"Todo o meu espírito cômico e toda a minha verve de amador notável sentem-se esmagados debaixo da formidável pressão da grandeza deste momento que resurge em todo resplendor de um templo da arte". José Carlos da Costa Velho (30/12/1896).

Construído por uma Companhia liderada por Felício Tati, um músico italiano radicado em Niterói, sobre os escombros do antigo palco onde brilhou João Caetano, o Theatro Santa Thereza, hoje Municipal João Caetano, foi inaugurado a 8 de agosto de 1884.

Por conta de compromissos financeiros não cumpridos com o governo, o edifício foi incorporado ao patrimônio estadual em 1887. Num primeiro momento, não tendo como explorá-lo, resolveram as autoridades transformá-lo em dinheiro vivo, vendendo cenários, móveis, aparelhagens, e até mesmo o encanamento de iluminação a gás. Nem o pano de boca, pintado pelo jovem niteroiense Antônio Parreiras, ficou pra contar história.

Mudam os governos, as prioridades, e em 1889 cuidou-se da recuperação do edifício, na esperança de ser arrendado. São dessa reforma as pinturas decorativas do teto, contratadas ao pintor alemão, radicado no Brasil, Thomas Driendl.

Os bem-vindos melhoramentos foram, no entanto, dramaticamente afetados pela Revolta da Armada (1893-94), que duramente castigou a cidade de Niterói. O Santa Thereza, localizado junto ao litoral, foi alvo fácil para os bombardeios diários que o deixaram semidestruído.

Quando o conflito terminou, em abril de 1894, a capital mudara para Petrópolis, afastando dos olhos dos governantes o cenário tristonho dessas ruínas, que não eram, obviamente, apenas do teatro.

Envolvido com as melhorias da nova capital, o governo do Estado não quis reformá-lo. Na Câmara, o vereador José Carlos da Costa Velho, um festejado ator amador, propunha a desapropriação de terrenos na rua da Praia, atual Visconde de Rio Branco, para construir um teatro municipal, mas não havia recursos. Aprovou-se outra proposta, de Alcebíades Leite, pedindo que o governo transferisse o Santa Thereza para o patrimônio municipal, lembrando a lei estadual 88/1894 que ordenava a transferência para o Município dos próprios estaduais adquiridos antes de 1889, quando a república foi proclamada.

O pedido foi oficializado pelo presidente da Câmara, Martins Torres, mas o governador Maurício de Abreu fez ouvidos de mercador. E mandou leiloar o edifício a 30 de maio de 1896. Encarregado pela Secretaria de Obras do estado, coube ao engenheiro Arthur Noronha de Oliveira avaliar os bens móveis do teatro, localizado na já renomeada rua XV de Novembro, nº 11, depois, 35.

Um periodista que assinava 'Jal', escreveu a 29 de fevereiro, no jornal O Fluminense:

"Quando me lembro que o Phenix Nictheroyense, de teatro passou a padaria, de padaria a cocheira, esse teatro, que se não tinha os requisitos necessários, era excelente e central; quando penso que o Santa Thereza já foi o campo de batalha, onde João Caetano alcançava os louros da vitória ante as turbas alucinadas de entusiasmo; quando penso que aquilo representa uma tradição e talvez, amanhã, depois da pancada seca do martelo, transformar-se-há em fábrica, cortiço, avenida ou casa de pensão; quando noto que Niterói vai ficar privado do único teatro que possui, tenho vontade de comprá-lo. Mas... vontade não é moeda e a respeito de capitais, conheço as duas, Petrópolis e Federal, quanto a dinheiro, é o caso de dizer: Minh'alma é triste e lá em casa a família passa bem."


Os muitos protestos surtiram algum efeito entre os políticos da cidade. Por iniciativa do vereador Manoel Benício, a Câmara de Niterói, que, é sempre bom lembrar, na época acumulava os poderes legislativos e executivos, apressou-se em arrematá-lo por 45 contos de réis.

Por ordem do presidente da Câmara, o engenheiro da mesma dr. Pedro Fontes, começa hoje, 30 de julho de 1896, a fazer os reparos e concertos de que carecem este edifício. Sabemos que não só o senhor presidente quer o mais breve possível o teatro pronto, como por informação do dr. engenheiro, mandou melhorar o que diz respeito ao lugar onde se acha colocado o pano de boca.



