Cidade vai abrigar a melhor coleção de obras contemporâneas brasileiras

A única obra de arte que o arquiteto Oscar Niemeyer projetou para Niterói, o Museu de Arte Contemporânea (MAC), em breve será habitada pela Coleção João Sattamini, a maior sobre arte brasileira depois da de Gilberto Chateaubriand, exposta no Museu da Arte Moderna, do Rio. São cerca de mil peças, um resumo - se é que se pode chamar assim tamanha quantidade de obras da arte contemporânea do país.

Com trabalhos de nossos mais renomados artistas desde a década de 1950 - Iberê Camargo, Di Cavalcanti, Ivan Serpa, Lygia Clark, Antonio Dias, Ana Bella Geiger, Daniel Senise e Victor Arruda, só para citar alguns -, a exposição permanente do MAC é de incalculável valor cultural para a cidade.

"Niterói tem que afirmar sua importância como centro cultural. Como é uma cidade com muitos jovens, e já há um apelo forte por outras artes, como a música, tenho certeza de que a mostra despertará grande interesse, atraindo visitantes até do Rio", aposta o colecionador.

As obras estão cedidas em regime de comodato - doação temporária -, o que implica determinadas condições de conservação técnica e para exposição ao público, exigências do coruja Sattamini. Como uma mãe que não vê defeitos nos filhos, o colecionador não tem nenhuma obra preferida: "A coleção vale pelo conjunto", define. Atualmente, o acervo está em fase de catalogação por especialistas, já no Museu do Ingá.

A coleção, iniciada nos anos 1960 quando Sattamini esteve em Milão ("na Europa, a gente abre os olhos"), começou a crescer a partir de 1975. O apartamento que o colecionador comprou ficou pequeno para tantas peças, e a vinda do acervo para Niterói foi a solução.

"Somos muito amigos. Ele começou a encontrar dificuldades para expor, e achou que Niterói seria um lugar interessante. Levei a ideia ao então prefeito Jorge Roberto Silveira, que se interessou pela coleção e me pediu que encomendasse o projeto de um museu para papai", lembra a galerista Ana Maria Niemeyer, filha do arquiteto e organizadora da exposição "A Caminho de Niterói", com a coleção Sattamini, que em 1992 esteve no Paço Imperial, na Praça Quinze. Pertinho das Barcas.

MAC será aberto em 1996

Polêmico. Arrojado. Faraônico. Estas são apenas algumas opiniões sobre o Museu de Arte Contemporânea, construído há três anos no Mirante da Boa Viagem para abrigar a coleção Sattamini. Desde que começaram as obras, o MAC, como é conhecido, tornou-se alvo de discussões entre os niteroienses. Alguns contra, outros nem tanto. Mas todos com uma certeza: o museu será, depois da inauguração daqui a um ano -, um marco na cidade.

Projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, o MAC representa um cálice, mas algumas pessoas já o compararam até a um disco voador. O arquiteto, porém, não se abala com as críticas. Ele conseguiu o que queria, tornando o museu visível aos olhos de milhares de pessoas que circulam pela orla de Niterói. Além disso, o museu tem a melhor visão do Rio de Janeiro, da Baia de Guanabara, e da própria cidade.

A ideia da construção do museu surgiu depois que Sattamini doou todo seu acervo à prefeitura de Niterói. O então prefeito Jorge Roberto Silveira gostou tanto da ideia que decidiu construir um prédio para abrigar as obras de arte. A partir daí, criou-se a polêmica. Até o Tribunal de Contas do Estado (TCE) investigou o financiamento do museu, chegando a paralisar a obra através de uma determinação judicial. O museu, de 3.400 metros quadrados de área construída, deveria ser inaugurado durante a Rio-92 - proposta inicial de Jorge Roberto. Mas a obra só começou em novembro de 1992, e foi marcada uma nova data para inauguração: dezembro de 1993.

