Ferido pelos canhões da Revolta da Armada (1893/94) e abandonado pelo governo estadual, o Theatro Santa Thereza acabou indo a leilão, decisão tomada ainda no fim de 1895. Insensível aos apelos de intelectuais, de grande parte da imprensa e da própria Câmara Municipal de Niterói, e depois muitas idas e vindas, a Assembleia Legislativa agendou a venda para o dia 30 de maio do ano seguinte.

É bom que se demonstre que por pelo menos dois anos o legislativo municipal tudo fez a fim de adquirir o teatro. E a Câmara, é sempre bom lembrar, na época acumulava os poderes legislativos e executivos. O receio era que, como aconteceu com o antigo Theatro Phenix Nictheroyense, o prédio tivesse outra destinação, que não o de templo das artes.

De início, os vereadores se basearam na lei estadual nº 88 de 1894, que dizia, em seu art. 2º: "São reconhecidos como bens do munícipio todos os terrenos, edifícios e quaisquer propriedade adquiridos antes de 15 de novembro de 1889 pelo governo da Província, para cemitérios, matadouros, mercados, logradouros públicos e mais fins relativos à vida administrativa do município, além dos que pela municipalidade tenham sido diretamente adquiridos".

A Câmara oficiou ao governo estadual no sentido de ser cumprido este artigo de lei, ainda não revogado, isto é, para que o edifício do teatro, que servia de logradouro público e interessava à vida do município, passasse a ser um próprio municipal.

O ofício foi o seguinte e devido à deliberação da Câmara, votada unanimemente em sessão de 26 de setembro de 1894 e aprovada pelos pareceres da Comissão de Fazenda, também unanimemente votada.

"Sr. dr. secretário dos Negócios do Estado do Rio de Janeiro. Em virtude de deliberação desta Câmara, tomada em sessão de 26 de setembro findo, solicito do governo a cessão para esta municipalidade do Theatro de Santa Thereza com todos os seus acessórios, cadeiras e mais objetos a ele pertencentes, para que a mesma Câmara mande proceder a todos os reparos precisos e modificações que julgar convenientes, e fique ele sendo Theatro Municipal. Manoel Martins Torres, presidente."

Este ofício foi motivado pela proposta e pareceres da Comissão de Fazenda da Câmara, proposta e pareceres que foram também unanimemente aprovados no legislativo municipal:

"Proponho, que se solicite do governo do Estado a cessão para esta municipalidade do Theatro de Santa Teresa situado à rua XV de Novembro, desta cidade, com todos os seus acessórios, cadeiras e mais objetos a ele pertencentes, devendo esta Câmara providenciar logo que seja feita a cessão para que sejam executados:

a) Todos os reparos precisos na construção, modificações para dar fácil acesso e saída do público dos camarotes, cadeiras e pavimentos superiores, ajardinamentos dos espaços laterais, com estabelecimento de botequins, confeitarias e charutarias, etc., consertos gerais, decorações, pinturas e instalação completa de iluminação, encanamento d'água e serviço de precaução contra incêndio, toaletes, etc;

b) Modificação no palco dando-se mais espaço e fundo, suprimindo-se os camarotes da cena de modo que o pano de boca venha cair mais próximo à ribalta, instalando-se melhor sistema de iluminação dos cenários e mais aperfeiçoado sistema dos aparelhos, como também melhoramento dos camarins dos artistas, devendo ter toaletes, água encanada e gás, etc.;

c) Que seja mobiliado o teatro, seus camarotes e salões e bem assim fazer aquisição de dez cenários pelo menos, com as competentes mobílias e acessórios mais indispensáveis;

d) Finalmente se mude a sua denominação para Theatro Municipal de Nictheroy (segundo a grafia da época).

Alcibíades Leite, 20 de junho de 1895."

