Nos primeiros dias deste ano de 1903, a Câmara Municipal de Niterói encomendou ao engenheiro municipal,
Godofredo de Freitas Travassos, a realização de uma minuciosa vistoria no edifício do Theatro João Caetano.
Foi com base nessa vistoria que o legislativo determinou que o Theatro sofresse uma profunda reforma, para que, sem perigo de vida, a população pudesse gozar de sua única e preciosa casa de espetáculos, que funciona também como uma espécie de Centro de Convenções, local de reuniões políticas e literárias, além de eventos de caridade.
Segundo noticiou o jornal O Fluminense, a 20 de janeiro, as condições do edifício eram deploráveis. O reconhecido profissional descobriu a base do casarão e verificou a existência de alicerces de pedra seca; mandou quebrar o reboco e achou fendas de alto a baixo nas paredes e de lado a lado; retificou a direção dos pilares e encontrou paredes fora da linha de prumo. "Uma armadilha, uma arapuca, eis o que era nosso Theatro, até agora esquecido do zelo dos nossos edis", sentenciou o jornal.
Com efeito, poucas semanas depois foi demolida a parte central de sua fachada, que passou por grande transformação, tanto no acesso, quanto na estética. As paredes laterais e a dos fundos que até então ameaçavam ruir, chegaram ao prumo, sendo alargado a sua base e feitas amarrações com chapas, cruzetas e vergas de ferro.
Para muitos, tratando-se de um estabelecimento que será frequentado por milhares de pessoas, em vez de recorrer-se a remendos, se devia demolir as referidas paredes e reergue-las depois sobre mais sólidos alicerces. Já bastava o perigo a que até então estiveram expostos todos aqueles que frequentaram aquele templo das artes. "A providência se apiedou uma vez mais do povo niteroiense, evitando ali uma medonha catástrofe", disse um assíduo frequentador do Theatro.
Pela modificação que está sofrendo, sob o comando do arquiteto
Felício Antônio Miralhe, o Theatro irá escadas laterais que darão acesso ao que o público chama carinhosamente de
torrinhas, evitando-se, desse modo, a confusão com os espectadores dos camarotes e galerias, facilitando também a rápida saída, ficando com um alpendre no topo. O porão já foi calçado, tendo sido todo cimentado. A escada dos panos também sofrerá alteração.
Últimas reformas
De fato, a casa há muito reclamava melhoramentos indispensáveis ao seu bom funcionamento. O caso é que esteve por longo tempo sem que lhe fizessem consertos, pois quando passou às mãos da municipalidade, em 1896, esta apressou-se em dar-lhe maior conforto, revestindo-o de outra aparência.
Foram feitas novas decorações, e pinturas, renovaram parte do seu vigamento, mas quanto aos acessórios cênicos, pouco fizeram. Basta dizer que hoje possui em bom estado: uma praça, uma sala pobre e outra rica, não tendo, infelizmente, outros cenários dignos e necessários a um teatro por mais modesto que fosse.
Quanto ao pano de boca, havia sido confiado ao pintor e cenógrafo italiano
Oreste Coliva, que soube com maestria dar-lhe todo o valor que os segredos cenográficos reclamam. Porém, isto tudo não seria o bastante para uma casa de espetáculo dessa nível, pois aparentemente, se descuidou da estrutura externa do edifício.
Nunca iremos, no entanto, esquecer que nosso solene Theatro, na primeira metade da década de 1890, por pouco não se transformou em cocheira, como aconteceu anos antes no antigo
Phenix Nictheroyense.
Quando agora, novamente iria ser reparado, os responsáveis pela obra entenderam que seria de bom tom revesti-lo de todos os apetrechos reclamados pela
mise-en-scène para então poder-se atrair, para esta cidade, Clubes Dramáticos ou mesmo Companhias nacionais e internacionais.
Relativamente à colocação do 'botequim', instalado à esquerda da porta de entrada, seria melhor que fossem abertas portas para os lados do terreno, a fim de facilitar, em noites de espetáculos, o acesso das pessoas que desejam dele se servir. Esses e outros melhoramentos saltam à lembrança de todos os frequentadores do Theatro João Caetano.
Quanto à
caixa do teatro, sente-se claramente a falta de inúmeros objetos à serventia dos artistas, tanto assim que todas as Companhias que nos visitavam não cessam de fazer reclamações. Assim pois, aproveitando o ensejo das obras, conveniente seria que se fizessem novos melhoramentos, para a boa comodidade dos espectadores e dos artistas. E assim se fará, é o que promete Miralhe.
Crise na arte dramática niteroiense
Para o jornalista que assina como
Faber, no jornal O Fluminense, "a arte dramática, nesta cidade, parece ter-se despedido de nós. Já não existe aquele estímulo que existia, há alguns anos, no meio da mocidade. Desapareceram por completo os clubes dramáticos. Lá, só uma vez ou outra aparece, em algum calunga nas pontes das barcas, a cataplasma do anúncio a solicitar a presença do público para alguma representação. Meses e meses se passam e o grande casarão da rua XV de Novembro fica silencioso e triste, como um fantasma petrificado!"
De fato, nos primeiros anos do século XX, só uma vez por outra é que nos visitava alguma corajosa companhia, exibindo alguma peça de valor; fora disto, também não é constantemente, pregam boas peças os atores, acostumados a darem maus espetáculos que a plateia denomina de
tiros. E assim, muitas vezes, o público acaba por deixar de ir assistir às representações, temendo que não fossem bem organizadas.
O jornalista termina sua coluna sugerindo que, após a reforma, seja feito com zelo um contrato de arrendamento, para que o poder municipal pudesse colher algum rendimento desse próprio que custou, há uma década, cinquenta e tantos contos, fora o que seria gasto com a reforma em andamento.
Por Alexandre Porto, em viagem no tempo, para meados de 1903
Com informações de época dos jornais 'A Capital' e 'O Fluminense' (Hemeroteca da Biblioteca Nacional).
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