por Divaldo de Aguiar Lopes (setembro de 1955)

Pelo relatório apresentado à Assembleia Legislativa, da Província do Rio de Janeiro, na 2.ª sessão da 12.ª Legislatura, pelo Vice-Presidente, João Manoel Pereira da Silva, em 1857, sabemos que existiam, ainda nessa época, cerca de cinco aldeamentos de índios na Província, todos em franca decadência física e assim distribuídos:

O de São Fidelis, que era composto de vinte famílias Corapós e oitenta de Coroados, e mais algumas outras pertencentes às tribos de Puris. Ocupavam-se aqueles do transporte de madeiras e estes últimos de caça e pesca, constituindo essas atividades meio de subsistência.

No aldeamento da Pedra (também no município de São Fidelis), viviam nômades cerca de 1.500 descendentes das tribos de Puris, ariscos e nunca recenseados até então.

Os de São Pedro, em Cabo Frio, primitivamente composto de índios Goitacazes, possuíam uma carta de sesmaria das terras que ocupavam, vindo, mais tarde, os seus legítimos descendentes e donos, a serem esbulhados por sabidos que delas se apoderaram.

O aldeamento de S. Bernabé, fundado em 1579 no Município de Itaborahy, possuía 90 indivíduos.

Os do aldeamento de São Lourenço, pertencentes à tribo dos Temininós, tiveram seu apogeu no tempo do chefe indígena Arariboia, que empossou-se oficialmente na sua Sesmaria em 22 de novembro de 1573.

Depois da morte do valoroso índio, o aldeamento entrou em decadência, e a usurpação que já vinha de longe, começou a se intensificar, contra as terras dos pobres gentios, que viviam da pesca, da caça e de suas lavouras, onde predominava a cultura do milho e da mandioca.

    "Os actuaes habitantes da aldea de S. Lourenço, decendentes dos Tupinambás, que vierão com Martin Alfonso de Souza, da Capitania do Espirito Santo, vivem miseravelmente; e sua raça acha-se tão mesclada, que se não pode bem extremar. A sesmaria concedida para seu patrimonio está toda por assim dizer em poder de pessoas, que occupão como suas as respectivas terras a titulo de fôro ou arendamento, cuja renda está por cobrar. A Presidencia da Provincia tem tratado de providenciar sobre a sorte d'esses infelizes, esperando bons resultados dos esforços do juízo de orphãos, e de um curador nomeado para cuidar de seus interesses." (Brasil - Ministerio do Império, 1855)


Em 1835, a esse respeito, dizia ao Presidente da Província, num trecho do seu ofício de 13 de janeiro do citado ano, ao Juiz de órfãos, João Antunes dos Santos, que também o era dos índios, que a Sesmaria media "uma légua de testada e duas de sertão", e cientificava aquela autoridade, textualmente: "esta acha-se quase totalmente usurpada por diversos avarentos, abastados preponderantes que pelo influxo de suas riquesas, conseguiram apossar-se das terras e tecer a enredada teia com que procuram mascarar sua usurpação com o mais escandaloso manifesto aos infelizes índios".

Em 1815, quando o aldeamento foi visitado pelo Príncipe Maximiliano de Wied Neuwied, que deixou suas impressões escritas no livro "Voyage au Brésil", onde descreve a aldeia e a indústria oleira, construções de barcos para pesca, sem ferramentas, e declarou que os índios estavam a serviço do Rei, como remadores. Quanto à louça de barro, era um tanto grosseira, e adquirida por muitos para enfeites e recordações de visitas feitas à tribo.

A renda da aldeia, sempre foi minguada e insuficiente, e era constituída de foros de terra (que os foreiros na sua maioria não pagavam coisa alguma), venda do utensílios manufaturados, peixes e frutas. Aliás, nunca tiveram os pobres índios uma assistência condigna por parte dos dirigentes da província.

Em 1820, segundo informações de Milliet de Saint Adolphe (in Dic. Geog. e Histórico e descritivo do Império), existiam 200 índios: em 1835, informava o Presidente Joaquim José Rodrigues Torres, que a população indígena era de 149 gentios; em 1844, 106 índios, sendo desse total 55 do sexo feminino; segundo informe do Presidente da Província Caldas Viana, em 1849, apenas existiam 92 indígenas, pois sem amparo, entregaram-se ao ócio, vivendo na mais melancólica e deplorável indigência, com seus domínios despojados pelos aproveitadores inescrupulosos que em nada respeitaram o passado glorioso dos índios donos de 72 milhões de metros quadrados de terras niteroienses.

Os dirigentes da província lamentavam o estado de abandono desses seres semisselvagens, que nunca tiveram boa assistência por parte dos responsáveis pelas coisas públicas, e são até chamados de "raça infeliz", pelo Vice-Presidente João Manoel Pereira da Silva, já referido no início desta crônica, quando declarou no seu relatório: "no que respeita, porém, à catequese dos índios, a experiência tem mostrado que quaisquer esforços a não ser o emprego das missões, são improfícuos para chamá-los ao grêmio da civilização. Enquanto perdura o interesse, conservam-se nos aldeamentos; porém desde que ela cessa volta o pendor natural que os leva à indolência, e ociosidade que caracteriza essa raça infeliz".

A partir de 1850, não se fez mais missões, nem houve interesse de conservar-se os aldeamentos, e os índios foram, uns morrendo, outros mesclando-se com a população e, assim, desaparecendo, vítimas da falta de melhor assistência dos poderes públicos de então, que chamavam-nos de indolentes e ociosos, esquecendo-se que eles eram os legítimos donos das terras usurpadas pelos brancos.