O colunista de O Fluminense, que assinava 'Jal', não deixou de lembrar seu apoio à iniciativa: "Neste cantinho e mesmo nas colunas deste jornal temos aludido, por diversas vezes, à necessidade de passar para a municipalidade o Theatro de Santa Thereza e à vantagem que auferirá a mesma com essa aquisição. Lucra o público com a realização da proposta, e lucra muito mais a Câmara, porque adquire um excelente prédio que reparado convenientemente passa a ser mais uma fonte de rendimentos, e porque feitas as modificações constantes da proposta, não nos faltarão bons espetáculos. Este foi um dos tentos que o Alcibíades lavrou".

Já Domingos de Castro Lopes apontou curiosa questão para o período histórico: "Propõe o sr. vereador que, uma vez pertencente à edilidade, passe o teatro pelos reparos necessários, e que mude de título. Ainda bem, de pleno acordo. Mude-se o título, mesmo porque esse nome desperta dois pensamentos que podem causar desmaios aos republicanos vermelhos que hajam ruborizados de indignação contra o regime monárquico depois de 15 de Novembro. Pois que! Quando a igreja está separada do Estado, um teatro com um título cheirando à cera e à água benta, um teatro com um nome tout-à-fait eclesiástico! Pois que! Quando a alavanca do progresso manda pelos ares o trono bragantino, um teatro com um nome próprio, de recordação tout-à-fait monárquica! Oh! Nunca! Nunca! Ordem e Progresso! Fora o altar? Abaixo a monarquia!"

Na sequência foram aprovados os pareceres das Comissões de Justiça e Fazenda.

Parecer da Comissão de Justiça

"A Comissão de Justiça é de parecer que se adote esta proposta na sua primeira parte e quanto aos reparos, modificações e mais obras a executar no teatro, parece que a Câmara só deve cuidar disso depois de feita aquisição e conforme permitirem as suas condições econômicas. Entretanto, melhor dirá a respeito a digna Comissão de Fazenda, também ouvida e de toda competência. Niterói, 12 de julho de 1895. Aleixo Marinho de Figueiredo e Paulo Emílio de Souza Gurgel. "

Parecer da Comissão de Fazenda

"Adotada a primeira parte desta proposta como é o parecer da ilustrada Comissão de Justiça e com o qual concorda a Comissão de Fazenda, entende esta que a segunda parte é intuitiva por quanto as obras são indispensáveis e necessárias as modificações, do que, tudo, a Câmara cuidará oportunamente: sendo conveniente ouvir antes a respeito a Assembleia Municipal, tanto mais tratando-se de dispêndios para os quais não há verba especial no atual orçamento, sendo que o § 18 do art. 2º do mesmo orçamento não deve ter aplicação para tal fim. Relativamente à denominação do teatro, entende a Comissão de Fazenda que a ter de haver modificação que seja para - Theatro Municipal de Santa Thereza. Em 15 de agosto de 1895. Carlos Rodarte e Júlio Tibau. "

Para toda a sociedade de Niterói, cidade que recém havia perdido o status de capital do Estado do Rio, que passou a ser Petrópolis, o remédio para impedir a ruína do Santa Thereza, seria incorporar o teatro ao patrimônio municipal para que dentro do curto prazo voltasse a ter Niterói um teatro em atividade. Não faltaram pedidos para que os representantes da população olhassem com carinho para aquele patrimônio que estava depreciando aos olhos de toda a população.

Chegando a data marcada para o leilão, o jornal 'O Fluminense', em editorial de 1º de março, fez um apelo aos vereadores:

"Vamos fazer um apelo à digna Assembleia Municipal, ora reunida em trabalhos referentes ao progresso do município. Dentro em pouco o martelo do leiloeiro abafará lance de quem mais der e talvez que desse momento em diante fiquemos privados do único teatro que possuímos, porque é mais prático, é mais positivo transformar o edifício em fábrica ou estalagem, do que conservá-lo como um centro de diversões útil, indispensável entre os povos civilizados. Todas as cidades do interior mantêm teatros; em Nova Friburgo constantemente funcionam companhias de diversos gêneros; Campos possui um excelente teatro. Niterói tem o Santa Thereza, fechado há muito tempo, divertindo-se a população apenas quando aparece alguma companhia de cavalinhos, quermesse ou fogos de artifício. Muitas e muitas vezes temos abordado esta questão. Agora que o teatro vai ser vendido em hasta pública apresenta-se a Câmara como licitante; adquira o edifício e entre em acordo com o Governo sobre o pagamento em prestações.

