Na última terça-feira, 22 de janeiro de 1901, o Centro Artístico Fluminense, clube dramático desta capital, levou à cena, em sua récita inaugural, no Theatro Municipal João Caetano, a opereta em três atos 'O Botafogo', da lavra de
João Martins Teixeira Júnior, com música do maestro
Pires Fernandes.
А реçа раssа-sе еm Масaсos durante uma festa do Espírito Santo, e aí o seu autor encaixou o clássico imperador com todo o seu cortejo, música em cena, leilões de prendas, fogos de artifício e mil novidades em teatro. O João Caetano passou por melhoramentos e reformas, oferecendo agora mais comodidade ao público.
'O Botafogo' agradou extraordinariamente tanto pelo seu livreto muito simples, mas muito espirituoso, como pela sua música, grácil, original e encantadoramente deliciosa.
Para a opereta, escreveu o maestro Pires Fernandes uma partitura leve, cheia de encanto, bem feita e muito mimosa. Pires Fernandes tem o defeito de ser muito modesto, mas é incontestavelmente um talento musical. Os belíssimos e delicados trechos que compôs para 'O Botafogo' foram escritos (disse ele) sobre o joelho, nas horas vagas; apesar disso saíram bons, bem inspirados, descobrindo um gosto artístico, fino e educado do seu autor.
A valsa, a ária do 2º ato, a seguidilha, os coros, enfim, toda a música é encantadora, é agradabilíssima. A instrumentação é mais uma prova do talento de Pires Fernandes, que fê-la do modo o mais correto e mais cuidadoso possível. Enfim, a música é digna da peça.
Quanto ao desempenho dos atores, foi o mais regular que se pôde desejar. Teixeira, Irênio, Fróes, Ismael, Pires e as amadoras Sinforosa, Inácia e Belinha e outros, completaram um conjunto harmonioso e bem afinado.
Ismael Maia criou um verdadeiro tipo de bicheiro, que tira esmolas para o divino, foi irrepreensível.
Irênio Coelho deu-nos um fogueteiro endiabrado, bem estudado.
Martins Teixeira Júnior fez um Simplício Carneiro, originalmente apanhado.
Pires Fernandes no papel de Imperador, foi regular.
Leopoldo Fróes, correto como sempre, apresentou-nos um tipo de bilontra
comme il faut, cantando admiravelmente os três trechos de música que lhe competiam.
Sinforosa Heredia foi perfeita no seu papel.
Inácia Heredia foi uma regular cantora desafinada, e
Belinha Pereira da Costa foi uma adorável Laura, cantando graciosamente a ária do 2º ato. Os outros amadores secundaram com sorte os seus companheiros.
A orquestra portou-se maravilhosamente, sob a regência de Roque Filho, que foi enérgico e irrepreensível no seu posto.
O espetáculo subiu à cena no Theatro Municipal João Caetano mais duas vezes, nos dias 1º e 10 de fevereiro.
Descrição dos atos:
1º - Imperador;
2º - A festa do Divino;
3º - 1º quadro, "tudo no x"; 2º quadro, "Ai! que cólicas!"; 3º quadro, "Vitória do Zé Garoto".
Foram esses os personagem do Botafogo.
Irênio Coelho - Clemente Dias Botafogo, fogueteiro amador que tem mania de fazer fogos que falham;
Pires Fernandes - Zé Garoto, dono de um armazém de secos e molhados do 'Sou útil ainda brincando' e que faz-se imperador do Divino;
Martins Teixeira Júnior - Simplício Carneiro, dançarino de uma companhia acrobática, zoológica e mímica;
Ismael Maia - Lopes, homem que joga nos bichos e que tirando para a cêra do Divino, mete no jogo o dinheiro das esmolas;
Leopoldo Fróes - Armando, rapaz bilontra, estudante de direito que namora a sobrinha de Zé Garoto;
Francisco Berrini - O subdelegado, tipo que não pode admitir habeas-corpus;
Rosauro de Mello - Mendonça, festeiro do Divino, Reis; 1º e 2º homens;
Sinforosa Heredia - Bonifácia, mulher de Zé Garoto, gênio de féra e que não admite que se lhe chame de imperatriz;
Belinha Pereira Costa - Laura, sobrinha de Zé Garoto, menina romântica e levadinha da carepa, namorada de Armando;
Inácia Heredia - Manoela, cantora cuja voz tem 10.000 vibrações e que desafina nas melhores оcasiões;
Azeredo - Crispim, soldado vagabundo que fala com dois pronomes;
Maestro Domingos Roque, diretor da orquestra do Centro Artístico Fluminense e ensaiador musical da opereta.
Alcibíades Villar - Ponto
Sobre o trabalho de Martins Teixeira Júnior, escreveu o colunista Antonio Felix em O Fluminense:
Martins Teixeira Júnior é incontestavelmente uma bela vocação de comediógrafo. Tivesse ele mais um pouco de paciência e cuidado na confecção de seus trabalhos; não lhe precipitasse a marcha com a pressa de dar fim a qualquer ato ou quadro, e seria já um verdadeiro e puro escritor teatral.
