Buscando ampliar suas iniciativas empresariais desenvolvidas na Corte, em abril de 1839, o ator João Caetano dos Santos retirou-se mais uma vez para Niterói, onde resolveu edificar um majestoso teatro na esquina da rua de El-Rey canto da Imperatriz*.

A assembleia provincial concedeu-lhe loterias, lançou-se a pedra fundamental do edifício, elevaram-se os alicerces e as primeiras paredes; mas, reconhecendo-se que não havia necessidade de tão vasto edifício para representações dramáticas em uma cidade nascente, e cuja população era diminuta, suspendeu-se a obra.

Protegido pelo presidente da província, Honório Hermeto Carneiro Leão, depois marquês do Paraná, três anos depois João Caetano resolveu comprar e reconstruir o antigo Theatro Nictheroyense (antes Praia Grande), tornando-o mais espaçoso e mais elegante. E correram mais loterias em benefício do novo teatro, que a partir de então seria conhecido pelo nome de Santa Thereza. E assim narrou sua inauguração o Correio Oficial da Província do do Rio de Janeiro.

*Hoje esquina das ruas Almirante Teffé e XV de Novembro


Estão preenchidos os votos dos habitantes de Niterói pela edificação e funcionamento de um Teatro, onde possam passar reunidos algumas horas dessas noites de sem-saboria que tanto os contristavam.

Os jornais e os cartazes fixaram a noite de 23 de dezembro de 1842 para a abertura desse templo, e ela verificou se com inesperada pompa.

Quem o diria, ainda há três meses as asfixiosas paredes do Theatro Nictheroyense tombavam aos golpes dos martelos, instrumentos da destruição e do engrandecimento, e já hoje se inaugura um templo às musas e um asilo ao gênio!

Não entraremos em minuciosos pormenores do que se passou no Theatro de Santa Thereza na noite de 23. O Exm. Sr. Conselheiro Honório Hermeto Carneiro Leão recebeu, no monólogo de gratidão que lhe foi dirigido, e nas diversas poesias impressas e distribuídas pelos espectadores, uma prova da importância em que há tido o serviço que prestou a esta Cidade na reedificação de seu teatro.

Diversas coisas ditas de alguns dos camarotes atraíram a atenção pública: cremos que foram versos adequados ao mesmo assunto, porque um dos recitantes teve a bondade de declarar que ele era vate; porém a emoção, de que alguns destes se achavam tomados, privou-nos do prazer de compreendê-los; e sentimos tanto mais esta perda (talvez devido a defeito de nossos ouvidos) quanto é o desejo que temos de fazer tornar a fala ao bucho a zoilos que para logo nos vieram dar a novidade de haver em literatura alguma coisa mais além de prosa e verso.

A Sra. Generosa conquistou aplausos de que não é prodigo este bom povo de Niterói: sua voz harmoniosa e fiel, seu ar de perfeita seguridade excederão à quanto se esperava de sua estrega. Que importa que a pronúncia do italiano, em que cantou, não tenha obtido um laude dos exigentes entendedores da língua (que não são muitos), se eles mesmos lh'o deram quanto a voz, acompanhando a roda de palmas com que era de novo chamada à cena? Se o Sr. João Caetano conseguiu contratar a Sra. Generosa para o Theatro de Santa Thereza certo fez grande aquisição; e os amadores de cantoria terão mais um pretexto para levantar a cifra de suas despesas eventuais.

No teatro, como em todas as coisas, somos somente partidários daqueles que nos parecem melhor preencher as funções de seus empregos. Não espere, portanto, ninguém que lhes digamos amém ao mal e bem com que se houver.