O prédio não ameaça ruína como se propala; precisa ser reparado convenientemente e não será grande o dispêndio com as obras. Ficará sendo um excelente ponto de renda e dentro em pouco o capital estará amortizado. Não faltarão companhias que venham dar espetáculos; existem os clubes dramáticos que estão encostados à falta de teatro conveniente. O edifício tem um belo salão apropriado para concertos e bailes. A aquisição, pois, desse próprio estadual, traduz-se em benefício real para o município e constitui fonte de receita. Não confiamos absolutamente que seja ele comprado por particulares para o mesmo fim. Se se perder esta ocasião, quando teremos outro teatro? Confiar na iniciativa para a construção de edifício apropriado não podemos fazê-lo, porque hoje os capitais estão retraídos e dificilmente eles serão embarcados para empresas deste gênero. O nosso apelo é à municipalidade. Não se perca a ocasião que é excelente e essa medida terá aplausos. Nem só de pão vive o homem. "

Em 10 de março, Arthur Noronha de Oliveira, engenheiro da Secretaria de Obras do Estado, concluiu vistoria e relatório sobre o teatro, sendo o prédio e móveis avaliados em 42:000$000. Foi de opinião que o edifício oferecia toda segurança, mas carecendo de muitos consertos.

À vista desse laudo, a diretoria do Clube Fluminense, que possuía um teatrinho próprio, solicitou ao Governo do Estado a entrega das chaves do prédio a fim de realizar nele uma série de espetáculos dramáticos, após os reparos e limpeza de que carece o mesmo para poder abrir suas portas ao público. Em vão.

Em resposta às deliberações municipais de que o governo do Estado teve conhecimento oficial, foi mandado, em ofício datado de 24 de março, pôr em hasta pública o teatro, em contradição à Lei 88 de 1894:

"Sendo da competência desta secretaria toda a matéria relativa à aquisição e alienação de próprios do Estado e estando afeto somente à secretaria de Obras Públicas e Indústrias, de acordo com o art. 3º da lei nº 198 de 6 de dezembro último, o tombamento dos mesmos; de modo que na dita secretaria, fiquem existindo todos os documentos de aquisição, recomendo-vos que providencie no sentido de ser levado à leilão, por um leiloeiro da praça de Niterói o próprio estadual Theatro de Santa Thereza, tomando-se para base do preço da venda a importância da avaliação e investindo a procuradoria fiscal o mesmo leiloeiro de todos os poderes necessários para representar o Estado na escritura que se deverá lavrar." Foi encarregado do leilão, o conceituado leiloeiro Afonso de Albuquerque Nunes.

Diante dessa resposta, perguntou-se então:

É ou não é o Theatro de Santa Thereza um edifício público adquirido pelo governo da província antes de 15 de Novembro de 1889?
Serve ou não para logradouro público?
Tem ou não tem o seu fim relativo à vida municipal?
Se assim é, a quem compete mandar cumprir a Lei n. 88?

Na sessão da Câmara de Vereadores de 8 de maio, o vereador Manoel Benício apresentou uma proposta para que a Câmara Municipal concorra a este leilão. A proposta entrou em discussão na sexta-feira, 29 de maio, ou seja, na véspera da data anunciada para o leilão. Ao meio dia, o presidente Martins Torres abriu a sessão com a presença dos vereadores Benício, Júlio Tibau, Antônio Moura, Wenceslau Moreira, Carlos Rodarte, Joaquim Pires e Aleixo Marinho.

Em pronunciamento, Rodarte afirmou que não se podia usar, na concorrência, a verba de obras públicas, como indicava a proposta original, que se achava bastante desfalcada, mas com a de 'Socorros Públicos'.

