Enquanto os times cariocas se afastam do futebol arte - com direito a cartolas invadindo o campo e outras baixarias - o Museu de Arte Contemporânea (MAC), em Niterói, bate um bolão. Desde o dia 2 de setembro de 1996, quando foi inaugurado no topo do Mirante da Boa Viagem, o disco voador projetado por Oscar Niemeyer já atraiu 90 mil visitantes. No mesmo período, o Maracanã recebeu, para assistir à disputa do Campeonato Brasileiro, 115.530 torcedores, em seis jogos, um resultado pífio para o que é considerado o programa preferido dos cariocas.

"Em 20 anos de trabalho com museus nunca vi nada parecido", se assusta Dôra Silveira, coordenadora do MAC. Ela cita um casal de portugueses que, no caminho de volta depois de uma visita ao Sul do país, aproveitou a escala no Rio para visitar o museu. "Foi a única visita que eles fizeram na cidade. Pegaram um táxi no aeroporto, vieram até aqui, voltaram e embarcaram para Portugal felizes com o programa", diz Dôra.

Mas o que chama a atenção mesmo é a quantidade de anônimos atraídos pelo MAC que funciona de terça a sábado, das 13h às 21h e domingos, de 13h às 19h, com entrada franca até o fim de novembro. Gente que muitas vezes nunca havia pisado antes num museu. Como a técnica em contabilidade Nélia Rocha de Souza e sua tia, a dona de casa Anita da Rocha Batista, moradoras da Baixada Fluminense. No último domingo as duas, acompanhadas dos sobrinhos Marcus Vinicius, de 11 anos, e Bruno, de 10 foram conhecer o MAC. "É tudo muito lindo. O prédio, a vista...", dizia Nélia, E as obras? Tem umas coisas engraçadas", completava Marcus.

Além da impressionante construção - que emerge do solo como um cálice, ou pousa ali como um disco voador - ou um pássaro, como prefere Niemeyer e da fantástica vista do Rio e da Baia de Guanabara, a exposição inaugural também encanta os visitantes. São 120 obras selecionadas pelo curador Reinaldo Roels Júnior em um acervo de mais de mil peças da Coleção João Sattamini, a mais completa de arte contemporânea brasileira.

O salão central do museu abriga quadros, esculturas e objetos de grande formato da coleção. Contornando a parte externa do salão, a varanda panorâmica engloba, na primeira parede, a arte produzida dos anos 1950 ao fim dos 1960. A segunda parede da varanda dá continuidade ao abstracionismo geométrico e arte engajada com as questões sociais brasileiras do grupo Opinião 65. A mostra continua no mezanino, com obras dos anos 1970 e da Geração 80.

"É um museu vivo. As pessoas interagem com as obras", dizia a editora Beatriz Albernaz, que, no domingo passado, cruzou a ponte para visitar o museu com o marido e artista plástico Mauricio Peltier e o filho Nicolau, de 1 ano. "As vezes, interagem até demais. Como é arte contemporânea, as pessoas muitas vezes não a identificam com arte, e põem a mão mesmo, sem a menor cerimônia", constatava Mauricio. É um jeito de fazer arte.

As muitas paisagens de um museu

Assim como a melhor vista do Rio, dizem, é a de Niterói, o melhor quadro exposto pelo Museu de Arte Contemporâneo é, provavelmente, a deslumbrante paisagem da Bala de Guanabara. O museu, construído onde antes funcionava o 'namoródromo' da cidade, no mirante da Praia da Boa Viagem, oferece ângulos absolutamente novos da Baía. "A primeira coisa que as pessoas querem observar aqui é a paisagem. Elas ficam deslumbradas", reconhece o diretor do MAC, Ítalo Campofiorito. Mas o visitante não vai se arrepender se, depois de olhar para fora, se virar para dentro do museu, onde estão expostas obras de alguns dos artistas mais importantes do país.

Assim que sobe a rampa de acesso, chega-se direto ao coração das artes plásticas contemporâneas. No salão central, estão expostos os famosos bambus de Ione Saldanha e árvores queimadas de Krajcberg, quadros de Rubens Gerchman, Antônio Dias, Jorginho Guinle, Daniel Senise, Beatriz Milhazes e Eduardo Sued. Segundo Campofiorito, "o espírito foi criar um panorama da arte contemporânea".

O curador Reinaldo Roels procurou aproveitar a arquitetura do museu e reservar o salão central para trabalhos de grandes dimensões. O resto da montagem segue uma ordem cronológica: dos abstracionismos geométricos e concretos dos anos 1950, passando pela arte engajada da década de 1960, continuando com a arte conceitual da década seguinte, a produção da Geração 80, até obras absolutamente atuais. Roels acredita que "a arquitetura do museu conduz o espectador de modo quase didático".

Depois de ter tomado contato com várias facetas da arte contemporânea, o próximo passo do visitante é seguir pelo anel panorâmico que circula o salão principal. Volpi, Iberê Camargo, Milton Dacosta sofrem a concorrência desleal da paisagem. No anel panorâmico, também está localizada uma raríssima escultura de Lygia Clark, o transformável Bicho, que pode ser mudado de posição pelo observador.

O passo seguinte é subir a escada que leva ao terceiro andar, um anel circular com obras de Sérgio Camargo, Waltércio Caldas e Cildo Meireles, entre outros. O chão, levemente inclinado, dá uma estranha sensação de que se está subindo para algum lugar. O ponto alto é um grande balcão aberto, onde se pode observar o salão principal do alto. "Todos os caminhos são livres", frisa o diretor do MAC. "Este é o trajeto que 80% das pessoas faz.

Rosa Lima, para o Jornal do Brasil, 09 de novembro de 1996


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Publicado em 15/10/2021

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