Começam novas reformas, praticamente uma reconstrução, a cargo do engenheiro municipal Pedro Joaquim da Silva Fontes. Duram seis meses e custam cerca de 60 contos de réis, não computados seis contos pagos ao decorador Roma pela ornamentação e mais três cobrados pelo cenógrafo Orestes Coliva, responsável pelos novos cenários e pano de boca.

Com o nome de Theatro Municipal de Nictheroy, inaugurou-se a 1º de janeiro de 1897, com a Companhia de Dias Braga, que levou à cena a peça 'Portugueses às Direitas' de França Júnior, e a comédia em um ato de Júlia Lopes, 'Capricho Feminino'.

Tantas são as suntuosidades artísticas a admirar atualmente no Theatro que todo e qualquer espetáculo passa quase desapercebido nas primeiras récitas" Antonio Parreiras (25/12/1896)



Câmara Municipal: Proposta para aquisição do Theatro Santa Thereza

Na sessão de 29 de maio de 1896 da Câmara Municipal desta cidade, foi aprovado o parecer seguinte, elaborado pelo ativo vereador capitão Manoel Benício, sobre o Theatro Santa Thereza, sendo seguido o voto escrito e divergente do vereador Antônio José Moura, ambos membros da comissão de Obras:

"A proposta apresentada à Câmara que adoptou, para comprar o Theatro Santa Thereza, que por ordem do governo do Estado vai ser vendido em leilão no dia 30 do corrente, além de outras vantagens, traz as seguintes ao município:

1º posto que com o empate de alguns contos de réis, aumenta o patrimônio municipal; 2º é um ponto para divertimento da população do município que é o único que pode encontrar nesta cidade.

É da competência do poder municipal fazer aquisição de imóveis ou bens raiz, aumentando assim o seu patrimônio, por compra ou por desapropriação, e esta competência assenta no preceito do nº 12 (letra M) do art. 24 da Lei nº 17 de 20 de Outubro de 1896.

O procedimento da Câmara Municipal para com a policlínica pode ser igualmente aplicado à aquisição do Theatro Santa Thereza, porquanto trata-se de um estabelecimento para divertimentos públicos.

Havendo pois dois meios para a Câmara adquirir aquele teatro:

1) a desapropriação por utilidade pública (Lei 31 de 1895);
2) a compra.

É negócio de maior vantagem o 2º meio (compra), porque no caso da desapropriação, o preço do imóvel corresponderá ao valor locativo de 10 anos, ou por avaliação podendo nesta circunstância elevar-se de 90 a 120 contos de réis, ao passo que por compra o seu preço nunca poderá atingir a mais de 50 contos.

A despesa com a compra do edifício do teatro não está dependendo de crédito especial, e sua aquisição poderá ser feita pelo crédito do § 17 do art. 2º do orçamento vigente, ou ainda pelo do § 23 do mesmo artigo, uma vez que proceda autorização da Câmara.

A quantia de 40 ou 50 contos por que se adquirirá o teatro, não é dinheiro gasto, senão aplicado a um bem de raiz.

Saindo dos cofres municipais aquela quantia, em compensação se eleva patrimônio municipal, de modo que não há decrescimento no ativo da Câmara.



Editorial de O Fluminense comemorando a iniciativa da Câmara

É digna de aplausos a proposta apresentada pelo ativo vereador Manoel Benício na última sessão da Câmara Municipal para que esta corporação concorra ao leilão do Theatro Santa Thereza.

É lamentável, sem dúvida, que uma cidade como Niterói, não tenha uma casa de espetáculos! É desolador que um teatro solidamente construído, elegante, seja vendido para fábrica de cigarros ou cocheira de carros!

Neste Estado apenas o teatro São Salvador em Campos rivaliza com o de Santa Thereza. Por toda a parte, em todos os lugarejos, aparecem companhias de diversos gêneros e nós volvemos à condição de povo atrasado sem gosto artístico e Niterói ficará sendo a tradicional Praia Grande.

O que é verdade é que nos tempos da saudosa Praia Grande o gênio assombroso de João Caetano irradiava no palco do antigo Santa Thereza!

E agora? Assim venha à frente o poder municipal, adopte a proposta Benício, tome a si o teatro. Será uma fonte segura de receita, será um benefício real à população.


Pesquisa e Edição: Alexandre Porto


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Publicado em 03/12/2024

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