No Livro de Registros da Câmara Municipal de Niterói, foi registrado, em 16 de abril de 1861, o seguinte ofício, remetido ao vice-presidente da Província do Rio de Janeiro:

    "A Monarquia Portuguesa, em remuneração de serviços prestados pelo Indígena Martim Afonso de Sousa, concedeu-lhe uma sesmaria de uma légua de testada com duas de sertão, que se acha compreendida neste município, para que ele, seus descendentes e os de seus companheiros, gozassem de sua propriedade, o que com efeito se realizou, tendo eles por cabeça de povoação a Aldeia de São Lourenço, hoje paróquia desta Cidade.

    Esses indígenas com o andar dos tempos têm desaparecido, e mesmo os mui poucos que existem, não são puros. A sesmaria concedida compreende o terreno de mais valor deste município e seu produto, quando arrecadado por pessoas desinteressadas é recolhido ao cofre provincial, figurando porém, em escala muito inferior àquela de que é suscetível, e a Câmara Municipal desta Cidade, carecedora de meios que é obrigada e que vão em progressivo crescimento, vê com mágoa que essa riqueza se esteja perdendo, e que talvez ainda seja necessário pedir a criação de impostos, sendo já deles muito onerados seus munícipes ao passo que, dada a sesmaria para seu patrimônio, no estado em que se acha podia ser sua renda utilmente aplicada aos melhoramentos municipais, administrando-o ela, ou remindo aos foreiros e empregando essa soma de modo a não produzir menor renda, ficando ela para caução de qualquer compromisso que para o futuro possa ter: Porta-se razão pois a mesma Câmara vem solicitando de V Excia, a graça de tomar este pedido em consideração, e enviá-lo aos altos poderes do Estado, para resolução a que for de justiça.

    Deus guarde V. Excia. - Niterói, 16 de abril de 1867 - Ilmo Exmo. Dr. José Ricardo de Sá Rego. Vice-Presidente da Província do Rio de Janeiro. Assinaram os Srs. Caldas - Jota - Moreira - Dr. Marcelino - Gomes - Goulart".


Em 1866, foi declarado extinto o aldeamento de São Lourenço, em a nossa cidade, sendo distribuídos aos sobreviventes da tribo do destemido Arariboia, lotes de suas próprias terras.

A respeito dessas terras dos índios, o jornal "A Pátria", divulgou, na sua edição do dia 14 de dezembro de 1871, o seguinte:

    "EDITAL - O engenheiro civil João Maria de Almeida Portugal, juiz comissário das terras do município de Nictheroy e encarregado pelo Tesouro Nacional de medir e demarcar os terrenos do extinto aldeamento dos índios de S. Lourenço. Faço constar aos que o presente edital virem que, tendo de começar os ditos trabalhos na forma das instruções que lhe foram dadas pelo mesmo tesouro, e para isso fazendo-se necessário conhecer o modo por que cada um se acha possuidor dos terrenos que foram concedidos aos índios afim de serem respeitados os que tenham razão de ser: e sendo os ditos terrenos aqueles constantes da carta de sesmaria de 16 de março de 1568, e que ficaram compreendidos pelos rumos orientados por mim, de ordem do Ministério da Agricultura em 1868 onde estão completados todos os terrenos da cidade de Nictheroy, a partir do morro de Gragoatá, seguindo pelo litoral, até as imediações da Ponte de Pedra, assim como todos os outros terrenos que ficam dentro das linhas que tendo por pontos de partida esses mencionados lugares vão findar, a que parte do Gragoatá (lado sul), na serra da fazenda do Engenho do Mato, pertencente a João Francisco da Cruz, e a que parte das imediações da Ponte de Pedra (lado do norte), no lugar chamado Três Voltas, na fazenda de Pihyba, pertencente a Francisco Domingues Costa, freguesia de Itaipu. E por isso, convido a todos os interessados a que no prazo de 60 dias, a contar deste, venham perante mim, nesta cidade, Campo d'Aclamação n. 4, fazer a exibição de quaisquer títulos que possuam, afim de se conhecer a sua legitimidade, sob pena de se proceder sem sua audiência. E para conhecimento de todas faço público este pela imprensa. Rio de Janeiro, 11 de Dezembro de 1871. - João Maria de Almeida Portugal".


O que resta de todo esse passado evocativo, é a igrejinha construída segundo o Padre Serafim Leite, por P. Gonçalo de Oliveira, seu primeiro apóstolo, e que dela, em 1570, nos dá as primeiras notícias.

Em 13 de junho de 1934, o Bispo Diocesano de Niterói assinou escritura de cessão da referida igreja, em nome da Mitra Diocesana, à Prefeitura Municipal, conforme as Deliberações n. 254, e 1.213 de 2 de março de 1915, e de 21 de novembro de 1933. Hoje faz parte integrante do patrimônio artístico e histórico do país. Se tivéssemos sabido preservar da ruína, pelo menos o aldeamento de São Lourenço, teríamos hoje, em colaboração com o Serviço de Proteção aos Índios, fonte de atração das mais curiosas desta cidade.

Publicado originalmente na revista Guanabara Fluminense em setembro de 1955. Incluindo transcrição na íntegra de documentos citados no artigo: do Correio Oficial do Ministério do Império em 1855; e do jornal "A Pátria" em 11 de Dezembro de 1871.

Na imagem de Capa, Mapa italiano de 1698 do entorno da Baía de Guanabara.

Pesquisa e Edição de Alexandre Porto


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Publicado em 29/12/2021

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