Digo assim, porque sou amicíssimo de Martins Teixeira Júnior e falo portanto com a franqueza, que deve ter um amigo para outro. Martins Teixeira devia depois de ter escrito uma peça burilá-la, reformar mesmo alguns trechos, dar-lhe os últimos toques de aperfeiçoamento; a obra sairia fatalmente boa sem um único defeito, porque ele tem inegavelmente muito talento, muita verve, muito gosto artístico.
A prova dessa minha asserção tive-a eu, tiveram todos na noite da 1ª representação de 'O Botafogo', último trabalho de sua lavra. Esta peça foi escrita ao correr da pena, sem retoques, sem alterações, sem correções absolutamente.
Por isso, a par do espírito de que está cheia, bem escrita, bem feita, ressente-se nela algo de vazio; a falta justamente do cuidado com que seu autor deveria revê-la, dando-lhe mais vida, aproveitando ensejos de enxertá-la a mais de episódios. Botafogo é uma linda pochade; leve, graciosa, sem o espírito pesado da pornografia de que infelizmente tem abusado muitos dos nossos escritores.
Com um enredo simples, de uma simplicidade campesina, Martins Teixeira escreveu 3 atos bons, regularmente movimentados, alcançando o alvo a que se dirigiu: fazer rir. Isso fê-lo e muito francamente; as risadas sucediam-se quase que ininterruptamente.
A cena do 3º ato, na prisão, foi de um sucesso extraordinário, provocando uma hilaridade completa.
Ainda aí (como em muitas) senti que o Teixeira não aproveitasse a margem que tinha para episodiar mais. Finalmente, a peça é boa, à parte essas pequenas considerações e o meu irmão de arte deve estar satisfeitíssimo pelo êxito obtido.
1° ato
Dueto de Armando e Laura cantando por Leopoldo Fróes e Belinha P. da Costa
Armando
Pelas campinas de velludo,
O trem corria a bom correr,
Deixando no longe a serra, tudo,
No horizonte se esconder.
E nesse ninho santo e doce,
Eu vi surgir o meu amor,
Como se acaso fosse, fosse,
O branco orvalho sobre a flor.
Laura
Passava, a quem, uma campina,
Um lago azul, um cafezal,
E, mais além, uma colina,
Ia perder-se no arrozal.
Na tua voz suave e doce,
Eu traduzi um terno amor,
Tão puro qual se acaso fosse,
A pura essência de uma flor.
Ensemble
Que tenha, pois, nossa ternura
As santas bênçãos lá dos céus
Eu que colhi nossa ventura
Na rubra flor dos lábios teus!
Dueto amoroso do 3º ato - Armando e Laura
Armando
Ai! minha Laura querida,
Casaremos qualquer dia,
E passaremos a vida
Nos braços da fantasia!
Laura
Numa campina orvalhada,
O nosso ninho será,
Como uma estrela dourada,
Que no céu fulgindo está.
Juntos
E os dois sozinhos
A beijar abraçadinhos, agarradinhos,
Quais passarinhos
A chilrear
No lago azul,
Qual branca flor,
Vai o batel
Do nosso amor,
A flutuar, a boiar...
Armando
Como se amam - Lá diz a estrela.
Laura
Como se adoram - O vento, sul,
Armando
E a nossa sorte desliza bela
Laura
Por entre as nuvens de um céu azul.
Armando
Ai! minha Laura,
Querida flor.
Laura
Ai! meu Armando,
Meu terno amor.
Armando
Querida flor,
Laura
Meu terno amor,
Armando
Querida flor,
Juntos (beijando-se)
Amor!
Coplas do Fogueteiro
1º ato
Um fogo novo eu inventei,
Capaz de o povo embasbacar,
Pelo processo que engendrei,
Não há receio de falhar.
Atado à ponta de um balão,
Seguro por quatro rodinhas,
Do meu tamanho um macacão,
Vomitará mil estrelinhas!
E um pistolão
Pão! pão! pão! pão!
E o diabrete
De um bom foguete,
A espocar
Assim no ar:
- Pó! pó! pó! pó!
E com gajé
Um buscapé
- Chỉ! Chỉ! Chi!
Correndo só !!...
Romanza de Laura
2º Ato
I
Eu que julguei ao lado seu gozar,
O céu ideal do meu primeiro amor,
Vejo a meus olhos tristes dissipar,
Da minha estrela a mais formosa cor.
II
É minha sorte pálida, funesta,
Planeta que se esconde n'amplidão,
Como se perde o som pela floresta,
Perdido está também meu coração.
III
Já ouço a cavatina de um lamento,
Vibrando eternamente, com ardor,
Perdido está no chãos do esquecimento,
O sonho azul do meu primeiro amor!
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