Uma data histórica. Niterói ganhou, na noite de 20 de dezembro de 1995, seu Teatro Municipal João Caetano totalmente recuperado, às 20 horas.
A obra que envolveu os mais sofisticados recursos, principalmente na área de restauração, dá à cidade um patrimônio histórico e cultural dos mais importantes. Sob a batuta do artista plástico Cláudio Valério Teixeira, e sua equipe, formada pelas arquitetas Cristiane Suzuki, Regina Pontim e Fernanda Couto Teixeira, trouxeram prêmios para a cidade como o ofertado pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil.
Nesta noite, o prefeito João Sampaio foi o anfitrião de um trabalho iniciado pelo ex-prefeito Jorge Roberto Silveira. Sem dúvida Niterói fica mais rica por contar novamente com uma casa de espetáculo totalmente nova, mas mantendo seu aspecto histórico. Que o presente seja eterno.
A Festa
Após quatro anos de reformas, o Teatro Municipal João Caetano foi reaberto com um espetáculo da Companhia de Ballet da Cidade de Niterói, sob a direção artística de Aurea Hamerli. Vinte Oito bailarinos subiram ao palco para apresentar as coreografias assinadas pelo argentino Luiz Amieta (Balé na Floresta) e Rodrigo Moreira (Balé Caminhada), além de um pas-de-deux com Aurea Hamerli e Paulo Rodrigues.
O projeto de restauração, que custou R$4 milhões, viabilizou a construção de três anexos (Sala Carlos Couto e os prédios dos camarins e dos maquinários) e a modificação quase total do interior, que recebeu sistema de iluminação computadorizado, doado pela GE, com tecnologia similar à do Lincoln Center, em Nova Iorque.
Outras mudanças proporcionadas pelas obras foram a instalação de equipamentos cenotécnicos que facilitam os trabalhos de palco, como por exemplo o transporte de um piano de cauda em questão de minutos e de um moderno sistema de refrigeração, que mantém a temperatura ambiente sempre em 15 graus.
Estão programadas para a nova fase do teatro grandes apresentações, como a ópera Don Giovanni, de Mozart, trazida pelo barítono Nélson Portella, os balés 'Na Floresta' e 'Caminhada', além de apresentações do Rio Jazz Orchestra.
Coordenando a equipe encarregada da recuperação do teatro, o artista plástico Cláudio Valério Teixeira transformou o prédio num requintado espaço com palco moderno e plateia para 400 pessoas. O projeto de restauração, premiado em 94 pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil.
Segurança no teatro é uma preocupação
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Cláudio Valério acompanhando as obras no telhado do Teatro - O Globo |
Ele está uma pilha de nervos a essa altura do campeonato. O restaurador Cláudio Valério Teixeira fala do Teatro Municipal como se fosse um filho, enquanto acende um cigarro atrás do outro. Tomando diariamente dois comprimidos de Lexotan para dormir, este carioca de 46 anos coordena a equipe de restauradores do prédio. O processo recuperou e manteve conservado os valores históricos da construção original, que ganhou o que e há de mais moderno em equipamentos de segurança e conforto. Desta forma, contemporâneos splinklers e a decoração dos novos camarins e escadas convivem de forma harmoniosa com as pinturas de Driendl e Parreiras.
O projeto anti-incêndio é algo sem precedentes no País. São quatro sistemas distintos: o primeiro é o corta-fogo, que inclui porta standards, além da grande porta que desce e fecha a boca-de-cena, separando plateia do palco. O segundo é o de extintores de incêndio. Há também hidrantes com mangueiras e esguichos tipo jato ou neblina. Uma cisterna subterrânea alimenta hidrantes e splinklers e é capaz de armazenar cerca de 130 mil litros de água.
Balés reabrem o Municipal
Ensaiando no 5° piso do Terminal Rodoviário João Goulart, sua sede, a Companhia de Ballet de Niterói foi a grande atração da reabertura do Teatro Municipal. Inicialmente uma noite de gala marcaria o evento, mas os convites, bastante disputados, obrigou a realização de três noites de apresentação. Todas elas em compasso de estreia. Áurea Hamerli dirige os 28 bailarinos que formam, juntos com os niteroienses, um mix nacional: vêm da Bahia, do Pará e do Piauí.
Na Floresta baseia-se na versão moderna da obra homônima de Villa-Lobos, com arranjos de Wagner Tiso e João Carlos-Assis Brazil, na interpretação de Ney Matogrosso para 'Melodia Sentimental', 'Canção do Luar' e 'Cair da Tarde'. A coreografia leva a assinatura de Luiz Arrieta, argentino radicado em Salvador. Rosa Magalhães, carnavalesca bicampeã da Imperatriz Leopoldinense, assina figurinos e cenários.