Durante esse ano, a obra ficou paralisada, foi retomada em 1994, e mais uma vez interrompida. Este ano, as obras foram novamente retomadas, e 30 funcionários fazem a finalização do projeto. Hoje, 90% da obra estão concluídos, só faltando impermeabilização, instalação elétrica, hidráulica e esquadrias de alumínio. Toda parte elétrica e iluminação externa ficarão sob a responsabilidade de Peter Gasper, que assina vários trabalhos da Rede Globo.

Aparentemente finalizado, o Museu de Arte Contemporânea ainda receberá a impermeabilização com uma tinta branca importada, por exigência de Oscar Niemeyer. Além disto, a rampa será pintada de vermelho-rubi na parte interna. Quem esperava ver o museu funcionando ainda este ano terá que aguardar até 1996, quando ele finalmente estará aberto ao público.

Acervo é uma aula de história da arte, por Paulo Reis

A coleção de João Sattamini é uma aula de história da arte brasileira nas últimas quatro décadas. São quase mil peças, entre esculturas, pinturas e objetos, catalogadas por bons marchands como os irmãos Victor e José Roberto Arruda (Galeria Saramenha) e Anna Maria Niemeyer (da galeria que leva seu nome). O núcleo mais forte da coleção está nos anos 1960, dos neoconcretos, com peças raras de Lygia Clark, Mira Schendel e Ivan Serpa. Obras que inauguraram um novo momento na arte que se fez por aqui.

Nos anos seguintes, Sattamini comprou boas peças de Antonio Dias, Iole de Freitas, Ione Saldanha, Cildo Meireles, Sérgio Camargo, Roberto Magalhães, Anna Bella Geiger, Waltércio Caldas, Antonio Manuel, entre outros. Na década seguinte, com a Geração 1980 (escola carioca) e a Casa 7 (núcleo paulista), o colecionador engordou seu acervo com peças de Daniel Senise, Ângelo Venosa, Jorginho Guinle, Rodrigo Andrade, Leda Catunda, Leonilson e Beatriz Milhazes.

A coleção, iniciada nos anos 1960, quis mostrar as mais importantes correntes na arte do país. Há a abstração dos anos 1950, depois os geométricos, os concretos, os neoconcretos e movimentos de ruptura como o Frente. Obras de Iberê Camargo, Flávio-Shiró, Di Cavalcanti, Alfredo Volpi ao lado de peças de Jorge Duarte, José Resende, Mauricio Bentes, Victor Arruda, Farnese de Andrade, Lygia Pape. Esta coleção invejável é o que o MAC irá receber. Um presente que qualquer cidade do mundo gostaria.

Opinião de especialistas

"É a coleção mais contundente que existe no Brasil. É a mais ampla em termos de arte contemporânea. Enquanto a coleção de Gilberto Chateaubriand, que está no MAM, engloba desde o início do século, Sattamini teve interesse mais centrado na arte contemporânea, a partir da década de 1950. E ele não gastou munição à toa." José Roberto Arruda, galerista.

"A coleção é fundamental para o Brasil e para o estado. Quem quiser saber da arte brasileira, inevitavelmente terá que passar por aqui: no Museu Nacional de Belas-Artes, está o melhor da arte brasileira dos séculos XVII a XIX. O melhor do século XX está no MAM, com a coleção de Chateaubriand, e futuramente em Niterói, no MAC, com a coleção Sattamini. Podemos dizer que as duas são complementares. No construtivismo, a de Sattamini é ainda mais bem representada que a exposição do MAM. São Paulo não está tão bem servida como nós. Fernando Cocchiaralle, critico de arte.

"O próprio museu, construído para abrigar a coleção, tem que se encarregar de preencher eventuais lacunas. É uma bela e muito importante coleção, em cima de arte contemporânea e de vanguarda, com ênfase nos anos 1980 e muita coisa sobre os anos 1960, apesar de ter se constituído de obras a partir da década de 1950." Ana Maria Niemeyer, galerista.

Jornal do Brasil, 26 de março de 1995


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Publicado em 14/10/2021

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