É de notar que somente em 1851, Niterói ou Nictheroy, como era grafada à época, então capital da Província do Rio de Janeiro, ganhou seu primeiro hospital, o Lazareto de Jurujuba (depois conhecido por Hospital Marítimo de Santa Izabel e Hospital Paula Cândido, nome de seu primeiro diretor), instituído pelo então Governo do Império como isolamento, no hoje bairro de Charitas. Inaugurado em 20 de janeiro, originalmente para abrigar marinheiros em regime de quarentena, com o tempo acabou atendendo à população local, sobretudo nas épocas de epidemia de febre amarela e varíola.

Além disso, segundo Carlos Wehrs, em seu livro 'Niterói Cidade Sorriso' (1984), em 1859 foi aberta a Casa de Saúde de São Sebastião, próximo à estação das barcas em São Domingos, onde os Drs. José Alves Machado e Domingos Bernardino de Almeida exerciam, respectivamente, as funções de médico e cirurgião.

Com o título de Casa de Saúde Nictheroyense, os drs. José Martins Rocha e João José Pimentel fundaram, também em 1859, outro estabelecimento deste gênero, que funcionou na aba esquerda do morro da rua da Diamantina, hoje Marquês do Paraná, nº3. Um anúncio publicado em diversos periódicos afirmava: "Este estabelecimento tem segura garantia na reputação médica dos seus proprietários".

Vista panorâmica da Maternidade no alto do outeiro. Revista Fon-Fon, 1922
O decreto 1.133, de 27 de agosto de 1859 autorizou o Presidente da Província, Ignacio Francisco Silveira da Mota, a contratar com os mesmos o estabelecimento de enfermarias gerais e especiais. De 1860 a 1869, por meio do produto de 11 loterias especiais, os proprietários receberam uma subvenção do governo para atender gratuitamente um certo número de enfermos pobres.

Com o sucesso da iniciativa, seus donos decidiram então construir um novo prédio, com as condições higiênicas apropriadas para receber uma clientela cada vez maior. E à dispensa dos mesmos, deu-se início a edificação de um prédio no alto do morro que hoje conhecemos como Valonguinho, no Centro de Niterói.

Os terrenos onde se ergueram os edifícios da nova Casa de Saúde pertenciam, antes de 1848, a uma propriedade denominada "Chácara do Brum", pertencente a Miguel Joaquim Brum. Esses terrenos foram adquiridos pela Câmara Municipal, em 14 de fevereiro de 1848, por desapropriação em ato conciliatório, aos herdeiros pela quantia de 13 mil contos de réis. O outeiro que a chácara circundava, foi vendido aos dois médicos e empresários em haste pública, pela Câmara, em 28 de maio de 1863.




Primeiro Hospital Público

Mesmo com o crescimento da Casa de Saúde, a população mais carente continuava à míngua de recursos médicos: era caso a exigir solução urgente. O decreto nº 1.546, de 14 de dezembro de 1870, autorizou a Província a adquirir o estabelecimento, a fim de servir de hospital público.

A aquisição, no entanto, só se efetivou em 15 de fevereiro de 1872, quando, na presidência do conselheiro Josino do Nascimento e Silva, foi autorizada, pela Assembleia Legislativa Provincial, a compra, junto ao Dr. José Martins da Rocha e aos herdeiros do Dr. João José Pimentel, do edifício principal, quatro edifícios anexos e terrenos, pela quantia de 250 contos de réis. A escritura foi lavrada no cartório de Manoel Benício.

Feita a desapropriação, começou a funcionar com o título de Hospital de São João Baptista de Nictheroy, sob a direção do Dr. Antônio Joaquim Lopes Lira. A sua localização foi considerada magnífica, em terreno amplo, todo arborizado, proporcionando bela vista panorâmica sobre a Baía de Guanabara, e recebendo sempre fresca aragem, mesmo em dias em que a cidade, lá embaixo, sufocava sob a "canícula" (calor muito forte).

O serviço médico e cirúrgico então era todo feito gratuitamente, já que os Drs. José Martins Rocha, Luís de Queirós Matoso Maia, Bento Maria da Costa, José Marciano da Silva Pontes, José Severino de Avelar Lemos e da Silveira Rodrigues, ofereceram seus serviços sem remuneração alguma. Logo foram removidas para o novo hospital as enfermarias das praças policiais e dos presos, instaladas no Corpo Policial, em condições inadequadas.

Em 1876, o quadro técnico do Hospital era constituído pelos Drs. José Vitorino da Costa, diretor do estabelecimento, José Francisco de Oliveira e pelo farmacêutico Teófilo José dos Santos. Já no ano seguinte, integravam o corpo clínico hospitalar os Drs. João José de Freitas Bahiense, Manuel Rodrigues da Silveira e Manuel Pereira da Silva Continentino Junior. Este último, em fevereiro de 1878, substituiu o Dr. José Victorino na direção do Hospital, desempenhando o cargo até outubro de 1903, quando se aposentou. A partir de 1878, o hospital passou a ter um "cirurgião interno": Dr. Manuel Vieira da Fonseca.