Consagrado na cidade por sua coreografia de
Carmina Burana, sucesso do Ballet de Niterói, o mineiro de Belo Horizonte Rodrigo Moreira, 34 anos, criou
Caminhada, a partir de uma colagem de músicas do grego Vangelis, além de John Zorn e Ennio Morricone: "Levamos quase três meses ensaiando a coreografia. Caminhada nasce com o traçado do destino de cada um. Vai mostrar que nascemos só e morremos só e discute como podemos tirar partido disso", conta o coreógrafo, que convidou Paulo Cesar Medeiros para iluminar seu espetáculo, cujos figurinos são assinados por Carla Mascheroni, que usou malhas, saias e calças, deixando o corpo livre para os movimentos.
Companhia Jovem e Harmônica
É desta cidade a sexta companhia oficial de dança do País. A Companhia de Ballet de Niterói, formada há três anos, é dirigida atualmente por Áurea Hamerli, primeira bailarina do Teatro Municipal carioca. Em 1992, estreou Carmina Burana (última montagem realizada no Teatro Municipal da cidade antes da reforma), com coreografia de Roberto Lima, então primeiro diretor artístico da companhia. Fábio de Mello, em 1993, assinou Drácula. Em janeiro de 1995 aconteceu a primeira apresentação do Ballet no Rio de Janeiro (Teatro Villa Lobos) com 'Sand' e 'Chopin Por Um Fio', espetáculo coreografado por Renato Vieira.
"Acho que a Cia está mais ou menos em harmonia, apesar de ser muito jovem", avalia Áurea Hamerli. Ao lado de Paulo Rodrigues, ela realizou nas três noites de estreia um pas-de-deux ao som da música de Ravel. Foi a primeira vez que se apresenta dançando na companhia. Aurea considera uma grande conquista o espaço no Terminal Novo, após ficarem divididos entre o Clube Rio Cricket e Academia Helfany Peçanha. Agora, até o chão é especial, feito com sucupira e isopor. O salário de um bailarino da companhia é de R$ 600,00 e os 17 rapazes e 11 moças ensaiam de 9 às 13 horas diariamente.
Espetáculos terão preços populares
"No Teatro Municipal não vai ter festinha de aniversário pra filha de vereador." A declaração de Cláudio Valério Teixeira dá o tom da seriedade com que será tratada a programação artística da casa. O restaurador quer preservar, de todas as formas, o espaço que lembra os teatros do Interior de França. Preocupação que reflete-se até no cuidado com patrimônios como as lâmpadas do banheiro: "Ninguém vai poder roubá-las, já que suas voltagens são de 220W".
De 26 a 30 desse mês os balés 'Na Floresta' e 'Caminhada' ficam em cartaz com preços bastante razoáveis (plateia a R$10,00, galeria a R$5,00, frisas e camarotes a R$60,00, com quatro lugares cada). Começando o ano de 1996, já no dia 13 e 14 de janeiro, acontece a apresentação da Rio Jazz Orchestra, junto com a Cia de Ballet Fim-de-Século e a pianista Lilian Barreto. Em data ainda não definida. Marco Nanini e Ney Latorraca encenam 'O Mistério de Irma Vap' e o 'Mercador de Veneza', de Shakespeare, com direção de Amir Haddad. O produtor Nelson Portela deverá trazer a ópera de Mozart Don Giovani. Quem viver verá.
Dramaturgia começou em Niterói
A história do Teatro Municipal de Niterói se mistura com a própria trajetória do teatro nacional, com momentos de glória, alegria e abandono. O pequeno prédio onde funcionava a Sociedade Philodramática da Cidade - na atual Rua XV de Novembro - assumiu extrema importância no cenário artístico brasileiro com a estreia da Companhia Nacional Dramática em 1833. Chegava ao país João Caetano dos Santos, que promoveria ao lado da mulher, a atriz Estela Sezefreda, diversos espetáculos que encantariam o público. Segundo historiadores, surgia naquele momento o teatro brasileiro. Em seu palco, já se apresentaram os maestros Heitor Villa-Lobos e Eduardo Souto, músicos como Catulo da Paixão Cearense e Pixinguinha, além de nomes como o príncipe do teatro nacional, o niteroiense Leopoldo Fróes, Procópio e Bibi Ferreira. O teto, paredes e balcões abrigam obras de Antonio Parreiras, Frederico de Barros e do bávaro Johann Georg Grimm, que se encontravam seriamente danificados por reformas danosas.
De Luiz Fernando Dias para O Fluminense em 20 de dezembro de 1995
Pesquisa e edição de Alexandre Porto
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