Após debate, Rodarte apresentou a proposta: "Indico para que a proposta do sr. vereador Manoel Benício seja modificada no sentido de ser feita a concorrência de acordo com o § 19 do art. 2º da lei do orçamento vigente".

Posto a voto, foi aprovado o parecer de Benício com a indicação feita por Rodarte, contra o voto do vereador Antônio Moura, que neste sentido fez declaração. Nada mais havendo a tratar o presidente declarou encerrada a sessão.

No dia seguinte, o representante da Câmara apresentou proposta única de 42:000$000, vencendo o leilão e salvando o Theatro construído em 1884 pela companhia liderada por Felício Tati.

Seria de lastimar que um outro comprador não o deixasse servir como casa de espetáculos: "O teatro é uma coisa necessária em uma cidade civilizada. É nele que se instrui o povo, que são censurados os costumes. O teatro é uma escola indispensável, e que o próprio governo deve alimentar. Falando assim, só nos referimos a teatro moralizado, que tem a nobre missão de mostrar os erros e as faltas da sociedade a fim de serem corrigidos." LS

A 27 de outubro, o jornal O Fluminense publicava esta nota: "No dia 1º de Janeiro do ano próximo vindouro haverá espetáculo de gala no Theatro Santa Thereza desta cidade ultimamente submetido a radicais e salutares reparos, por ordem da Câmara Municipal desta cidade, sua propriedade hoje. Estas obras que são importantes estão quase findas. O trabalho de cenografia que tivemos ocasião de ver é esplêndido e vistoso. Dele está encarregado o hábil cenógrafo Orestes Coliva, de grande e reconhecido mérito. Este espetáculo será inaugural, ficando o teatro depois funcionando."

Com o nome de Theatro Municipal de Nictheroy, foi inaugurado com a Companhia de Dias Braga, que levou à cena a peça 'Portugueses às Direitas' de França Júnior, e a comédia em um ato de Júlia Lopes, 'Capricho Feminino'.

Novamente o 'Jal' comemorou o resultado do leilão em sua coluna "Aos Sábados", em O Fluminense de 6 de junho de 1896.

Ah!, dizem uns, não deviam lançar mão da verba 'Socorros Públicos' por que a lei, e coisas e tal... Praza aos céus que tal verba, todos os anos seja aplicada sempre à compra de prédios e melhoramentos locais.

Pois não é preferível adquirir um teatro, montar escolas, cursos noturnos, do que enfrentarmos epidemias, vítimas de inundações e incêndios, o cólera, a varíola, o croup, e com tudo isso esgotar-se a verba toda, a complementar, a extraordinária e ainda a destinada a outros serviços?

Praza aos céus que todas as tolices sejam iguais a esta: adquirir por quarenta e cinco contos o que vale o dobro!

Pois não é preferível empregar quatro dúzias de contos no que dá lisonjeiro e farto juro?

Pois não é digna de encômios a corporação municipal que resguarda a tradição histórica em nome da civilização e do progresso?

Não é 'socorro público' salvar um teatro que é escola, uma casa que é teatro, na iminência de ser transformado em fábrica de fumo, estábulo ou cocheira, acompanhando a sorte de mísera Phenix que depois da padaria passou a cocheira e como para testemunhar o que aquilo foi, ainda conserva no centro da fachada uma estátua alegórica!

É preciso que o vulgo compreenda que o progresso local não se limita apenas a calçamento e limpeza de ruas.

Ilumino a testada do meu pavilhão hoje, como iluminei no dia em que o simpático leiloeiro bateu a pancada do seu martelo, passando à Câmara Municipal aquilo que o povo desejava que ela comprasse.

Modesto, deste cantinho, onde sou aturado pela bondade do chefe cá de casa e dos poucos que baixam os olhos sobre estas linhas, eu sempre batalhei em prol do Theatro Santa Thereza e satisfaz ao coração quando vemos vencedora uma causa boa.


Pesquisa e Edição: Alexandre Porto
Na imagem de capa: Edifício da Câmara Municipal de Niterói, demolido em 1914.


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Publicado em 05/12/2024

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