Entendemos que o Sr. João Caetano, quase sempre felicíssimo nos papeis que representa, vai habituando-se a falar com demasiada celeridade: não somos o único que assim pensa, à mais de uma pessoa com voto na matéria ouvimos fazer esta reflexão, que nos parece ajuizada: em tudo há um meio termo. Quanto ao mais só merece elogios, e seja-nos permitido manifestar nosso pesar por não ser devidamente coroado pela plateia o bem que representou este ator insigne o pape de Robin. Verdade seja que foi ele chamado a cena para receber os aplausos merecidos pelos estorços que empregou para por o teatro em estado de dar espetáculos antes de partir o Exm. Sr. Presidente que nos quis deixar um meio de distrações honesto e útil; porém nas diversas partes de seu papel mereceu agradecimentos que a plateia, por hábito inveterado, lh'os não deu expressamente.

Em geral os atores representaram bem. A Sra. Maria Adelaide, cuja voz nada tinha de agradável á primeira vez que a vimos em cena, conseguiu melhorá-la sensivelmente; e se continuar a estudar pode adquirir em breve o hábito do acionado, hábito tão natural às pessoas bem educadas, mas que um acanhamento ou não sabemos que faz perder quando pela primeira vez sobe-se ao tablado. Trazia na ponta da língua o seu papel, porém conservou a mão esquerda no bolso do avental e a direita em torno da cintura por todo tempo que durou o colóquio da primeira cena. A Sr. Maria Ricardina, que fez de Condessa foi mais feliz nesta parte, e mostrou estar compenetrada do papel que representava. Ignoramos se tem uso da profissão em que pela primeira vez a vimos, e se o não tem, promete vir a ser uma atriz bem sofrível.

Somos informados de que nenhum engenheiro, nenhum artista profissional auxiliou ao Sr. João Caetano em sua empresa: um carpina mui hábil, o Sr. Antônio Joaquim da Silva tomou á seu cargo a direção da obra, e foi tão feliz em seu trabalho que geralmente mereceu aprovação; sofrendo apenas uma ou outra observação pouco importante, às quais até hoje ainda não escapou artefato algum.

O pintor não é menos digno dos elogios que lhe fez o publico que concorreu ao Theatro de Santa Thereza: o pano da boca, o do teto, e geralmente toda a obra de seu pincel não parecem trabalhos de poucos dias. O Sr. Antônio José Areas pode encontrar censores da parte dos homens da arte, de nós, e dos que a este respeito julgam pelo efeito do todo só encômio merece.

As pessoas que assistiram ao espetáculo dessa noite fizeram justiça inteira aos esforços do Sr. João Caetano. Em todos os semblantes lia-se a aprovação que lhes merecia a disposição, elegância e luxo com que aos nossos olhos se ostentou trajado com as galas do consorcio esse teatro, que em despeito de sua beleza não poderá viver dela, senão de nosso apoio. Sim, do consórcio disse, e é verdadeiro consórcio o ato pelo qual o teatro toma à seu cargo distrair as reflexões pesadas do povo, dar-lhe prudentes conselhos, e diverti-lo, para que este lhe forneça os meios de que aquele carece para desempenhar as funções que lhe são impostas.

Todos desejamos ver sustentada a empresa, porém para isto faz-se mister de algum sacrifício de nossa parte, se é sacrifício o diminuto dispêndio que fazemos para divertimos.

Ainda uma vez o repetimos: muito nos agradou a disposição, elegância e luxo do Theatro de Santa Thereza, elegância e luxo que mais sobressaíram quando todo o cenário estiver renovado: gostamos muito de ouvir a Sra. Generosa, e aos atores em seus diversos papeis. Todos os espectadores a quem ouvimos pensam conosco, pela satisfação dos outros responderam as palmas e prazenteira atenção que deram. Aos que lá não foram só poderemos dizer com Philynto:

"Vocês não viram tal, perderam muito."

Por Villela Junior para o Correio Official, em 30 de dezembro de 1842
Pesquisa e Edição: Alexandre Porto


Em ruínas após a morte do ator-empresário, em 1863, foi o Theatro Santa Thereza reconstruído no início da década de 1880 e reinaugurado em agosto de 1884, sob a batuta do músico e empresário italiano, radicado em Niterói, Felício Tati. Municipalizado, ganhou em 1900 o nome atual de Theatro Municipal João Caetano. Mas isso é outra história.


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Publicado em 07/12/2021

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