeus. Vê lá. Reparaste bem no que eu disse? Isso de jornalistas às vezes é cada 'pêta'...
E saímos. Na rua, a caminho da redação ainda nos vinha à memória aquele ar alegre do homem de ciência feito homem de arte.
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