Como único hospital da cidade, o São João Baptista sofria recorrentemente de superlotação. Em relatório divulgado em 1878, o deputado estadual Josino Filho afirmou: "No hospital de São João Baptista esquecem-se estes preceitos: o número de doentes não está em proporção com a capacidade do edifício, nem com o número de metros cúbicos de ar puro que a ventilação fornece à cada uma das enfermarias. O número de leitos de cada uma das enfermarias foi aumentado, e ainda, segundo me consta, foram colocados leitos nos corredores do edifício".

Em 8 de dezembro de 1878, na gestão de Camilo Armond, o Visconde de Prados (1878-1879), foi inaugurado, no alto do mesmo morro, um prédio para a Enfermaria dos Alienados (hospício), e em 1884, a Assembléia Provincial aprovou a lei Nº 3.456 considerando o hospital de São João Baptista uma repartição pública, e seus empregados com direito a aposentadoria.

Em 1888, devido aos beneméritos esforços dos srs. Alfredo de Miranda, Ferreira da Silva e F. R. de Miranda, construiu-se no sopé do mesmo outeiro, na esquina da rua Nova (atual General Andrade Neves) e Visconde de Moraes, uma policlínica administrada e mantida desde 1895 pela Câmara Municipal. O estabelecimento foi inaugurado dois anos depois.

Nos últimos anos do século XIX no complexo hospitalar, além do prédio central e enfermarias anexas (epidêmicos, alienados, policiais, presos e policlínica), havia os prédios do necrotério, da casa de arrecadação, a cocheira e a casa da bomba. O edifício central, sendo maior, abrigava oito enfermarias, muitos quartos para doentes, farmácia, cozinha, aposentos para empregados, secretaria e capela.

Durante a administração do dr. Francisco Portella (1889-91), fundou-se, na freguesia de São Lourenço, um Hospital de Isolamento para epidêmicos e em seguida o Desinfectório Central, que funcionava à rua da Praia, atual Visconde do Rio Branco.

Devido à sua privilegiada localização, durante a Revolta da Armada (1893-94), o hospital serviu de quartel, sendo em parte atingido pelas granadas. Os doentes foram provisoriamente transportados para uma Casa de Saúde no Barreto e para o Colégio dos Salesianos, em Santa Rosa.




Crise

Na administração do governador Quintino Bocaiuva (1900-1903), o hospital poderia ter fechado diante da crise financeira que vivia a Província. A situação revoltou a população local e a política estadual, já que o hospital atendia milhares de pessoas, não só do município de Niterói, mas de toda a região no entorno da cidade.

O fato é que um decreto legislativo de 26 de dezembro de 1898, autorizou o governo a transferir o hospital ao município e em 1904, já havia suprimido as subvenções dadas a todas as casas de caridade. Num decreto de 30 de março deste mesmo ano, o governador Nilo Peçanha (1903-06) municipalizou o hospital, o que, na prática, significava a dramática limitação de leitos, mantendo-se apenas uma pequena assistência hospitalar. À espera de que alguma entidade filantrópica assumisse o hospital, o município, que havia recentemente retomado a condição de capital do Estado, por falta de verbas, adiou as necessárias obras para seu pleno funcionamento.

Em situação de quase ruína, o hospital São João Baptista só foi completamente reformado pelo município em 1906. Segundo mensagem enviada à Câmara Municipal, em 20 de novembro de 1906, o prefeito Leoni Ramos (1905-06) escreveu:

"O pavilhão principal foi inteiramente reconstruído; abriu-se no meio uma grande área ajardinada que encheu de ar e luz salas que puderam ser então aproveitadas para enfermarias. A cozinha, a sala de cirurgia, a de eletricidade, foram rigorosamente instaladas, assim como as diversas enfermarias. Mandei vir da Europa, e já se acham na Alfândega, móveis, aparelhos e instrumentos modernos para as salas de cirurgia e eletroterapia. As latrinas foram retiradas do interior do edifício central e montadas em um pavilhão especial. Os diferentes edifícios anexos foram reformados e estão agora nas mais perfeitas condições de higiene e conforto. Resta ainda fazer a reconstrução do antigo pavilhão dos alienados e a construção de um necrotério."

Nas dependências onde outrora funcionou a enfermaria dos Alienados, em 1908, já na administração do prefeito João Pereira Ferraz (1906-10), foram executadas obras de adaptação para transformá-la em uma Maternidade. O edifício, inteiramente em ruínas, sofreu reforma completa, sendo substituído o assoalho de madeira por outro de concreto armado, com vigamento de ferro e coberto de ladrilho; emboçadas e rebocadas todas as paredes, recebendo então pintura a óleo, com tinta de esmalte, permitindo assim completa desinfecção, tanto dos assoalhos, quanto das paredes. Foi levantado um puxado, onde foram instalados banheiras de ferro esmaltado, com aquecedor de água a gás, lavabos e latrinas com todas as condições de higiene. A maternidade foi inaugurada em 1º de maio de 1910.

Já em 11 de outubro de 1913, na administração do prefeito Feliciano Sodré (1910-14), foi inaugurado, também sob responsabilidade do São João Baptista, o serviço de Pronto Socorro Médico Cirúrgico.

