Depois de uma carta que mostrei-me de acordo com o ilustre dr. J. G. Bezerra de Menezes, a respeito da verdadeira tecnologia da palavra indígena "Ararigboia", não me tenho privado de esmiuçar o que diz respeito a tudo referente a este famoso índio.

Sobre a formação do nome que até hoje é traduzido por "cobra-feroz" de 'rarô' e 'mboi' por corruptela 'arari-boia', maiores pesquisas tenho feito.

Como já antes disse, o nome assim formado e traduzido vai de encontro às regras da língua brasílica, na qual o adjetivo segue sempre ou pospõe-se ao substantivo.

Sendo assim, era mister pesquisar outra origem e outra decomposição da palavra.

Parece que o mistério esta desvendado desde que se encontrou uma cobra na zoologia indígena com tal denominação - Arariboia.

Pois houve uma cobra assim denominada, e dela trata José Vieira Couto de Magalhães, na sua grandiosa obra nacional "O selvagem", edição de 1876, pags. 145 a 147.

Depois dele, o "nonografista" Theodoro Sampaio deu-se a decompor a palavra dizendo-a - "ar-ig boia" ou cobra que nasce n'água; uma serpente aquática esverdeada e de cabeça escura.

Esta opinião adota Vieira Fazenda num rodapé de "A Noticia", em janeiro de 1903, sob o titulo "Arygboia", não Ararygboia, como deve ser o nome.

E cita um trecho do dr. Augusto de Carvalho dos "Apontamentos para a Historia da capitania de S. Thomé", onde diz que esse distinto cronologista escreve Arygboia. Lá está na pag. 78 da obra de A. de Carvalho, citada, escrito por muitas vezes Araryboia e não como diz Vieira Fazenda.

A decomposição que, por sua conta, haja feito Theodoro Sampaio do aludido vocábulo é também viciosa.

"Giboia ou igboia" já traduz cobra que vive, nasce ou é de água; portanto não havia mister da forma verbal - "ar" - (o que nasce) para compor palavra, ainda por cima errada.

"Arygboia", quando todos tem-na escripto como deve ser - "Arariboia".

Ouça-se agora o dr. Couto de Magalhães.

    O Deos do amor (Rudá), tinha tambem a seu serviço uma serpente que reconhecia as moças que se conservavam virgens, recebendo d'ellas os presentes que lhe levavam, e devorando as que haviam perdido a virgindade.

    Os Tupinambis do Pará acreditaram que haviam d'estas serpentes no lago Juá, pouco acima de Santarém.

    Quando alguma donzella (cunhãtãí) era suspeita de ter perdido a virgindade, seus paes levavam-na ao lago, e ahi, deixando-a a sós em uma ilhota, com os presentes destinados á serpente, retiravam-se para a margem fronteira, e começavam a cantar:

    "Arára, arara mbóia"
    "Cuçucui meiú"

    Que quer dizer: "Arara, oh cobra arara! Eis aqui está o teu sustento."

    A serpente começava a boiar e a cantar até avistar a moça, e, ou recebia os presentes, si a moça estava effetivamente virgem, e n'esse caso percorria o lago cantando suavemente, o que fazia adormecer os peixes, e dava lugar a que os viajantes fizessem provisão para a viagem; ou, no caso contrário, devorava a moça, dando roncos medonhos.
Na zoologia indígena havia, pois, uma cobra chamada "arara-mboia" que, traduzido para a nossa língua, diz: 'cobra arara' e não 'cobra feroz'.

Pelo ser notável esta serpente, tomou o famoso fundador da aldeia de São Lourenço de Nictheroy o seu nome e não como querem os antigos escritores que ele ao nome genérico de "mboia" ou "giboia" antepusesse, contra as regras de seu idioma, o adjetivo "rarô" (feroz) para mais sinistramente se fazer temido dos inimigos.

Descendente dos tupys era o chefe dos "tupyminós" de São Lourenço, como são também os tupinambás do lago Juá, justo é, pois, que conhecesse tão famosa serpente tragadora de moças desvirginadas.

Isto posto, a composição da palavra torna-se feita por dois substantivos - "Arara-mboia", fato muito comum na língua indígena nacional.

Exemplo "Ita-oca", casa de pedra, etc.

É regra geral que, nos casos em que uma palavra tupi começa por uma consoante nasal, a tal consoante deve ser lida como se lê um 'u' ou 'i' fraco. Assim "mboia", leia-se "iboia" e teremos "Araraiboia" ou "Arariboia" pela queda do terceiro 'a'.

Deve, portanto, ser esta a origem e decomposição do vocábulo e não outras que até hoje se tenha admitido.

Manoel Benício, em O Fluminense - fevereiro de 1906


LINKS

O Selvagem, de José Vieira Couto de Magalhães
Capitania de S. Tomé, de Augusto de Carvalho


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Publicado em 10/08/2021

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