por Divaldo de Aguiar Lopes

O Suplemento do "O Estado", do dia 19 de junho de 1949, divulgou um artigo, intitulado "O Índio Arariboia", da autoria do Sr. Marcelo Ipanema, que, em seu trabalho, fez um esboço da difícil biografia do velho chefe indígena, citando errônea afirmação quando declarou: "Morreu, segundo Manoel de Macedo, afogado perto da ilha do Mocanguê-Mirim, isto nos primeiros anos do século XVII, ou nos últimos do anterior".

Sobre tal fato acreditávamos não restar mais dúvidas o julgávamos mesmo que, segundo informes dos últimos documentos a respeito desse fato, não mais fossem citadas afirmações confusas como a de Manoel de Macedo mencionada pelo ilustre articulista.

Já tivemos oportunidade de esclarecer o nosso confrade Ruy Gonçalves que, padecendo da mesma dúvida, baseou-se em velhas e desusadas fontes. Dissemos, e o repetiremos, que quanto à morte desse valoroso índio, patrono histórico de Niterói, não resta mais dúvidas ter o mesmo falecido em sua aldeia, com todos os sacramentos, segundo a valiosa informação do padro Pedro Roiz (in Anais da Biblioteca Nacional XXIX - fls. 218).

Arariboia não pereceu afogado, como afirmaram Cunhal Barbosa e Abreu Lima, na ilha do Fundão, nem, tampouco, na do Mocanguê-Mirim, como declarou Manoel de Macedo. Por causa dessas falsas afirmações é que chegou a se inaugurar, indevidamente, uma placa comemorativa do fato, na ilha do Mocanguê (ex-vi da Lei Municipal de 1 de agosto de 1906), mais tarde dali retirada.

Em "Croniqueta da Cidade", divulgada em "O Estado" de 22 de junho de 1946, declaramos: Pouco ou quase nada se sabe dos hábitos e costumes desse chefe indígena, patrono histórico de nossa cidade. Dificilmente se poderia descrevê-lo, pois, até mesmo os pintores e escultores contemporâneos, nos embaraçam nessa descrição biotipológica. O inolvidável mestre Parreiras pintou-o, num quadro comemorativo da "Fundação da cidade de Niterói", executado em 1909, corpulento, com bom aspecto fisionômico e de média estatura. Em que se baseou, não sabemos. Aliás, em torno desse trabalho do mestre Antônio Parreiras, houve, na época, sérias controvérsias em virtude do laureado pintor ter apresentado o índio Arariboia nu, ou seja, apenas envergando uma tanga sumaríssima.

Nesse quadro, onde se vê a encosta do morro de São Lourenço, servindo de cenário e existente na Prefeitura de Niterói, pode-se admirar o quanto Parreiras era meticuloso em seus trabalhos, pois, quando se propunha a empreender os labores de uma tela histórica, procurava aproximar-se, o mais possível, do verídico, ou pelo menos, do consagrado pelos historiadores. Assim sendo, repercutiu grandemente o protesto de um descendente do bravo termiminó, contra aquela suposta falta de respeito ao chefe indígena cognominado Fundador da Cidade de Niterói. Esses protestos logo encontraram eco na opinião pública e na imprensa, enquanto Parreiras defendia-se, sem êxito, alegando haver dado um sentido alegórico à sua obra e, mesmo, nada haver encontrado nas pesquisas levadas a efeito sobre os supostos trajes que Arariboia envergava quando do episódio que seu trabalho fixara.

Leia: O Arariboia de Parreiras

É de todos conhecida a bela defesa que Vieira Fazenda fez, em favor de Parreiras, pois a douta opinião do consagrado historiador carioca foi aceita, visto ter ele expressado a tese que havia, realmente, absoluta falta de prova de que Arariboia envergasse, nas solenidades em que aparecia, o formoso e suposto traje que lhe fora presenteado pelo rei de Portugal.

Por pouco, o insigne mestre Antônio Parreiras não teve o seu trabalho recusado pela municipalidade fluminense. Em 1911, novamente, Parreiras viu-se atacado e apontado o seu gesto como irreverente, quando, desincumbindo se de um outro trabalho histórico, dessa feita para a Prefeitura da vizinha capital, intitulado "A morte de Estácio de Sá", ali retratou Arariboia, também, de tanga somente. O semanário "A Careta", não perdeu a oportunidade de trazer à baila antigo protesto e, assim, que o belo quadro foi exposto, logo alertou a opinião pública divulgando uma fotografia do quadro com o seguinte texto legenda:

"A Morte de Estácio de Sá - O fundo representa o grande capitão no derradeiro leito, ferido por uma flechada dos tamoios, aliados dos franceses. Ao centro, a figura de Arariboia. Como os leitores vêm, o pintor cingiu-se, de acordo, aliás, com a douta opinião de Vieira Fazenda, às tradições, pondo nu, ou quase, o famoso caboclo. Isso, aliás, já provocou os protestos de um descendente do índio, o sr. Arariboia Cardoso, que não admite representem o avo nu. Ora, imagine-se agora o efeito causado no espírito do digno descendente de Arariboia, pelo quadro, onde além do avô, a maldade de Parreiras pintou, nua, até a avó!"

A respeito desses fatos, o diretor do Museu Antônio Parreiras, divulgou recentemente, num semanário desta cidade, interessante crônica. O escultor Modestino Kanto o esculpiu, não sabemos baseado em que documentos, "com feições grosseiras, com tendências africanas, nariz redondo e disforme, maçãs salientes" (in Livro do Centenário de Niterói - 1919), tal como o vemos no busto erigido na praça do seu nome, nesta cidade.

Outro fato, muito repetido e citado por todos aqueles que procuram traçar a biografia de Arariboia, é o dado como ocorrido diante do governador da parte sul do Brasil, - Antônio Salema, sendo Frei Vicente do Salvador o responsável pela citação até que pesquisas mais positivas venham aclarar o episódio, onde Arariboia, sente-se agastado com a reprimenda do governador o qual o manda sentar-se, e, por que acavalasse uma perna sobre a outra, achou essa atitude pouco recomendável diante dele, ao que o índio respondera:

"Se tu souberes quão cansadas eu tenho as pernas de guerra em que servi a El-Rei, não estranharias dar-lhes agora este pequeno descanso; mas já que me achas pouco cortesão, eu me vou para a minha aldeia onde não curamos desses pontos e não tornarei mais à tua corte".

Esse episódio que depende, a nosso ver de pesquisas, pois retrata traços da altivez desse índio, e tanto pode ser verdadeiro como mera fantasia de Frei Vicente do Salvador, é negado pelo ilustre sr Marcelo Ipanema, no final do seu já mencionado artigo, em termos incisivos:

"Nunca fez isto. Esteve sempre ao lado dos portugueses. Tomou ainda parte no povoamento e colonização do atual Estado do Rio"

Não sabemos, baseado em que documentos, esse episódio é negado pelo articulista. Nada impediria Arariboia de colaborar com outros governadores, após a extinção da efêmera divisão em governo do norte e do sul.

Continuaremos em nosso trabalho desinteressado de aclarar, quanto possível, certos fatos sobre a vida do valoroso índio Martim Afonso no sentido de coligir, cada vez mais, dados que interessem e habilitem os pesquisadores da história do município de Niterói.

Filio-me àqueles que amam as coisas do passado e as do presente, da centenária cidade de Niterói e, convoco aqui, para as nossas lutas, os que se comprazem nas glórias cívicas ancestrais.

Publicado originalmente na Revista Guanabara Fluminense em novembro de 1955

Pesquisa e edição de Alexandre Porto


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Publicado em 29/12/2021

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