Em 31 de dezembro do mesmo ano, no terreno pertencente ao hospital, na então rua Visconde Moraes 101, ao lado da Policlínica, foi construído um palácio para abrigar o Asilo da Velhice Desamparada. Em 1921, o Asilo foi transferido para uma casa na Alameda São Boaventura, onde depois funcionou o Colégio Brasil, e, a partir de 1923, para uma chácara à rua Benjamin Constant, 350, onde alguns anos mais tarde foi transferida a maternidade.





De volta ao Estado

Por escrituras públicas de 16 de março de 1928 e de acordo com a Lei n. 1.906, de 26 de novembro de 1924, foram transferidos para o Estado do Rio de Janeiro, os edifícios, terrenos, instalações e serviços do Hospital de São João Baptista e do Pronto Socorro, pertencentes à Prefeitura, que se obrigou a contribuir, anualmente, para o custeio desses estabelecimentos, com as importâncias respectivas de 190:000$ e 150:000$000 (cento e noventa mil réis e cento e cinquenta contos de réis).

Em 1926, o agora governador Feliciano Sodré (1923-27) cedeu um dos pavilhões do hospital (hoje Departamento de Morfologia da UFF) para a recém criada Faculdade Fluminense de Medicina (FFM). Em 1931, também para a FFM, o governo do estado cedeu o palácio do Asilo da Velhice Desamparada, prédio que abriga hoje o Instituto Biomédico da UFF.

Nos últimos anos da primeira metade do século XX, o São João Batista foi perdendo sua importância. Diante das demandas de uma população que crescia exponencialmente, o município tratou de projetar um novo hospital, que acabou sendo construído na Av. Marquês do Paraná. O hoje Hospital Universitário Antônio Pedro foi inaugurado em 15 de janeiro de 1951.

O Antônio Pedro, inaugurado por etapas, veio a reunir num só conjunto todos os serviços existentes no complexo do São João Batista, os da Maternidade Municipal, da Rua Benjamin Constant, e o Pronto-Socorro, transferido da Rua São Pedro, possibilitando, assim, a criação e multiplicação de serviços auxiliares de diagnóstico e tratamento. Novas salas de cirurgia, bem equipadas, laboratórios especializados, auditórios e salas de conferências passaram a integrar os novos serviços.

Legado

Prestando relevantes serviços à sociedade fluminense por quase 80 anos, pelo Hospital de São João Baptista passaram muitas gerações de estudantes, que se tornaram médicos ilustres. Como escreveu Luiz Lamego em artigo publicado em 'O Fluminense', de 28 de fevereiro de 1950, "o Hospital de São João Baptista ficou como preciosa relíquia, a recordar os nomes de tantos médicos que ali trabalharam, com dedicação e desinteresse, cumprindo o mais belo preceito da Medicina - a Caridade.

Além dos já citados Lopes Lira, Manuel Continentino Junior e Vitorino da Costa, o Hospital de São João Baptista contou com diversos outros dedicados diretores, entre eles Luiz de Queiroz Mattoso Maia, Jorge Pinto, Eduardo Augusto da Silveira, Alcides Figueiredo, Antônio Pedro Pimentel e Deocleciano Costa Velho.

Todo aquele outeiro, outrora do Brum, serve hoje a diversos campus da Universidade Federal Fluminense, achando-se lá o Instituto Anatômico, e em edificações novas, os Institutos de Física, Química, Biofísica, Bioquímica, Geociências e o Dispensário Mazzini Bueno. O Centro de Estudos e a Biblioteca ficam ao pé da elevação.





Fontes

Com informações dos 'Annaes da Assembléa Legislativa Provincial do Rio de Janeiro', 'Relatórios dos Presidentes dos Estados Brasileiros (RJ) - 1892 a 1930', 'Anais da Camara Municipal de Niterói' e diversos jornais de época, em especial os artigos de Manoel Benício (O Flu, 1905) e Luiz Lamego (O Flu, 1950).


Morro do Brum, o outeiro do Hospital

Por Roberto Moraes - Originalmente o Morro do Brum chegava até o mar e como não permitia caminho pelo litoral, para as bandas de São Domingos, a população precisava seguir pela rua Nova do Ingá (atual Andrade Neves) que cortou pelos fundos o morro. O nome 'Brum' (uma família sempre de origem açoriana, da ilha do Faial) se deve ao cidadão Miguel Joaquim Brum, dono de uma chácara no lugar, e que foi o primeiro tratante de Niterói, pois numa das abas do morro instalou um matadouro e comerciava com carnes. Tempos depois, o morro passou por uma tentativa de urbanização e em cima foi demarcada uma praça com nome de Mandragoa. O morro perdeu outra grande fatia para a abertura da rua São Sebastião, o que fez surgir a esquina onde os presbiterianos construíram a sua primitiva igreja, muito simpática, e que foi demolida para a construção de um hotel. Resta aparente, um derradeiro paredão de pedra cortada defronte a entrada lateral do Plaza Shopping.


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Publicado em 18/01/2023

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